28 fevereiro 2006

O MANIFESTO DA ÁGUA

foto de José Gama

O DIREITO DE TODOS À VIDA

Vimos de África, da América Latina, da América do Norte, da Europa. Reunimo-nos em três ocasiões em 1998 sem qualquer outra legitimidade e representatividade do que aquelas que nos advêm de sermos cidadãos preocupados pelo facto de um bilião e 400 milhões de pessoas, em 5,4 biliões de habitantes do planeta, não terem acesso a água potável, fonte primordial de vida. Este facto é inaceitável.
Ora, o risco de, em 2020, quando a população mundial atingir cerca de 8 biliões de seres humanos, o número de pessoas sem acesso a água potável se elevar a mais de 3 biliões é grande. Isto é inadmissível. Podemos, devemos impedir que o inadmissível se torne aceitável. Como?
Pensamos que isso será possível se aplicarmos os princípios e regras a seguir enunciados.

SETE PRINCÍPIOS

1. A água "fonte de vida" pertence aos habitantes da Terra como comunidade.
Enquanto "fonte de vida" fundamental e não substituível do ecossistema Terra, a água é um bem vital que pertence aos habitantes da Terra, como comunidade. Nenhum deles, individualmente ou em grupo, deveria ter o direito de a tomar sua propriedade privada.
A água é um bem patrimonial comum da humanidade. A saúde individual e colectiva dela dependem. A agricultura, a indústria, a vida doméstica estão-lhe ligadas. Não há acesso à produção da riqueza sem acesso à água. A água, sabemo-lo e toda a gente o diz, não é um recurso como os outros; não é uma mercadoria transaccionável, pecuniária.
O seu carácter insubstituível faz com que toda a comunidade humana - e cada um dos seus membros - tenha direito ao acesso à água, em particular à água potável, em quantidade e qualidade necessárias e indispensáveis à vida e à actividade económica.

2. O direito à água é um direito inalienável individual e colectivo.
A água pertence bem mais à economia dos bens comuns e à partilha da riqueza, do que à economia de acumulação privada e individual e da predação da riqueza do outro. Enquanto a água foi frequentes vezes, no passado, fonte maior de desigualdades sociais, as nossas civilizações de hoje reconhecem que o acesso à água é um direito fundamental, inalienável, individual e colectivo.
O direito à água faz parte da ética de base de uma "boa" sociedade humana e de uma "boa" economia. É dever da sociedade no seu conjunto e aos diversos níveis de organização da sociedade, segundo o duplo principio de co-responsabilidade e de subsidiariedade, garantir o direito ao acesso à água para todos e para a comunidade humana sem qualquer discriminação de raça, sexo, religião, rendimento ou classe social.

3. A água deve contribuir para a solidariedade da vida entre comunidades, países, sociedades, sexos e gerações.
Não é porque os recursos de água doce se encontram desigualmente distribuídos pela Terra, ou porque o rendimento está também muito desigualmente repartido entre os seres humanos e os países do planeta, que deve haver igualmente desigualdade no acesso à água entre pessoas e comunidades humanas.
Do mesmo modo, a desigualdade na distribuição deste recurso e dos rendimentos não significa que os povos ricos em água e as pessoas ricas em rendimento possam fazer dela a utilização que entendam, ou seja vender (ou comprar) ao estrangeiro para disso tirarem o máximo lucro (ou prazer). É tempo da água deixar de ser, em numerosas regiões do Mundo, fonte de grandes desigualdades entre homens e mulheres, estas últimas suportando o fardo das actividades económicas ligadas à água.
Há ainda hoje, às vésperas do terceiro milénio, demasiadas guerras entre Estados vizinhos por causa da água, uma vez que os Estados, que se encontram em melhor posição geo-económica, utilizam a água como um instrumento ao serviço dos seus interesses estratégicos de potência "hegemónica" local. É possível subtrair a água às lógicas do Estado- potência para a tornar res publica sob tutela do Estados-cidadão.

4. A água é um problema de cidadania e de democracia.
Criar condições necessárias e indispensáveis para que o acesso à água seja eficaz e óptimo é um problema de todos. É também um problema entre gerações. É, de facto, responsabilidade das gerações actuais utilizarem, valorizarem, protegerem, conservarem os recursos em água de modo a que as gerações futuras possam usufruir da mesma liberdade de acção e capacidade de escolha que desejamos actualmente para nós. O cidadão deve estar no centro das decisões.
A gestão integrada sustentável e solidária da água é domínio da democracia participativa, representativa e directa. Ultrapassa as competências e os conhecimentos dos técnicos, dos engenheiros, dos banqueiros. O utilizador (consumidor pagador e não pagador) tem um papel importante a desempenhar pelas suas escolhas judiciosas e pelas suas práticas guiadas pelos princípios de uma economia e de uma sociedade sustentáveis.

5. Qualquer política da água implica um elevado nível de democracia ao nível local, nacional, continental, mundial.
Por definição, a água reclama uma gestão descentralizada e transparente. Os dispositivos da democracia representativa devem ser reforçados. Um campo considerável está aberto aos dispositivos da democracia participativa ao nível das aldeias, das cidades, das bacias aquíferas, das regiões.
Os quadros regulamentares claros ao nível internacional e mundial devem fazer emergir e tornar visível a política sustentável e solidária da água ao nível da comunidade mundial. As instâncias parlamentares são chamadas a desempenhar um papel fundamental na construção de um direito mundial da água no decurso dos próximos vinte anos.
Pensamos também que é urgente e indispensável (re)valorizar as práticas locais e tradicionais. Um património considerável de saberes, de competências e de práticas comunitárias solidárias, de uma grande eficácia, foi delapidado. Corre o risco de ser ainda mais destruído nos próximos anos.

6. O acesso à agua passa necessariamente pela parceria. É tempo de ultrapassar as lógicas dos "senhores da guerra" e dos conflitos económicos pela hegemonia e conquista dos mercados.
A cidadania e a democracia baseiam-se na cooperação e no respeito mútuo. Vivem pela e da parceria. "Parceiros para a água" è o princípio inspirador de todos os dispositivos (como por exemplo os "contratos de rio"), que permitiram, nestes últimos tempos, ultrapassar eficazmente os conflitos que em certas regiões do Mundo envenenaram as relações entre comunidades ribeirinhas ou que partilham a mesma bacia hidrográfica.
Defendemos, bem entendido, uma parceria local, nacional, mundial, pública ou privada, fundada no respeito pelas diversidades, onde as múltiplas lógicas e culturas em presença podem equitativamente contribuir à gestão integrada, solidária e sustentável da água, no interesse geral.
Uma parceria que não seria senão formal, submetida, na realidade, às lógicas e interesses dos actores privados em competição renhida entre eles pela conquista do mercado - o que seria indelevelmente o caso se a água fosse reconhecida como sendo sobretudo um bem económico e um bem comercial - não poderia senão prejudicar os objectivos do acesso à água para todos e da gestão integrada, sustentável e solidária dos recursos de água.

7. Pensamos que a responsabilidade financeira da água deve ser simultaneamente colectiva e individual segundo os princípios da responsabilidade e da utilidade.
Assegurar o acesso de base à água para satisfação das necessidades vitais elementares e fundamentais de toda a pessoa e comunidade humanas é uma obrigação para a sociedade no seu conjunto. É a sociedade que deve assumir colectivamente a cobertura de conjunto dos custos relativos à recolha, produção, armazenamento, distribuição, utilização, conservação e reciclagem de água, de modo a fornecer e a garantir o acesso à água na quantidade e qualidade consideradas como sendo o mínimo vital e necessário indispensável.
O conjunto dos custos (incluindo as externalidades negativas que não são tidas em conta pelos preços do mercado) são custos sociais colectivos ao nível das comunidades humanas de base. Isto torna-se ainda mais evidente e significativo à escala de um país, de um continente e da sociedade mundial. O seu financiamento deve ser assegurado por via da repartição colectiva. Os mecanismos de tarificação individual, segundo os preços progressivos, devem intervir a partir de uma utilização da água que ultrapasse o mínimo vital necessário e indispensável.
Para além do mínimo vital, a progressividade dos preços é função da quantidade utilizada. Além disso, todo e qualquer abuso e excesso na utilização devem ser considerados como ilegais.


PROPOSTAS

Para que estes princípios e estas regras se tornem realidades vivas nos próximos 20 a 25 anos, quando dois biliões de seres humanos serão acrescentados à população actual, propomos que as medidas seguintes sejam adoptadas e postas em marcha, numa espécie de "contrato mundial da água", segundo dois princípios basilares:
A constituição de uma "rede de parlamentares pela água"
A promoção de campanhas de informação, de sensibilização, e de mobilização em torno da "água para todos"
Propomos dotar a iniciativa do contrato mundial da água de um instrumento de colecta e de análise de dados (quantitativos e qualitativos) tão rigorosos quanto possível, graças à instalação progressiva de um Observatório mundial dos direitos da água.

Constituição de uma rede de parlamentares pela água.
Cabe aos parlamentares, órgãos principais da representação política nas sociedades "ocidentalizadas", ou às instituições comparáveis noutros contextos civilizacionais, a responsabilidade de modificar as legislações existentes aplicando os princípios e regras adiante explicitados.
Definir um corpo jurídico novo em matéria de água, não apenas ao nível local e nacional, mas também no plano internacional e mundial (um "direito mundial da água") constitui uma tarefa primordial face ao vazio jurídico existente neste domínio à escala mundial. Deve ser data prioridade a um "Tratado mundial da água" fundado sobre o princípio da água como bem vital patrimonial comum da humanidade.
Este "tratado", por exemplo, excluiria a água de qualquer convenção internacional comercial (no quadro da OMC), como é já o caso para o domínio cultural.

Promoção de campanhas de informação, de sensibilização e de mobilização relativas a:
1. O desenvolvimento (ou modernização) dos sistemas de distribuição e tratamento sanitário das águas para as 600 cidades dos países de África, da Ásia, da América Latina e da Europa oriental e Rússia que terão mais de um milhão de habitantes em 2020 e cujo sistema de água é, já hoje, inadequado, obsoleto, senão mesmo inexistente.
2. A luta contra as novas fontes de poluição das águas nas cidades dos países da América do Norte, da Europa ocidental e do Japão cuja contaminação do solo e das camadas freáticas de superfície e profundas é cada vez mais inquietante, grave e, em alguns casos, irreversível.

Trata-se, concretamente, a partir de programas locais a nível urbano, de realizar o objectivo da criação de "3 biliões de torneiras de água".
Os movimentos associativos, as ONGs, os sindicatos, os científicos têm nesta matéria um papel essencial e determinante a desempenhar.
Para este objectivo, dever ser dada prioridade :
À reforma profunda dos sistema actuais de irrigação ligados ao modo de produção agrícola (e agroalimentar), industrial, intensivo
As soluções existem, entre outras a irrigação "gota a gota".
A agricultura actual "moderna" é principal consumidora de recursos de água doce do planeta (70% das estimativas totais mundiais, cuja maior parte se prende com a irrigação). Ora, 40% da água de irrigação perde-se no seu percurso. Além disso, os seus excessos estão na origem de graves atentados e ameaças ao ambiente pela salinização dos solos e o hidromorfísmo (obstrução).
Uma moratória de 10 a 15 anos relativamente à construção de novas grandes barragens das quais se conhecem já os consideráveis inconvenientes a curto e longo prazo para o ambiente, para as populações e para a gestão integrada e sustentável da água.
Criação de um Observatório mundial dos direitos da água.
O objectivo do Observatório será o de recolher, produzir, distribuir, disseminar as informações mais rigorosas e fiáveis possíveis em matéria de acesso á água do ponto de vista dos direitos individuais e colectivos, da produção da água, a sua utilização, a sua conservação e a sua protecção, a sua gestão sustentável e democrática.
O Observatório deveria tornar-se um dos dispositivos de informação e de comunicação de referência mundial, nomeadamente para a valorização das práticas efectivas de parceria real e de gestão solidária.




Membros do Comité para o Contrato Mundial da Água

Mário Soares, Ex-Presidente da República de Portugal
João Caraça, Director da Fundação Calouste Gulbenkian, Portugal
Sylvie Paquerot, Universidade do Quebec, Montreal, Canada
Mário Albornoz, Professor da Universidade de Quilmes, Argentina,
Susan George, Directora Assistente da Transnational Institute, EUA/França,
Jose Antonio Pinto Monteiro, Ministro do Ambiente, Cabo Verde,
Raoul Alfonsin, Ex-Presidente da República da Argentina,
Antonio Gonçalves Henriques, Vice-Presidenta do Instituto da Água, Portugal,
Frédéric Ténière-Buchot, Missão para a Água, Programa para o Ambiente das Nações Unidas, França,
Driss Ben Sari, Professor na Universidade Rabat, Moroccos,
Rosário Lembo, CIPSI, Italia,
Abou Thiam, Professor na Universidade de Dakar, Senegal,
Rafaeil Blasco Castany, Presidencia da Comunidade Valenciana, Espanha,
S.A.R. Le Prince Laurent, Presidente do Real Instituto para o Desenvolvimento Sustentável dos Recursos Naturais, Bélgica
Lars Ulmgrend, Secretário Geral do Instituto Internacional da Água de Estocolmo, Suécia.
Rinaldo Bontempi, Membro do Parlamento Europeu, Itália.,
Candido Mendes, Senador, Presidente da Universidade Candida Mendes, Brasil,
Anders Wijkman, Assessor do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Suécia,
Larbi Bouguerra, Presidente do Grupo de Lausanne, Tunisia,
Hasna Moudud, President da National Association for Resources Improvement, Bangladesh,
Riccardo Petrella, Secretário do Comité, Presidente do Grupo de Lisboa, Itália,
David Brubaker, Membro do Centro de Pesquisa e Acção Global para o Ambiente, EUA,
Sunita Narain, Directot do Centro de Ciências e Ambiente, India



ÁGUA, UM BEM COMUM

foto de Ana Ribeiro

1. Depois de Marrakech, em 1997, Haia, em 2000 e Quioto em 2003, o Conselho Mundial da Água organiza no México, em meados de Março, o 4.º Fórum Mundial da Água. O tema este ano, no México, será “Acções Locais para um Desafio Global”.
Reunindo especialistas, autoridades e organizações não governamentais, o Fórum pretende debater a gestão dos riscos e a discrepância entre os recursos técnicos e financeiros disponíveis nos vários países.
Durante a reunião será apresentada uma agenda para políticas de redução de riscos e serão formuladas estratégias para enfrentar os impactes das alterações climáticas. Os participantes vão definir uma cultura da água local e promover a “hidrosolidariedade” através da cooperação.
O Conselho Mundial, com sede em Marselha, defende “a reavaliação da nossa cultura sócio-política”, no sentido de valorizar a água, que considera ser o mais valioso de todos os recursos

2. Do lado da alterglobalização, na Primavera do ano passado, realizou-se em Genebra o 2º. Fórum Alternativo Mundial da Água. Tendo por objectivo desenvolver e promover instituições e políticas públicas que permitam enfim um acesso de todos os seres humanos à água potável e uma gestão democrática, solidária e sustentável da água, este Fórum deu prioridade à formulação de planos de acção concretos. Deste modo, deu sequência às orientações tomadas pelo primeiro Fórum, organizado em Março de 2003 em Florença (Itália), que reuniu mais de 1’800 participantes durante dois dias e que enunciou os quatro princípios fundadores de um serviço público mundial da água não sujeito às regras da concorrência:
- o acesso à água em quantidade (40 litros por dia para usos domésticos) e de qualidade suficientes à vida, deve ser reconhecido como um direito constitucional humano e social, universal, indivisivel e imprescritível.
- a água deve ser tratada como um bem comum que pertence a todos os seres humanos e a todas as espécies vivas do Planeta. Os ecossistemas devem ser considerados como bens comuns.
- as colectividades públicas (das autarquias ao Estado, das Uniões continentais à Comunidade mundial) devem assegurar o financiamento dos investimentos necessários para concretizar o direito à água potável para todos e um uso "sustentável" deste bem, a água.
- os cidadãos devem participar, sobre bases representativas e directas, na definição e na realização da política da água, tanto a nível local como a nível mundial.

A organização deste Fórum contou com a participação de membros do Contrato Mundial da Água, cujo Comité Internacional é composto por personalidades provenientes de diversos continentes, preocupadas com o facto de 1,4 mil milhões de pessoas não terem hoje acesso a água potável. Este Comité é presidido por Mário Soares e tem Riccardo Petrella como secretário-geral, um professor da Universidade católica de Louvain (Bélgica) e da Academia de arquitectura da Universidade suíça-italiana, que se define como "militante da água", um dos principais iniciadores do Fórum alternativo mundial da água.
Reunido em Lisboa, há 8 anos atrás, este Comité redigiu o Manifesto da Água.

26 fevereiro 2006

O PREÇO DOS OUTROS



"Todos os homens têm um preço. É nisto que acreditam todos os homens que têm um preço. Não lhes passa pela cabeça que possa ser diferente, porque isso faria deles corruptos. E ninguém olha para si próprio como um corrupto. Não passam de negócios. Por isso, honestos serão apenas os que ainda não receberam a oferta certa.
Mas não é verdade. Nem todos os homens têm um preço. Uns porque são de outro tempo, outros porque não dão assim tanto valor ao dinheiro, outros porque os seus imperativos éticos têm a força de uma lei da natureza. Conheço um assim. Talvez até junta um pouco das três características. Chama-se José Sá Fernandes. Não fosse por mais razão nenhuma, o episódio com o sócio da Bragaparques chegaria para que a sua eleição tivesse valido a pena.
A ser como é relatada pelos jornais, a história conta-se em poucas palavras: um homem que achava que todos os homens têm um preço foi ter com o irmão de Sá Fernandes para comprara o silêncio e a cumplicidade do eleito. Confesso que fico atónito ou com a ignorância ou com o descaramento destes fura-vidas. Ignorância, porque só não sabendo nada sobre Sá Fernandes lhe pode ter passado pela cabeça que tal era possível. Descaramento, porque sabendo, achou que podia arriscar. Provavelmente, a ousadia vem da prática. Provavelmente, uns disseram que sim, outros, dizendo que não, calaram, porque cada um sabe de si e Deus sabe de todos. Felizmente para nós esta gente às vezes é atrevida. Felizmente para nós, às vezes há mesmo homens que não têm preço."

Este texto, publicado no Expresso de ontem, foi escrito por Daniel Oliveira.
Por baixo destas palavras lavro a minha assinatura em homenagem ao CIDADÃO José Sá Fernandes!

veja mais aqui e aqui


25 fevereiro 2006

O ROSTO DA UTOPIA



José Afonso, numa cidade viva, sem muros nem ameias, com gente igual por dentro e por fora…
20 anos depois da sua morte, o Zeca vive de novo, por estes dias, e sempre!
Quis estar no novo espaço que ele preenche para além da nossa memória e do coração, repetir os passos pelas notas das suas músicas e voltar a sonhar Liberdade, navegando nas palavras das suas canções.
Manuel Freire, Pedro Barroso, João Lóio, “De Outra Margem” (Galiza), “Chamaste-m ’ Ó”, Dino Freitas e Manuel de Oliveira subiram ao palco de um magnífico Auditório para um concerto de homenagem.
Estive lá, estivemos lá… e tivemos a certeza de que o Zeca também lá esteve.

Por causa do Zeca, fui ontem a Guimarães. Regressei momentaneamente aos lugares da minha infância. Revisitei o Palácio Vila Flor , que sempre olhou a cidade com o Castelo ao fundo, a partir da encosta e do sul. Magnífico, o palácio deu o mote a uma nova arquitectura que, com ele, cria uma nova centralidade e também se abre ao vale onde a cidade acontece.
Estimulante, o novíssimo
Centro Cultural de Vila Flor marca um novo e decisivo tempo em Guimarães. A Cultura tem aí a oficina de todas as aventuras, numa dinâmica que, saída há pouco tempo da linha de partida, já percorreu inúmeros e interessantes actos criativos.

Ontem, em Guimarães, na terra onde nasci, pensei na Póvoa, a outra terra que faço minha.
De repente, foi inevitável uma mistura de sentimentos. O lado feliz aconteceu através da Cultura Portuguesa que ali se incendiava nessa noite, através das palavras, dos sons e da Arquitectura. O lado sombrio fez a antítese dispensável, quando ficou claro que os slogans não são suficientes para se ser a cidade da cultura e do lazer!
Naquele magnífico espaço, um aperto na garganta fez-me lembrar o tanto que há a fazer para ser verdade no outro lado da minha terra, a Póvoa.




22 fevereiro 2006

A FRASE E A ATITUDE



“Não vamos dar atenção aos pormenores das propostas porque a partir de agora votaremos sempre contra as propostas dos socialistas.”


Não foi o Baron de Montesquieu que disse! Mas, quem o disse, citaria mais tarde Montesquieu para falar de Política num certo sentido e fazer a caminhada ao contrário quando votou contra a proposta socialista de estabelecer uma carta municipal de ética. Um instrumento simples apresentado com o propósito de criar uma referência de atitude e de unir e não de fracturar. Um sinal para o exterior, útil e desejável, num tempo em que é preciso voltar a credibilizar a Autarquia fragilizada pelos acontecimentos recentes!

Tremi de perplexidade! É provável que o Pensador que morreu em Paris em 1755 - ano do Terramoto de Lisboa - tenha tremido ainda mais na tumba, movido pela onda de choque com epicentro na Praça do Almada.

Frase-chave de um preconceito que turva o espírito e contamina a acção política da Maioria, diz bem da alegada “abertura ao diálogo” que, na verdade, é miragem na terra da boa vontade.
Frase-chave que explica a surdez e a impenetrabilidade, e a consequente troca do essencial pelo que é fugaz e efémero.
Frase-chave que denuncia o preconceito partidário, visível de novo a seguir, quando votaram contra outra proposta socialista, que visava tão só estimular a adesão dos cidadãos a ligar o saneamento das suas casas à rede pública, diminuindo os custos de ligação: uma proposta prosaica, talvez, mas que interessa ao dia-a-dia de todos, interessa à defesa da saúde pública e à qualificação ambiental.


Ao Vereador que vestiu Montesquieu, sem o ter compreendido, é útil recomendar-lhe Shakespeare:

Guardar ressentimentos é como tomar veneno e esperar que outra pessoa morra”

E, para que não fiquem dúvidas, este é um comentário político!
Não é um ataque pessoal! Por isso, quanto a nomes, só referi William e, claro, Montesquieu, que não é vereador, pelo menos neste mundo!


Nota final: a imagem é do Barão!

19 fevereiro 2006

FARTAR VILANAGEM




Será que estes magníficos senhores receberam o prémio por contrariar o destino e tudo terem feito para que o resultado não fosse mais negativo e o desvio muito maior, ou porque contribuíram com eficácia para o resultado líquido negativo e para o desvio de 140% do orçamentado?

Enquanto isto acontece, os mesmos magníficos senhores preparam-se para impor aos utentes da Linha da Póvoa tarifários penalizantes: tarifários que ajudam a afundar os parcos orçamentos familiares dos que usarão o Metro que será brevemente inaugurado; tarifários que atrasam a opção pelo transporte público amigo do ambiente e pela mobilidade sustentável!
Fica a perplexidade e a indignação perante os Presidentes das Câmaras da Área Metropolitana do Porto, os senhores dos 60% da empresa, que nem cuidaram de que houvesse uma gestão racional do erário público, nem se preocupam com os únicos destinatários do Metro, os cidadãos!
E fica a tristeza por ver como se esbanjam oportunidades de credibilidade! Como fica o Norte e a Área Metropolitana do Porto depois do desleixo dos que deviam exercer os cargos políticos em nome do interesse público? Que sentimento podemos ter se, por manifesto incompetência e oportunismos vários, um dos maiores projectos nacionais que teve a sua génese no Norte, se perder para a gestão do Poder Central?
Lê-se no Expresso de hoje.


Desastre orçamental leva Governo a ponderar tomar conta da empresa

Gestores do Metro do Porto
recebem €650 mil de prémios

A EMPRESA Metro do Porto S.A. pagou cerca de 650 mil euros de prémios de gestão aos três membros da sua Comissão Executiva (CE) durante o período 2002-2003. O Conselho de Administração, liderado por Valentim Loureiro, premiou o trabalho do presidente Oliveira Marques e dos dois administradores-executivos, quando a empresa de capitais públicos apresentou resultados líquidos negativos (chegando em 2004 a 38 milhões de euros) e o investimento previsto para a primeira fase do metro ligeiro do Grande Porto um desvio de 140%, ou seja, custou mais 1,5 mil milhões de euros do que estava previsto no contrato assinado com o consórcio Normetro em 1998.
Para a Inspecção-Geral de Finanças, os prémios de gestão da CE “não se encontram enquadrados num conjunto de objectivos previamente definidos, excedendo em muito o razoável”, visto que ascendem anualmente a mais de nove salários mensais da CE, quando os restantes gestores públicos nunca ganham prémios que ultrapassemos dois meses de vencimento. Os salários de 140 mil e de 110 mil euros anuais brutos de Oliveira Martins e dos dois vogais do CE, além dos 50 mil euros anuais brutos dos membros do Conselho de Administração(integrados pelos autarcas Valentim Loureiro, Narciso Miranda, Rui Rio, Mário Almeida e pelos três administradores-executivos) da Metro do Porto são também considerados “excessivos”pela IGF. Estes valores foram fixados em 2000 pelo então ministro das Obras Públicas, Jorge Coelho.
As clássicas deficiências de projecto a cargo, por contrato, da Normetro e as alterações de última hora solicitadas pelos municípios do Grande Porto ( como a duplicação de vias, as elevadas obras de requalificação urbana que deveriam ter sido pagas pelas autarquias e a antecipação da linha do Aeroporto e da ligação Campanha-Estádio do Dragão) são as causas apontadas pela IGF para a derrapagem orçamental.
Este desastre financeiro não deverá ficar por aqui, visto que a data de conclusão total do projecto (Março de 2006) não será alcançada, pela simples razão de que a segunda fase ainda não está sequer concluída. O novo custo total do projecto já vai nos 3,5 mil milhões de euros.
Estes factos foram apurados numa auditoria de 2005 da Inspecção-Geral de Finanças à gestão da Metro do Porto no triénio 2000-2003, a que o EXPRESSO teve acesso parcial. A IGF constatou um descontrolo dos custos da obra, a prevalência de ajustes directos em detrimento de concursos públicos e um dado curioso numa empresa totalmente gerida e detida em 60% pelos autarcas da Área Metropolitana do Porto (AMP): “a responsabilidade pelo financiamento do projecto é toda assegurada pelo Estado” .
A IGF descobriu ainda que o novo custo de 2,4 mil milhões de euros da primeira fase não foi autorizado pelo Governo e não está coberto em termos orçamentais, existindo um défice de financiamento de 930 milhões de euros se considerarmos a indemnização por trabalhos a mais devida à Normetro.
Fiscalização Inexistente. Face a este “tsunami” financeiro, os ministros Mário Lino e Fernando Teixeira dos Santos obrigaram em Outubro passado a Comissão Executiva da empresa a entrar em gestão corrente, até ser definida uma alteração estatutária que, como a IGF aconselha, retire o poder aos autarcas da AMP e passe a empresa para as mãos do Governo.
Particularmente criticada pela IGF é a fiscalização da obra adjudicada a um consórcio lideradopela Sonae, que custou perto de 30 milhões de euros. Face a uma derrapagem de 1,4 mil milhões de euros, causada, em grande medida, por atrasos e deficiências da responsabilidade da Normetro, a fiscalização não aconselhou a Metro do Porto “o desencadeamento de mecanismo suspensivo ou sancionatório” da Normetro, critica a IGF.
A construção da Ponte Infante D.Henrique , que permite ao metropolitano ligar o Porto a Vila Nova de Gaia, representa um paradigma do descontrolo financeiro da obra. Estimada em 14 milhões de euros em Agosto de 1997, veio a custar mais de 33 milhões de euros e ficou concluída três anos depois do previsto. O atraso na entrega dos terrenos de ambas as margens (da responsabilidade das autarquias de Gaia e Porto e do Ministério da Defesa) é a principal causa apontada.
Mas, mesmo não tendo conseguido cumprir os 27 meses contratualizados em 1997 como prazo para a conclusão da obra, o consórcio liderado pela Edifer recebeu, segundo a IGF, “prémios pelo cumprimento do novo programa de trabalhos”. Curiosamente a pintura da infra-estrutura (não prevista inicialmente) é o último factor, segundo a IGF, de agravamento de custos.
A IGF criticou ainda duramente os custos superiores a um milhão de euros do período experimental de Novembro de 2002 entre as estações do Viso e do Senhor de Matosinhos. Tal período não foi previsto no contrato original da Normetro.
foto de Fernando Ladeira

15 fevereiro 2006

ALERTA VERMELHO



A Comissão de Utentes da Linha da Póvoa - CULP vai propor às bancadas das Assembleias Municipais de Vila do Conde e da Póvoa de Varzim, aos Presidentes das duas Câmaras, às estruturas partidárias concelhias e a deputados eleitos pelo círculo do Porto que "façam tudo o que puderem" para travar uma eventual subida do tarifário do metropolitano quando este, em meados do próximo mês, chegar à Póvoa.
Rosto do movimento, Armando Herculano justifica esta iniciativa como saída para impedir o risco que correm os utentes de, após anos de espera em condições nem sempre adequadas, ver o preço do transporte aumentar consideravelmente, ao mesmo tempo que o metro passa a ser mais lento e menos confortável que o seu antecessor, o comboio, que deixou de percorrer esta linha da Póvoa em Fevereiro de 2002.

A CULP lidera, de novo, uma reivindicação dos cidadãos!
Uma reivindicação que é justa, não só pelas consequências imediatas no quotidiano de cada pessoa que utiliza o transporte público, como pelo seu significado na promoção da mobilidade sustentável e da defesa da qualidade ambiental.
Movimento de cidadãos reunidos em volta de um objectivo comum, concreto e específico, é expressão do aprofundamento democrático.
Talvez venha a perder dinamismo no futuro, quando a sua missão passar a ser apenas de guardião da qualidade do serviço de transportes no dia-a-dia.
Todavia, enquanto agente espontâneo dos utentes da Linha da Póvoa, a sua utilidade pertinente permanece para além da renovação do sistema de transportes em curso.
Cabe aqui recordar a sua acção para a duplicação da linha, quando os Partidos Políticos e as Câmaras Municipais da Póvoa e de Vila do Conde estavam distraídos. Cabe recordar a sua luta pela melhoria dos transportes alternativos enquanto a obra durou.
Cabe aqui, por isso, manifestar o meu reconhecimento como cidadão aos que, animados pela causa do interesse público, dedicaram tanto de si próprios nesta meritória luta.
Aos Partidos Políticos, às entidades públicas e a cada um de nós impõe-se uma atitude de solidariedade activa com este movimento de cidadania!

Em nome do bem comum!

Contem comigo!


VEJA AQUI

VEJA TAMBÉM O BLOG DA CULP

14 fevereiro 2006

SENTIDO INCONFORMISTA




“Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles foram meus, não são seus. Se o criador o tivesse querido juntar muito a mim não teríamos talvez dois corpos distintos ou duas cabeças também distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição, venha a pensar o mesmo que eu; mas, nessa altura. já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se a1guns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem.”

Agostinho da Silva, in "Cartas a um jovem filósofo"



George Agostinho Baptista da Silva nasceu no Porto a 13 de Fevereiro de 1906 (de família alentejana e algarvia), tendo vivido parte da sua infância em Barca de Alva, junto do rio Douro, localidade que muito o marcou.
Após concluir a Licenciatura e Doutoramento em Filologia Clássica na Faculdade de Letras do Porto, frequenta a Escola Normal Superior em Lisboa, tendo recebido uma bolsa para estudar em França. De regresso a Portugal, foi colocado no Liceu de Aveiro onde recusou assinar uma declaração que o obrigava a não seguir a ideologia marxista.
Tal como ensinava a liberdade de pensamento, assim procedeu, tendo sido demitido.
Entre 1935 e 1944, reside em Madrid (como bolseiro) e depois em Lisboa (vivendo de aulas no ensino particular e de explicações) onde se relaciona com o grupo Seara Nova, e, posteriormente com António Sérgio.
Em 1944, parte para o Brasil, onde escreve nesse mesmo ano o livro Considerações. Reside no Uruguai e Argentina, realizando trabalhos no domínio da histologia.
Em 1947, regressa ao Brasil, onde ajudou a fundar universidades (afastadas, normalmente, dos grandes pólos de desenvolvimento), de estações científicas, de centros de pesquisa e intercâmbio, a par de intensa actividade pedagógica e pesquisas em entomologia e parasitologia.
Em 1953, publica a sua única obra de ficção propriamente dita, Herta, Teresinha, Joan.
Realiza inúmeras viagens pelo mundo, visitando países como Japão (que percorre demoradamente), Macau e Timor.
Em 1969, passa a residir em Portugal, tendo sido nomeado conselheiro e consultor junto do ICALP, e ainda no Centro de Estudos da América Latina - Universidade Técnica de Lisboa.
Morre em Lisboa no Hospital de S. Francisco de Xavier num domingo de Páscoa, a 3 de Abril de 1994.
Entre as suas muitas obras, destacam-se: Lembranças sul-americanas; Sete cartas a um jovem filósofo; Do Agostinho em torno do Pessoa, Sentido Histórico das Civilizações Clássicas, A Religião Grega, Miguel Eyquem, Senhor de Montaigne, Considerações, Reflexão e Aproximações.

13 fevereiro 2006

PÔ-LOS NA LINHA...É PRECISO!



“Um dos pilares em que assenta a democracia, e consequentemente o Estado de Direito Democrático, é a liberdade de informação, entendida quer como o direito de transmitir informação quer como o de a ela aceder: a sua consagração na lei e na prática (política, administrativa, judicial) é condição para que se forme e se desenvolva uma sociedade democrática, uma cidadania politicamente consciente e participativa.
Por isso a Constituição da República Portuguesa a todos reconhece, desde a sua redacção inicial, o direito de se informar (artigo 37º, nº 1) ou, na versão da Lei Constitucional nº 1/82, o direito de informar, de se informar e de ser informado. “ (…)


Juiz Conselheiro Agostinho de Castro Martins
Presidente da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos
Foto de António Rocha

12 fevereiro 2006

SOMBRAS NUMA PAREDE LARANJA


















foto de Bruno Dias
O Vereador da Oposição referiu as Grandes Opções do Plano e Orçamento da Câmara Municipal para 2005. Estimavam o montante de 504.030,00 € para o pagamento de Horas Extraordinárias. Este valor, já de si excessivo, veio a sofrer um desvio de 60%, cifrando-se, no final do ano em 804.995,00 €!
O Vereador da Oposição recordou as suas sucessivas chamadas de atenção com vista a conhecer bem o fenómeno e a racionalizar as acções dos diversos Departamentos do Município para reduzir o tempo de trabalho extraordinário e os elevados custos dele decorrentes.
O Vereador da Oposição também lembrou que o Presidente e os Vereadores da Maioria governante nunca quiseram explicar convenientemente a situação, que nada fazem de concreto para a inverter. Que a assumiram sempre com uma ‘naturalidade’ no mínimo preocupante. Que trocaram o esclarecimento pela crítica a quem quer encontrar soluções.

A Lei confere ao Vereador o DIREITO À INFORMAÇÃO e é competência do Presidente responder-lhe no prazo de 10 dias (ver a alínea s) do Art.º 68.º da Lei 169/99, de 18 de Setembro, com as alterações da Lei n.º 5 – A/2002, de 11 de Janeiro). Mas, por ordem presidencial, o Vereador da Oposição não pode aceder a informações sem as pedir expressamente e por escrito ao chefe do Executivo!!! Sinal de abertura presidencial?

Por isso, o Vereador da Oposição, com o intuito de COMPREENDER o fenómeno em todas as suas dimensões, apresentou um Requerimento ao Presidente da Câmara. Pretendia que lhe fosse fornecida informação recolhida em cada um dos Departamentos e Divisões da Câmara Municipal: todas acções realizadas em tempo extraordinário; datas e período do dia em que foram efectuadas; número de horas extraordinárias de cada acção e respectivos custos; identificação dos funcionários que as desempenharam e das respectivas competências; justificação para a realização das acções fora do período ordinário de trabalho; identificação do pedido de autorização prévia de cada acção.

O Presidente considerou que o objecto do pedido formulado extravasa o direito de informação que assiste a um Vereador. Mas, que saiba, a Lei não estabelece limites a esse direito no que se refere aos assuntos que respeitam à Autarquia onde o Vereador exerce as suas funções.
O Presidente comunicou ao Vereador da Oposição que não dará satisfação ao pedido formulado.
O Vereador da Oposição considerou que este é um acto de obstrução ao exercício do direito legítimo da sua função como eleito local, e configura uma prática que desvirtua a indispensável transparência dos actos do Município.
O Vereador da Oposição, esgotado o bom senso do Presidente, viu-se obrigado a recorrer a estância superior para defesa dos seus direitos. Inconformado com tal situação, politicamente retrógrada e ilegal, decidiu recorrer aos meios legais para que alguém, com autoridade e melhor conhecimento das leis, determine ao Presidente que forneça a informação que quer reter!
O Presidente ficou nervoso, ruidoso e ameaçoso, se assim se puder dizer.
Você vai pagar por isso”, replicaram as paredes da sala fazendo eco da voz presidencial!

Naquela casa, a transparência, que na verdade não existia, voltou ao sossego de uma prática que desmente o discurso ilusionista de quem não lhe conhece o significado!
O Presidente legitima, assim, todas as suspeitas! Que se quer esconder, afinal?

A voz presidencial e os seus ecos resmungaram que a decisão do Vereador da Oposição era violenta e acabara com a paz à volta da mesa! Mas, esses ecos comprometidos não dizem violenta a recusa ilegítima do Presidente que originou a reacção do Vereador da Oposição quando a este negou o direito que lhe assiste!

Assim vai a Democracia por estas bandas!

11 fevereiro 2006

UMA ROSA PARA A DINAMARCA
















foto de Pedro Nogueira






A liberdade de expressão é um valor essencial da nossa cultura democrática.
Pela parte que me cabe, não pretendo que este valor seja condicionado, mesmo que, por vezes, se cometa algum excesso. Na verdade, perante esses casos é, de novo a liberdade de expressão que assegura o direito à crítica sobre o que se considerou, com ou sem fundamento, exagerado ou ofensivo.
Uma coisa é certa, o direito à indignação precisa da liberdade de expressão e a violência física contra pessoas e bens não será nunca expressão de liberdade, mas de intolerante cobardia.
É por isso que, apesar do risco dos excessos, prefiro a nossa cultura e o direito inalienável da liberdade de expressão. E prefiro os excessos de liberdade de expressão aos excessos de silêncio das sociedades totalitárias.

Por isso, fez bem a Dinamarca em não apresentar desculpas por acreditar na liberdade de expressão.
E se cada comunidade tem a sua cultura, que deve ser respeitada, também os muçulmanos deveriam aceitar que, na nossa cultura, caricaturar Maomé não contém a intenção de o ofender nem de os ofender.
Afinal, é o radicalismo violento que se ofende a si próprio, quando promove as cenas primitivas a que temos assistido e que só mostram a sua dificuldade em tolerar a diferença.

07 fevereiro 2006

LEMBRAR O HOMEM AOS HOMENZITOS

Humo Cuadratus, de Leonardo da Vinci

O DEFEITO

O seu tanque,
general,
é um carro forte:
derruba uma floresta
esmaga cem homens,
mas tem um defeito
- precisa de motorista.

O seu bombardeiro,
general,
é poderoso:
voa mais depressa que a tempestade
e transporta mais carga que um elefante,
mas tem um defeito
- precisa de um piloto.

O homem, meu general, é muito util:
sabe voar e sabe matar.
Mas tem um defeito:
sabe pensar.

Bertold Brecht, in “Notícias da Raiva “ edições Dinossauro

05 fevereiro 2006

MITOS ANTIGOS

Mitos Antigos, foto de Pedro Miguel Costa




A deturpação dos factos, o privilégio do acessório sobre o essencial, o branqueamento das derivas integram a panóplia de operações que não são inocentes, mas que têm como consequência objectiva o perpetuar de comportamentos desviantes, fazendo do espaço político muitas vezes – demasiadas vezes – apenas escola de vício e agência de empregos.

Há uma sombra jornalística que - vá lá saber-se porquê - toma frequentemente as dores dos protagonistas do poder. E escolhe-os a dedo, com a queda para o lado negro.
Desta vez, essa sombra patética e antiga não acha estranho:
- as súbitas 5 faltas seguidas de um funcionário de colarinho branco tido por exemplar, que o próprio não quis justificar;
- a imediata abertura de um inquérito disciplinar a esse Funcionário, numa Câmara cuja prática tudo perdoa às chefias;
- a falta de compreensão e tolerância do Instrutor do Inquérito, apesar de repetidamente tecer loas à competência e capacidade desse Funcionário e de a Lei impor como circunstâncias atenuantes especiais da infracção disciplinar a prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo e a confissão espontânea da falta, circunstâncias que se verificam no caso e eram conhecidas de Aires e Dourado;
- que o Instrutor do processo (Aires), logo após a audição do Inquirido (Dourado), sem esperar pela sua defesa – que nem foi apresentada… - tenha solicitado informação à Caixa Geral de Aposentações no sentido de esclarecer se Dourado reunia os pressupostos de tempo exigíveis para ser aplicada a pena disciplinar de aposentação compulsiva…;
- a decisão pela reforma compulsiva é o segundo mais grave castigo na carreira da Função Pública. A sua aplicação a tão competente funcionário soa a despropositada, desproporcionada e demasiado severa não havendo outros antecedentes.
- que o benefício ilegítimo alcançado por Dourado com a pena disciplinar que lhe foi aplicada, resulta do facto de ter sido prematura e indevidamente aposentado, e consequentemente receber uma pensão de reforma de montante muito superior ao que receberia caso se aposentasse no tempo normal, assim prejudicando o Estado;
- que se Dourado merecesse realmente o castigo, não seria a seguir nomeado para a Presidência – repita-se, a Presidência – da única empresa municipal da Autarquia poveira.
- que, foi nomeado para esse alto cargo no mesmíssimo dia em que foi notificado da decisão de ser “castigado” com reforma compulsiva;
- que desse exercício recebe vencimento equiparável a Vereador a tempo inteiro, ajudas de custos avultadas e automóvel à disposição.
- que, além disso, tem vindo a acumular funções de assessoria na Câmara de Caminha (também do PSD)…

Não, nada disto é estranho para esse jornalista patético!
Mas, foi motivo suficiente para que o Ministério Público acusasse Dourado, Aires e outros Vereadores, embora tenha deixado de fora Macedo e Diamantino por falta de argumentos formais (não necessariamente de substância).

Foi motivo suficiente para o Tribunal da Relação concluir que, “ao contrário do que faz pressupor o processo disciplinar, indiciariamente ganha corpo outra realidade: o arguido Dourado não foi sancionado, mas favorecido e beneficiado”.
Que “…estamos perante um ataque à autoridade e credibilidade da administração, a elementares princípios de justiça, configurando o comportamento dos agentes uma actuação parcial, de autêntico compadrio.”

E que, perguntando-se metodicamente, se tudo se terá passado por erro, ignorância ou conluio, esclarece que “os factos na sua fria objectividade indiciam o conluio invocado pelo Ministério Público na acusação, pois no processo disciplinar e na deliberação votada pelos arguidos foram intencionalmente omitidas as circunstâncias atenuantes que militam a favor do arguido António Dourado. Depois a circunstância de uma pessoa ser sancionada com a aposentação compulsiva e ser seguidamente nomeada para um alto cargo e de confiança pelos próprios arguidos que o aposentaram, e nas condições em que o aposentaram… é indício, nesta fase suficiente, para concluir que houve conluio.”

Por isso, determinou que fossem julgados!

E, de novo, os factos foram motivo para que o Tribunal de Comarca os condenasse (apesar de lhes impor um pena de que devem estar a rir-se de todos…)

A tal patética sombra jornalística afirma, e eu concordo, que não é missão dos políticos olharem para os seus pares como se fossem perigosos malfeitores.
Por certo concordará que também não é missão da Justiça olhar para os que desempenham cargos e funções políticas como se fossem perigosos malfeitores. Quando o faz, é porque tem motivos para tal!

Não precisamos de qualquer sentença de tribunal para concluir que o sucedido foi ética e politicamente inaceitável. Foi neste registo que sempre coloquei a minha voz, e nada me faz arrepender pela indignação que manifestei.
Também sei, que a “normalidade” para alguns é muito mais espaçosa do que a observação de princípios éticos e de valores. É por isso que são tão lestos a criticar e injuriar quem é independente.
E porque têm pressa em esconder nessa folgada “normalidade” os desvios dos amigalhaços, que tratam como anormal o direito à indignação dos que apenas querem DECÊNCIA !

01 fevereiro 2006

FAZER DOS PROBLEMAS OPORTUNIDADES


Um BALCÃO DO CIDADÃO por cada concelho.
É um desafio que o Governo quer cumprir
e uma oportunidade também para a Póvoa.
Saiba a Câmara aproveitá-la e meter já mãos à obra…



O Governo quer criar um balcão do cidadão, com vários serviços do Estado, em cada concelho do país.
O anúncio foi feito ontem, pelo ministro da Administração Interna, António Costa, na conferência sobre modernização da administração pública em que Bill Gates participou.O ministro sublinhou que é preciso entrar numa "nova geração de lojas do cidadão". "Não basta termos 10 serviços no mesmo edifício, temos de ter 10 serviços no mesmo balcão, em todos os concelhos", afirmou, explicando que esta medida trará menos custos e mais qualidade de serviço.
António Costa entende que os actuais constrangimentos orçamentais não são a causa do actual processo de modernização administrativa, mas uma oportunidade. "O nosso método não é despedir pessoas, é fazer uma análise sistemática dos procedimentos" e introduzir melhorias.
O ministro lembrou a implementação de medidas como o Documento Único Automóvel, que permitiu, em dois meses, emitir 370 mil novos documentos, e a Empresa na Hora, que levou à criação de duas mil sociedades, desde Julho, "num tempo médio de uma hora e 11 segundos".
António Costa adiantou ainda que a criação de um cartão único de cidadão, que junta cinco documentos actuais num só, entrará em fase de projecto-piloto no final do ano. Segundo disse, o novo cartão será mais seguro e permitirá aumentar as transacções electrónicas entre cidadãos e entidades governamentais.
Antes, Bill Gates já havia elogiado esta medida. O presidente da Microsoft garantiu que o cartão único não será uma ameaça à segurança e privacidade dos cidadãos. Pelo contrário, disse, um cartão único é mais fiável pois permite bloquear o acesso aos conteúdos, o que não pode ser feito nos processos em papel.

In J.P.M., Jornal de Notícias, edição de 2006.02.01