16 julho 2011

A INUTILIDADE DAS BALAS NUMA GUERRA FEITA PELA ECONOMIA...


Até 5 de Junho, a culpa era exclusivamente de Sócrates, o vírus a isolar, dizia a mensagem até à exaustão: era preciso convencer a maioria dos eleitores que bastava destruir o vírus e logo acabaria a mentira e chegaria o paraíso!
Os votantes foram na onda. Repetiu-se a escolha daquilo que faz parte do problema desde o tempo do milhão por dia que chegava da Europa, enquanto Cavaco escavacava a agricultura, as pescas e o sector produtivo português, trocando-os por quilómetros de alcatrão e cavando a perda da soberania, entregando-nos à dependência alimentar do estrangeiro.
Votou metade da gente lusa e mais de metade da metade que facilmente emprenha pelos ouvidos, deu maioria absoluta à Direita, branqueando as políticas do neo-liberalismo levado ao extremo onde se encontram as causas fundamentais da crise sistémica e da actual circunstância.
Quinze dias de Governo novo, cai o carmo e a trindade e a culpa que, no dia 4 de Junho, era de dentro e de um só homem, passou para os malandros americanos que, na verdade, sempre foram mecanismos do mesmo capitalismo selvagem que se escolheu nas eleições do dia 5.
Sousa Tavares lembra que, durante o último ano, a Moody´s atacou a dívida soberana de Portugal cinco vezes, quatro das quais sempre um dia antes do Governo recorrer ao mercado. Coincidência?
À repetida profecia da desvalorização sucedeu repetidamente o aumento da desvalorização nacional. Na mesma repetição, Cavaco Silva e um coro de especialistas - sempre muito especializados nas explicações a posteriori e curiosamente afinados pela cantilena neo-liberal – iam credibilizando as agências de rating porque lhes era eleitoralmente mais conveniente e rentável culpar apenas os erros domésticos.
Agora, muita queixa repentina, muita inopinada indignação…hipocrisia de donzelas ofendidas que ainda há pouco diziam que era feio criticar os credores que nos emprestam dinheiro, e muito menos as agências de rating que apenas emitem opiniões… Até os mais complacentes com estes instrumentos do capitalismo financeiro se insurgem; a começar pelo Presidente da República e Ferreira Leite, passando por outros agentes políticos, incluindo os que agora estão no poder, e banqueiros e especialistas de todos os matizes.
Mas, caros senhores, o cerco a Portugal, ao Euro e ao mundo não começou na passada 4ª. Feira! Existe com a vossa compreensão e arrevesadas explicações há muito. E os senhores até se fartaram de vilipendiar quem o denunciou atempadamente, se é que têm memória.
A Esquerda, dentro e fora de Portugal, vem alertando desde sempre para o insaciável ataque aos cidadãos. Mas os senhores têm preferido arrumar a denúncia no virtual baú das velharias marxistas que se opõem ao capitalismo fulgurante da nossa contemporaneidade, esse mesmo que estaria destinado a salvar o mundo, mas que, de facto, está empurrando os países e as pessoas para um plano inclinado degradante e explosivo.

Muita queixa repentina, muita inopinada indignação…mas nem uma ideia concreta e out of box para agir e tirar Portugal da crise…a não ser assumir bovina e acriticamente que temos uma dívida ao sistema financeiro e continuar o saque aos portugueses, depois dos gregos e a pensar em espanhóis, irlandeses, belgas e italianos!
O Governo, mais papista que o papa, prepara-se para aumentar os impostos que dizia não aumentar. Inicia a mentira como alfaia do jogo político e faz o rapto a metade do 14º mês para se mostrar bom aluno. Ao contrário do que pretendia, acabou dando sinais de que sem esforço adicional (e quiçá o que mais vai inventar para o emagrecimento colectivo) não conseguiria cumprir os compromissos com a Troika… A agência leu o sinal e atirou Portugal e as empresas portuguesas para o lixo…
Os ricamente assalariados ao serviços dos agiotas limitaram-se a fazer o que vêm fazendo há anos, e de forma despudorada nos últimos dois: criaram novas condições para fazer subir os juros: PEC atrás de PEC, sem que haja PEC que acalme os “mercados”, tomam proporções cada vez mais obscenas, agravando a dívida, uma dívida que continua a crescer única e simplesmente por causa desses mesmos juros. Deste modo uma divida odiosa, construída sobre argumentos ilegítimos e por isso intolerável. Não obstante, poucos perguntam se é eticamente correcto que se imponha às pessoas uma magreza que já lhes retira a dignidade, para pagar uma alegada dívida que está por explicar e justificar, mas que serve exclusivamente a ganância do sistema financeiro!
De repente, porque foi dado um murro no estômago de Passos Coelho, os comentadores, os economistas de serviço e os políticos da Direita ficaram muito aborrecidos e indignados com as agências de rating.
Mas, alguém com juízo acredita que quem defende o Capitalismo desconhece os objectivos, os mecanismos, os truques e os efeitos do Capitalismo?
Como é possível, então, que os maiores defensores dos mercados financeiros sejam agora (e só agora…) os críticos mais ferozes (por quanto tempo?) de uma das agências que os servem?
Amordaçada a Política pelos que inventaram o fim das ideologias, é pela economia que se faz a guerra, uma guerra altamente destrutiva, que torna as balas uma inutilidade…provisória, é claro!
Só não vê quem não quer!
Mas, nunca foi tão óbvio o crime contra a humanidade gerado pelo modelo neo-liberal que cerca a vida dos povos.
Como defende Eduardo Galeano, dentro da barriga deste mundo infame existe um outro em gestação, esperando, onde vai ser possível a liberdade, a justiça e o bem comum. Por isso, é uma exigência não apenas política mas também ética, sair da caixa e ir ao fundo das coisas para que se possam construir verdadeiras soluções.


J.J.SILVA GARCIA
(texto publicado no semanário O Comércio da Póvoa, em 14 de Julho de 2011)

4 Comments:

Anonymous J.L.Moreira said...

Observação brilhante!

17 julho, 2011 15:07  
Blogger José Leite said...

Tudo bem.
Mas não haverá corrupção em Portugal? Não há cá gente a enriquecer à custa do empobrecimento coletivo? Não há, portas adentro, gente sem escrúpulos, capaz de levar um banco à falência, só para saciar a sua ganância?
Claro que há. E esses continuam na mó de cima. Doa a quem doer...
E até têm padrinhos nos postos chave a protegê-los da justiça!

17 julho, 2011 17:37  
Blogger J.J.SILVA GARCIA said...

Há, pois claro que há!

Por isso é que no bloco central de interesses fazem ouvidos de mercador aos avisos da Esquerda e fogem como o diabo da cruz de fazer uma AUDITORIA À DÍVIDA!
Se fosse feita, como aconteceu no Equador, saberiamos quem anda a criar as condições objectivas para o empolamento da dívida. A muitos colarinhos brancos não restaria alternativa senão ir para a cadeia! A começar pelo negócio dos submarinos alemães...
Por isso é que é urgente, como defende Éric Toussaint, que Portugal repudie de forma soberana a parte ilegítima da dívida, e isso consegue-se auditando-a!
OS CIDADÃOS TÊM QUE SE UNIR NUM AMPLO E URGENTE MOVIMENTO DE EXIGENCIA À AUDITORIA DA DÍVIDA...Na Grécia e em Espanha o moviemento está na rua...

17 julho, 2011 19:15  
Anonymous Francisco Baptista said...

A reestruturação da mentalidade nacional tem que ser o caminho, existem muitos erros da esquerda e da direita, neste momento não poderá haver partidos mas sim união, acreditar no que é nacional, acreditar no valor que temos, e trabalhar, com mais garra com empenho, com mais luta mas com menos lamentações, os erros são do Estado, são dos Bancos mas também são da maior parte dos portugueses que também se desgovernaram e foram na maré, poucos se salvaram mas, e os que não se savaram encontram-se a deriva, devemos acreditar em nós próprios, unir-mo-nos tornar o nosso País melhor e também devemos de nos tornar melhores pessoas, julgo que agiótas e os corruptos irão ter um fim, mas se não for o lado bom a crescer e ilimina-los com a maior brevidade possível, existem problemas que continuaram a existir. Por um causa, força Portugal o que é nacional é verdadeiramente bom, e existe capital humano extraordinário nosso país que está sobaproveitado. O melhor para todos...

18 julho, 2011 10:37  

Enviar um comentário

<< Home