O MANIFESTO DA ÁGUA
foto de José Gama
O DIREITO DE TODOS À VIDA
Vimos de África, da América Latina, da América do Norte, da Europa. Reunimo-nos em três ocasiões em 1998 sem qualquer outra legitimidade e representatividade do que aquelas que nos advêm de sermos cidadãos preocupados pelo facto de um bilião e 400 milhões de pessoas, em 5,4 biliões de habitantes do planeta, não terem acesso a água potável, fonte primordial de vida. Este facto é inaceitável.
Ora, o risco de, em 2020, quando a população mundial atingir cerca de 8 biliões de seres humanos, o número de pessoas sem acesso a água potável se elevar a mais de 3 biliões é grande. Isto é inadmissível. Podemos, devemos impedir que o inadmissível se torne aceitável. Como?
Pensamos que isso será possível se aplicarmos os princípios e regras a seguir enunciados.
SETE PRINCÍPIOS
1. A água "fonte de vida" pertence aos habitantes da Terra como comunidade.
Enquanto "fonte de vida" fundamental e não substituível do ecossistema Terra, a água é um bem vital que pertence aos habitantes da Terra, como comunidade. Nenhum deles, individualmente ou em grupo, deveria ter o direito de a tomar sua propriedade privada.
A água é um bem patrimonial comum da humanidade. A saúde individual e colectiva dela dependem. A agricultura, a indústria, a vida doméstica estão-lhe ligadas. Não há acesso à produção da riqueza sem acesso à água. A água, sabemo-lo e toda a gente o diz, não é um recurso como os outros; não é uma mercadoria transaccionável, pecuniária.
O seu carácter insubstituível faz com que toda a comunidade humana - e cada um dos seus membros - tenha direito ao acesso à água, em particular à água potável, em quantidade e qualidade necessárias e indispensáveis à vida e à actividade económica.
2. O direito à água é um direito inalienável individual e colectivo.
A água pertence bem mais à economia dos bens comuns e à partilha da riqueza, do que à economia de acumulação privada e individual e da predação da riqueza do outro. Enquanto a água foi frequentes vezes, no passado, fonte maior de desigualdades sociais, as nossas civilizações de hoje reconhecem que o acesso à água é um direito fundamental, inalienável, individual e colectivo.
O direito à água faz parte da ética de base de uma "boa" sociedade humana e de uma "boa" economia. É dever da sociedade no seu conjunto e aos diversos níveis de organização da sociedade, segundo o duplo principio de co-responsabilidade e de subsidiariedade, garantir o direito ao acesso à água para todos e para a comunidade humana sem qualquer discriminação de raça, sexo, religião, rendimento ou classe social.
3. A água deve contribuir para a solidariedade da vida entre comunidades, países, sociedades, sexos e gerações.
Não é porque os recursos de água doce se encontram desigualmente distribuídos pela Terra, ou porque o rendimento está também muito desigualmente repartido entre os seres humanos e os países do planeta, que deve haver igualmente desigualdade no acesso à água entre pessoas e comunidades humanas.
Do mesmo modo, a desigualdade na distribuição deste recurso e dos rendimentos não significa que os povos ricos em água e as pessoas ricas em rendimento possam fazer dela a utilização que entendam, ou seja vender (ou comprar) ao estrangeiro para disso tirarem o máximo lucro (ou prazer). É tempo da água deixar de ser, em numerosas regiões do Mundo, fonte de grandes desigualdades entre homens e mulheres, estas últimas suportando o fardo das actividades económicas ligadas à água.
Há ainda hoje, às vésperas do terceiro milénio, demasiadas guerras entre Estados vizinhos por causa da água, uma vez que os Estados, que se encontram em melhor posição geo-económica, utilizam a água como um instrumento ao serviço dos seus interesses estratégicos de potência "hegemónica" local. É possível subtrair a água às lógicas do Estado- potência para a tornar res publica sob tutela do Estados-cidadão.
4. A água é um problema de cidadania e de democracia.
Criar condições necessárias e indispensáveis para que o acesso à água seja eficaz e óptimo é um problema de todos. É também um problema entre gerações. É, de facto, responsabilidade das gerações actuais utilizarem, valorizarem, protegerem, conservarem os recursos em água de modo a que as gerações futuras possam usufruir da mesma liberdade de acção e capacidade de escolha que desejamos actualmente para nós. O cidadão deve estar no centro das decisões.
A gestão integrada sustentável e solidária da água é domínio da democracia participativa, representativa e directa. Ultrapassa as competências e os conhecimentos dos técnicos, dos engenheiros, dos banqueiros. O utilizador (consumidor pagador e não pagador) tem um papel importante a desempenhar pelas suas escolhas judiciosas e pelas suas práticas guiadas pelos princípios de uma economia e de uma sociedade sustentáveis.
5. Qualquer política da água implica um elevado nível de democracia ao nível local, nacional, continental, mundial.
Por definição, a água reclama uma gestão descentralizada e transparente. Os dispositivos da democracia representativa devem ser reforçados. Um campo considerável está aberto aos dispositivos da democracia participativa ao nível das aldeias, das cidades, das bacias aquíferas, das regiões.
Os quadros regulamentares claros ao nível internacional e mundial devem fazer emergir e tornar visível a política sustentável e solidária da água ao nível da comunidade mundial. As instâncias parlamentares são chamadas a desempenhar um papel fundamental na construção de um direito mundial da água no decurso dos próximos vinte anos.
Pensamos também que é urgente e indispensável (re)valorizar as práticas locais e tradicionais. Um património considerável de saberes, de competências e de práticas comunitárias solidárias, de uma grande eficácia, foi delapidado. Corre o risco de ser ainda mais destruído nos próximos anos.
6. O acesso à agua passa necessariamente pela parceria. É tempo de ultrapassar as lógicas dos "senhores da guerra" e dos conflitos económicos pela hegemonia e conquista dos mercados.
A cidadania e a democracia baseiam-se na cooperação e no respeito mútuo. Vivem pela e da parceria. "Parceiros para a água" è o princípio inspirador de todos os dispositivos (como por exemplo os "contratos de rio"), que permitiram, nestes últimos tempos, ultrapassar eficazmente os conflitos que em certas regiões do Mundo envenenaram as relações entre comunidades ribeirinhas ou que partilham a mesma bacia hidrográfica.
Defendemos, bem entendido, uma parceria local, nacional, mundial, pública ou privada, fundada no respeito pelas diversidades, onde as múltiplas lógicas e culturas em presença podem equitativamente contribuir à gestão integrada, solidária e sustentável da água, no interesse geral.
Uma parceria que não seria senão formal, submetida, na realidade, às lógicas e interesses dos actores privados em competição renhida entre eles pela conquista do mercado - o que seria indelevelmente o caso se a água fosse reconhecida como sendo sobretudo um bem económico e um bem comercial - não poderia senão prejudicar os objectivos do acesso à água para todos e da gestão integrada, sustentável e solidária dos recursos de água.
7. Pensamos que a responsabilidade financeira da água deve ser simultaneamente colectiva e individual segundo os princípios da responsabilidade e da utilidade.
Assegurar o acesso de base à água para satisfação das necessidades vitais elementares e fundamentais de toda a pessoa e comunidade humanas é uma obrigação para a sociedade no seu conjunto. É a sociedade que deve assumir colectivamente a cobertura de conjunto dos custos relativos à recolha, produção, armazenamento, distribuição, utilização, conservação e reciclagem de água, de modo a fornecer e a garantir o acesso à água na quantidade e qualidade consideradas como sendo o mínimo vital e necessário indispensável.
O conjunto dos custos (incluindo as externalidades negativas que não são tidas em conta pelos preços do mercado) são custos sociais colectivos ao nível das comunidades humanas de base. Isto torna-se ainda mais evidente e significativo à escala de um país, de um continente e da sociedade mundial. O seu financiamento deve ser assegurado por via da repartição colectiva. Os mecanismos de tarificação individual, segundo os preços progressivos, devem intervir a partir de uma utilização da água que ultrapasse o mínimo vital necessário e indispensável.
Para além do mínimo vital, a progressividade dos preços é função da quantidade utilizada. Além disso, todo e qualquer abuso e excesso na utilização devem ser considerados como ilegais.
PROPOSTAS
Para que estes princípios e estas regras se tornem realidades vivas nos próximos 20 a 25 anos, quando dois biliões de seres humanos serão acrescentados à população actual, propomos que as medidas seguintes sejam adoptadas e postas em marcha, numa espécie de "contrato mundial da água", segundo dois princípios basilares:
A constituição de uma "rede de parlamentares pela água"
A promoção de campanhas de informação, de sensibilização, e de mobilização em torno da "água para todos"
Propomos dotar a iniciativa do contrato mundial da água de um instrumento de colecta e de análise de dados (quantitativos e qualitativos) tão rigorosos quanto possível, graças à instalação progressiva de um Observatório mundial dos direitos da água.
Constituição de uma rede de parlamentares pela água.
Cabe aos parlamentares, órgãos principais da representação política nas sociedades "ocidentalizadas", ou às instituições comparáveis noutros contextos civilizacionais, a responsabilidade de modificar as legislações existentes aplicando os princípios e regras adiante explicitados.
Definir um corpo jurídico novo em matéria de água, não apenas ao nível local e nacional, mas também no plano internacional e mundial (um "direito mundial da água") constitui uma tarefa primordial face ao vazio jurídico existente neste domínio à escala mundial. Deve ser data prioridade a um "Tratado mundial da água" fundado sobre o princípio da água como bem vital patrimonial comum da humanidade.
Este "tratado", por exemplo, excluiria a água de qualquer convenção internacional comercial (no quadro da OMC), como é já o caso para o domínio cultural.
Promoção de campanhas de informação, de sensibilização e de mobilização relativas a:
1. O desenvolvimento (ou modernização) dos sistemas de distribuição e tratamento sanitário das águas para as 600 cidades dos países de África, da Ásia, da América Latina e da Europa oriental e Rússia que terão mais de um milhão de habitantes em 2020 e cujo sistema de água é, já hoje, inadequado, obsoleto, senão mesmo inexistente.
2. A luta contra as novas fontes de poluição das águas nas cidades dos países da América do Norte, da Europa ocidental e do Japão cuja contaminação do solo e das camadas freáticas de superfície e profundas é cada vez mais inquietante, grave e, em alguns casos, irreversível.
Trata-se, concretamente, a partir de programas locais a nível urbano, de realizar o objectivo da criação de "3 biliões de torneiras de água".
Os movimentos associativos, as ONGs, os sindicatos, os científicos têm nesta matéria um papel essencial e determinante a desempenhar.
Para este objectivo, dever ser dada prioridade :
À reforma profunda dos sistema actuais de irrigação ligados ao modo de produção agrícola (e agroalimentar), industrial, intensivo
As soluções existem, entre outras a irrigação "gota a gota".
A agricultura actual "moderna" é principal consumidora de recursos de água doce do planeta (70% das estimativas totais mundiais, cuja maior parte se prende com a irrigação). Ora, 40% da água de irrigação perde-se no seu percurso. Além disso, os seus excessos estão na origem de graves atentados e ameaças ao ambiente pela salinização dos solos e o hidromorfísmo (obstrução).
Uma moratória de 10 a 15 anos relativamente à construção de novas grandes barragens das quais se conhecem já os consideráveis inconvenientes a curto e longo prazo para o ambiente, para as populações e para a gestão integrada e sustentável da água.
Criação de um Observatório mundial dos direitos da água.
O objectivo do Observatório será o de recolher, produzir, distribuir, disseminar as informações mais rigorosas e fiáveis possíveis em matéria de acesso á água do ponto de vista dos direitos individuais e colectivos, da produção da água, a sua utilização, a sua conservação e a sua protecção, a sua gestão sustentável e democrática.
O Observatório deveria tornar-se um dos dispositivos de informação e de comunicação de referência mundial, nomeadamente para a valorização das práticas efectivas de parceria real e de gestão solidária.
Membros do Comité para o Contrato Mundial da Água
Mário Soares, Ex-Presidente da República de Portugal
João Caraça, Director da Fundação Calouste Gulbenkian, Portugal
Sylvie Paquerot, Universidade do Quebec, Montreal, Canada
Mário Albornoz, Professor da Universidade de Quilmes, Argentina,
Susan George, Directora Assistente da Transnational Institute, EUA/França,
Jose Antonio Pinto Monteiro, Ministro do Ambiente, Cabo Verde,
Raoul Alfonsin, Ex-Presidente da República da Argentina,
Antonio Gonçalves Henriques, Vice-Presidenta do Instituto da Água, Portugal,
Frédéric Ténière-Buchot, Missão para a Água, Programa para o Ambiente das Nações Unidas, França,
Driss Ben Sari, Professor na Universidade Rabat, Moroccos,
Rosário Lembo, CIPSI, Italia,
Abou Thiam, Professor na Universidade de Dakar, Senegal,
Rafaeil Blasco Castany, Presidencia da Comunidade Valenciana, Espanha,
S.A.R. Le Prince Laurent, Presidente do Real Instituto para o Desenvolvimento Sustentável dos Recursos Naturais, Bélgica
Lars Ulmgrend, Secretário Geral do Instituto Internacional da Água de Estocolmo, Suécia.
Rinaldo Bontempi, Membro do Parlamento Europeu, Itália.,
Candido Mendes, Senador, Presidente da Universidade Candida Mendes, Brasil,
Anders Wijkman, Assessor do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Suécia,
Larbi Bouguerra, Presidente do Grupo de Lausanne, Tunisia,
Hasna Moudud, President da National Association for Resources Improvement, Bangladesh,
Riccardo Petrella, Secretário do Comité, Presidente do Grupo de Lisboa, Itália,
David Brubaker, Membro do Centro de Pesquisa e Acção Global para o Ambiente, EUA,
Sunita Narain, Directot do Centro de Ciências e Ambiente, India
O DIREITO DE TODOS À VIDA
Vimos de África, da América Latina, da América do Norte, da Europa. Reunimo-nos em três ocasiões em 1998 sem qualquer outra legitimidade e representatividade do que aquelas que nos advêm de sermos cidadãos preocupados pelo facto de um bilião e 400 milhões de pessoas, em 5,4 biliões de habitantes do planeta, não terem acesso a água potável, fonte primordial de vida. Este facto é inaceitável.
Ora, o risco de, em 2020, quando a população mundial atingir cerca de 8 biliões de seres humanos, o número de pessoas sem acesso a água potável se elevar a mais de 3 biliões é grande. Isto é inadmissível. Podemos, devemos impedir que o inadmissível se torne aceitável. Como?
Pensamos que isso será possível se aplicarmos os princípios e regras a seguir enunciados.
SETE PRINCÍPIOS
1. A água "fonte de vida" pertence aos habitantes da Terra como comunidade.
Enquanto "fonte de vida" fundamental e não substituível do ecossistema Terra, a água é um bem vital que pertence aos habitantes da Terra, como comunidade. Nenhum deles, individualmente ou em grupo, deveria ter o direito de a tomar sua propriedade privada.
A água é um bem patrimonial comum da humanidade. A saúde individual e colectiva dela dependem. A agricultura, a indústria, a vida doméstica estão-lhe ligadas. Não há acesso à produção da riqueza sem acesso à água. A água, sabemo-lo e toda a gente o diz, não é um recurso como os outros; não é uma mercadoria transaccionável, pecuniária.
O seu carácter insubstituível faz com que toda a comunidade humana - e cada um dos seus membros - tenha direito ao acesso à água, em particular à água potável, em quantidade e qualidade necessárias e indispensáveis à vida e à actividade económica.
2. O direito à água é um direito inalienável individual e colectivo.
A água pertence bem mais à economia dos bens comuns e à partilha da riqueza, do que à economia de acumulação privada e individual e da predação da riqueza do outro. Enquanto a água foi frequentes vezes, no passado, fonte maior de desigualdades sociais, as nossas civilizações de hoje reconhecem que o acesso à água é um direito fundamental, inalienável, individual e colectivo.
O direito à água faz parte da ética de base de uma "boa" sociedade humana e de uma "boa" economia. É dever da sociedade no seu conjunto e aos diversos níveis de organização da sociedade, segundo o duplo principio de co-responsabilidade e de subsidiariedade, garantir o direito ao acesso à água para todos e para a comunidade humana sem qualquer discriminação de raça, sexo, religião, rendimento ou classe social.
3. A água deve contribuir para a solidariedade da vida entre comunidades, países, sociedades, sexos e gerações.
Não é porque os recursos de água doce se encontram desigualmente distribuídos pela Terra, ou porque o rendimento está também muito desigualmente repartido entre os seres humanos e os países do planeta, que deve haver igualmente desigualdade no acesso à água entre pessoas e comunidades humanas.
Do mesmo modo, a desigualdade na distribuição deste recurso e dos rendimentos não significa que os povos ricos em água e as pessoas ricas em rendimento possam fazer dela a utilização que entendam, ou seja vender (ou comprar) ao estrangeiro para disso tirarem o máximo lucro (ou prazer). É tempo da água deixar de ser, em numerosas regiões do Mundo, fonte de grandes desigualdades entre homens e mulheres, estas últimas suportando o fardo das actividades económicas ligadas à água.
Há ainda hoje, às vésperas do terceiro milénio, demasiadas guerras entre Estados vizinhos por causa da água, uma vez que os Estados, que se encontram em melhor posição geo-económica, utilizam a água como um instrumento ao serviço dos seus interesses estratégicos de potência "hegemónica" local. É possível subtrair a água às lógicas do Estado- potência para a tornar res publica sob tutela do Estados-cidadão.
4. A água é um problema de cidadania e de democracia.
Criar condições necessárias e indispensáveis para que o acesso à água seja eficaz e óptimo é um problema de todos. É também um problema entre gerações. É, de facto, responsabilidade das gerações actuais utilizarem, valorizarem, protegerem, conservarem os recursos em água de modo a que as gerações futuras possam usufruir da mesma liberdade de acção e capacidade de escolha que desejamos actualmente para nós. O cidadão deve estar no centro das decisões.
A gestão integrada sustentável e solidária da água é domínio da democracia participativa, representativa e directa. Ultrapassa as competências e os conhecimentos dos técnicos, dos engenheiros, dos banqueiros. O utilizador (consumidor pagador e não pagador) tem um papel importante a desempenhar pelas suas escolhas judiciosas e pelas suas práticas guiadas pelos princípios de uma economia e de uma sociedade sustentáveis.
5. Qualquer política da água implica um elevado nível de democracia ao nível local, nacional, continental, mundial.
Por definição, a água reclama uma gestão descentralizada e transparente. Os dispositivos da democracia representativa devem ser reforçados. Um campo considerável está aberto aos dispositivos da democracia participativa ao nível das aldeias, das cidades, das bacias aquíferas, das regiões.
Os quadros regulamentares claros ao nível internacional e mundial devem fazer emergir e tornar visível a política sustentável e solidária da água ao nível da comunidade mundial. As instâncias parlamentares são chamadas a desempenhar um papel fundamental na construção de um direito mundial da água no decurso dos próximos vinte anos.
Pensamos também que é urgente e indispensável (re)valorizar as práticas locais e tradicionais. Um património considerável de saberes, de competências e de práticas comunitárias solidárias, de uma grande eficácia, foi delapidado. Corre o risco de ser ainda mais destruído nos próximos anos.
6. O acesso à agua passa necessariamente pela parceria. É tempo de ultrapassar as lógicas dos "senhores da guerra" e dos conflitos económicos pela hegemonia e conquista dos mercados.
A cidadania e a democracia baseiam-se na cooperação e no respeito mútuo. Vivem pela e da parceria. "Parceiros para a água" è o princípio inspirador de todos os dispositivos (como por exemplo os "contratos de rio"), que permitiram, nestes últimos tempos, ultrapassar eficazmente os conflitos que em certas regiões do Mundo envenenaram as relações entre comunidades ribeirinhas ou que partilham a mesma bacia hidrográfica.
Defendemos, bem entendido, uma parceria local, nacional, mundial, pública ou privada, fundada no respeito pelas diversidades, onde as múltiplas lógicas e culturas em presença podem equitativamente contribuir à gestão integrada, solidária e sustentável da água, no interesse geral.
Uma parceria que não seria senão formal, submetida, na realidade, às lógicas e interesses dos actores privados em competição renhida entre eles pela conquista do mercado - o que seria indelevelmente o caso se a água fosse reconhecida como sendo sobretudo um bem económico e um bem comercial - não poderia senão prejudicar os objectivos do acesso à água para todos e da gestão integrada, sustentável e solidária dos recursos de água.
7. Pensamos que a responsabilidade financeira da água deve ser simultaneamente colectiva e individual segundo os princípios da responsabilidade e da utilidade.
Assegurar o acesso de base à água para satisfação das necessidades vitais elementares e fundamentais de toda a pessoa e comunidade humanas é uma obrigação para a sociedade no seu conjunto. É a sociedade que deve assumir colectivamente a cobertura de conjunto dos custos relativos à recolha, produção, armazenamento, distribuição, utilização, conservação e reciclagem de água, de modo a fornecer e a garantir o acesso à água na quantidade e qualidade consideradas como sendo o mínimo vital e necessário indispensável.
O conjunto dos custos (incluindo as externalidades negativas que não são tidas em conta pelos preços do mercado) são custos sociais colectivos ao nível das comunidades humanas de base. Isto torna-se ainda mais evidente e significativo à escala de um país, de um continente e da sociedade mundial. O seu financiamento deve ser assegurado por via da repartição colectiva. Os mecanismos de tarificação individual, segundo os preços progressivos, devem intervir a partir de uma utilização da água que ultrapasse o mínimo vital necessário e indispensável.
Para além do mínimo vital, a progressividade dos preços é função da quantidade utilizada. Além disso, todo e qualquer abuso e excesso na utilização devem ser considerados como ilegais.
PROPOSTAS
Para que estes princípios e estas regras se tornem realidades vivas nos próximos 20 a 25 anos, quando dois biliões de seres humanos serão acrescentados à população actual, propomos que as medidas seguintes sejam adoptadas e postas em marcha, numa espécie de "contrato mundial da água", segundo dois princípios basilares:
A constituição de uma "rede de parlamentares pela água"
A promoção de campanhas de informação, de sensibilização, e de mobilização em torno da "água para todos"
Propomos dotar a iniciativa do contrato mundial da água de um instrumento de colecta e de análise de dados (quantitativos e qualitativos) tão rigorosos quanto possível, graças à instalação progressiva de um Observatório mundial dos direitos da água.
Constituição de uma rede de parlamentares pela água.
Cabe aos parlamentares, órgãos principais da representação política nas sociedades "ocidentalizadas", ou às instituições comparáveis noutros contextos civilizacionais, a responsabilidade de modificar as legislações existentes aplicando os princípios e regras adiante explicitados.
Definir um corpo jurídico novo em matéria de água, não apenas ao nível local e nacional, mas também no plano internacional e mundial (um "direito mundial da água") constitui uma tarefa primordial face ao vazio jurídico existente neste domínio à escala mundial. Deve ser data prioridade a um "Tratado mundial da água" fundado sobre o princípio da água como bem vital patrimonial comum da humanidade.
Este "tratado", por exemplo, excluiria a água de qualquer convenção internacional comercial (no quadro da OMC), como é já o caso para o domínio cultural.
Promoção de campanhas de informação, de sensibilização e de mobilização relativas a:
1. O desenvolvimento (ou modernização) dos sistemas de distribuição e tratamento sanitário das águas para as 600 cidades dos países de África, da Ásia, da América Latina e da Europa oriental e Rússia que terão mais de um milhão de habitantes em 2020 e cujo sistema de água é, já hoje, inadequado, obsoleto, senão mesmo inexistente.
2. A luta contra as novas fontes de poluição das águas nas cidades dos países da América do Norte, da Europa ocidental e do Japão cuja contaminação do solo e das camadas freáticas de superfície e profundas é cada vez mais inquietante, grave e, em alguns casos, irreversível.
Trata-se, concretamente, a partir de programas locais a nível urbano, de realizar o objectivo da criação de "3 biliões de torneiras de água".
Os movimentos associativos, as ONGs, os sindicatos, os científicos têm nesta matéria um papel essencial e determinante a desempenhar.
Para este objectivo, dever ser dada prioridade :
À reforma profunda dos sistema actuais de irrigação ligados ao modo de produção agrícola (e agroalimentar), industrial, intensivo
As soluções existem, entre outras a irrigação "gota a gota".
A agricultura actual "moderna" é principal consumidora de recursos de água doce do planeta (70% das estimativas totais mundiais, cuja maior parte se prende com a irrigação). Ora, 40% da água de irrigação perde-se no seu percurso. Além disso, os seus excessos estão na origem de graves atentados e ameaças ao ambiente pela salinização dos solos e o hidromorfísmo (obstrução).
Uma moratória de 10 a 15 anos relativamente à construção de novas grandes barragens das quais se conhecem já os consideráveis inconvenientes a curto e longo prazo para o ambiente, para as populações e para a gestão integrada e sustentável da água.
Criação de um Observatório mundial dos direitos da água.
O objectivo do Observatório será o de recolher, produzir, distribuir, disseminar as informações mais rigorosas e fiáveis possíveis em matéria de acesso á água do ponto de vista dos direitos individuais e colectivos, da produção da água, a sua utilização, a sua conservação e a sua protecção, a sua gestão sustentável e democrática.
O Observatório deveria tornar-se um dos dispositivos de informação e de comunicação de referência mundial, nomeadamente para a valorização das práticas efectivas de parceria real e de gestão solidária.
Membros do Comité para o Contrato Mundial da Água
Mário Soares, Ex-Presidente da República de Portugal
João Caraça, Director da Fundação Calouste Gulbenkian, Portugal
Sylvie Paquerot, Universidade do Quebec, Montreal, Canada
Mário Albornoz, Professor da Universidade de Quilmes, Argentina,
Susan George, Directora Assistente da Transnational Institute, EUA/França,
Jose Antonio Pinto Monteiro, Ministro do Ambiente, Cabo Verde,
Raoul Alfonsin, Ex-Presidente da República da Argentina,
Antonio Gonçalves Henriques, Vice-Presidenta do Instituto da Água, Portugal,
Frédéric Ténière-Buchot, Missão para a Água, Programa para o Ambiente das Nações Unidas, França,
Driss Ben Sari, Professor na Universidade Rabat, Moroccos,
Rosário Lembo, CIPSI, Italia,
Abou Thiam, Professor na Universidade de Dakar, Senegal,
Rafaeil Blasco Castany, Presidencia da Comunidade Valenciana, Espanha,
S.A.R. Le Prince Laurent, Presidente do Real Instituto para o Desenvolvimento Sustentável dos Recursos Naturais, Bélgica
Lars Ulmgrend, Secretário Geral do Instituto Internacional da Água de Estocolmo, Suécia.
Rinaldo Bontempi, Membro do Parlamento Europeu, Itália.,
Candido Mendes, Senador, Presidente da Universidade Candida Mendes, Brasil,
Anders Wijkman, Assessor do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Suécia,
Larbi Bouguerra, Presidente do Grupo de Lausanne, Tunisia,
Hasna Moudud, President da National Association for Resources Improvement, Bangladesh,
Riccardo Petrella, Secretário do Comité, Presidente do Grupo de Lisboa, Itália,
David Brubaker, Membro do Centro de Pesquisa e Acção Global para o Ambiente, EUA,
Sunita Narain, Directot do Centro de Ciências e Ambiente, India
3 Comments:
Pois é. Boa ideia arquitecto, isto de falar da água!
Mas, qual é o panorama aqui pela Póvoa?
Onde a água é cara, há pessoas que nem sempre podem pagá-la, e ainda por cima tem as taxas associadas a complicar o custo, como é o caso da tarifa de salubridade...
Aristides Secca
É isso tudo..A água é carissima!
Privatizar as águas é o pior crime par a humanidade..agora só falta privatizar o Ar e o Fogo...
Os quatro elementos básicos da Alquimia..Terra, Ar Agua e Fogo...
Boa tarde,
Gostaria de colocar meu comentario
moro na floresta amazonica,bebo da agua do rio amazonas,gostaria de saber como devo contribuir para que outros tenham um pouco do que eu possuo.Meu Estado usa os meios da biodiversidade para arrecadar capital para enriquecer nossos politicos ricos e desonestos,pois vc.nao encontra um deles pobre.esses investimentos voltam para os bancos nas ilhas sem controle de fiscalizacao Os chamados paraiso fiscal.
Mesmo assim temos pessoas que nao tem agua ou alimento.
Vivemos numa sociedade individual.
Quando li esse texto me tocou muito,e irei faze daqui para frente a minha parte,nao disperdisar a agua que eh um bem precioso.
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