31 agosto 2006

O BECO DA DECADÊNCIA

foto de Daniel Carreira
Estou tentado a concluir que as caricaturas ficam aquém e nos surpreendem menos que a própria vida. O caso é recente, em repetição requentada.

"
É no mínimo inédito que uma organização associativa remeta uma carta ao Eng.º Aires Pereira, Vereador da Câmara Municipal – documento presente a esta reunião – solicitando-lhe o “necessário apoio para a realização” do II Torneio de Futsal Eng.º Aires Pereira!
Para simular independência na análise da situação que o envolve como destinatário de uma implícita homenagem através do evento desportivo, o Eng.º Aires Pereira, Vereador com o Pelouro do Desporto, remeteu a questão para o Dr. Luís Diamantino, Vereador com o Pelouro da Cultura que, posteriormente, a remeteu a reunião de Câmara! (…)"

(in Declaração de Voto dos Vereadores Socialistas na reunião de Câmara de 2006.08.21)

Mais uma estória, mais um exemplo da decadência!

O erro não está em uma associação decidir homenagear o Vereador!
O erro não está em o Vereador aceitar a homenagem!
Gato escondido com rabo de fora, o erro está em o Vereador participar do enredo que levou os seus alaranjados pares a aprovar uma substancial quantia do erário municipal indispensável à realização dessa homenagem.
Pode fingir que não é nada com ele, receber a carta da associação a si dirigida por ser Vereador do Pelouro do Desporto e enviá-la para o Vereador da Cultura para este que surja depois como proponente…
Mas, por pudor, um Vereador que tivesse do exercício político o sentido do serviço público, não autorizaria que o seu nome fosse utilizado como título de uma iniciativa que, para acontecer, necessita de um tão significativo apoio material do Município que, por seu lado, carece de autorização do órgão autárquico de que ele próprio faz parte!

Por isso, correndo uma vez mais o risco de ser incompreendido, escolhi não ceder à facilidade populista e também votei contra. No beco da decadência é preciso fazer a pedagogia da Ética republicana e do bom uso do erário público, evitando o que pode derivar em abuso.

Ainda ouço, na pública reunião, o Caudilho resmungar “você tem uma ética diferente da nossa, não queira impor-nos a sua ética”.
Ainda bem que os meus valores éticos são diferentes dos vossos. Não pretendo impor nada a ninguém, mas não tenho que pactuar com a falta de ética” - retorqui.

29 agosto 2006

OBJECTIVO CIDADE SAUDÁVEL II



Há um ano atrás, um estudo realizado pelo Departamento de Ambiente e Ordenamento da Universidade de Aveiro avaliou os níveis de partículas em suspensão PM10, na Aglomeração Porto Litoral, registadas em 2001 e 2002.
A qualidade do ar que se respira no Grande Porto e na Póvoa de Varzim é má!
O número de dias em que os limites legais de alguns poluentes são ultrapassados é excessivo e tem consequências muito negativas na saúde das pessoas.
Na verdade, isto não é novo para quem anda a pé nas ruas mais movimentadas. Estranhamente, o facto de sentirmos e de o sabermos não ocupa um centímetro quadrado das nossas preocupações.

Para uma Cidade Saudável é necessário assumir como um desafio incontornável a realização de acções conducentes à melhoria da qualidade do ar.
No referido estudo universitário apresentaram-se medidas nesse sentido. Entre estas, o enfoque principal vai para o ataque ao actual padrão de circulação do tráfego rodoviário.
Tão cedo quanto possível estas orientações deverão corporizar um Programa Local de Melhoria da Qualidade do Ar.
E, se para atingir esse objectivo é importante desenvolver uma política local que assegure a redução de poeiras vindas das obras de construção civil (elaborando normas exigentes de organização dos estaleiros), a limpeza das ruas, através de varrimento acompanhado por acções de lavagem que diminua a ressuspensão de poeiras e a substituição das lareiras no sector doméstico, é igualmente indispensável uma estratégia de mobilidade sustentável, confirmando-se com mais premência a elaboração de um Plano de Mobilidade e de uma nova Postura Municipal de Trânsito que promova a efectiva diminuição de veículos pesados e de automóveis privados em circulação no centro da cidade, através da criação de transportes colectivos e de um sistema alternativo de distribuição de mercadorias de nível local através do uso veículos ligeiros responsáveis por menores emissões de PM10, da construção de uma rede de parques periféricos, da fiscalização efectiva do aparcamento pago à superfície e do aumento de preço do aparcamento no centro da cidade. Tudo por esta ordem de prioridades.

Acresce ainda que, no uso da sua competência, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional – Norte (CCDR-N) deveria reforçar a avaliação da qualidade do ar do território segundo critérios estabelecidos na legislação comunitária e nacional vigentes, instalando uma ou mais Estações de Medições da Qualidade do Ar na Póvoa de Varzim (a mais próxima localiza-se em Vila do Conde), com vista a ser permanentemente monitorizada a qualidade do ar que respiramos.

27 agosto 2006

OBJECTIVO CIDADE SAUDÁVEL I

foto de autor desconhecido
1. A interdição de quatro praias da Póvoa pela autoridade de Saúde constituiu um facto demasiado grave que arrasta consequências negativas para toda a comunidade local.
Qualquer observador isento e minimamente atento sabe que, em última instância, a responsabilidade política é da Direita que, desde o 25 de Abril e há 16 anos com a marca do PPD/PSD governa o Município poveiro e que sempre relegou para a plutónica alínea das suas prioridades a materialização de um sistema de tratamento de águas residuais. Na Póvoa só 5,5% das águas residuais têm tratamento. As redes da cidade e das freguesias do litoral continuam a descarregar para o mar sem qualquer controlo, poluindo as águas, com efeitos negativos para o sector das pescas e para as actividades turísticas e de lazer.
No espaço rural o cenário repete-se e é agravado pela contaminação dos solos, das toalhas freáticas e dos ribeiros em consequência de práticas agro-pecuárias inadequadas.

2. Mas, em vez de arregaçar as mangas e trabalhar afincadamente na resolução do problema, a reacção barulhenta da maioria PSD a propósito da contaminação das Praias por salmonelas foi a habitual sacudidela da água do capote.
A delicadeza da situação exigia tranquilidade, empenhamento sério e prontidão na identificação das causas e na minimização das consequências, mobilizando todos os agentes públicos e privados.
A reacção da maioria PSD não dignificou a Câmara Municipal e dificultou o encontro de vontades que interessa potenciar em nome do bem comum. Em vez de serenidade, causou intranquilidade nos banhistas e nos concessionários da Praia. No lugar do sentimento de confiança, espalhou uma tentativa de descrédito das autoridades públicas, pondo em causa a sua idoneidade. Em vez do esclarecimento, introduziu a confusão e a desinformação ao promover análises alegadamente contraditórias com as oficiais e a divulgá-las amplamente.
POR fim, Macedo Vieira – que insiste em desvalorizar a função de um sistema de tratamento de águas residuais e em fingir que não tem competências e atribuições concretas inscritas na Lei que obrigam a Câmara em matéria de saneamento básico, atirando para os Governos as culpas que são EXCLUSIVAMENTE SUAS - não definiu correctamente as prioridades estratégicas do concelho e não deu o relevo necessário à construção de um sistema eficaz de tratamento de águas residuais.

3. A contaminação das águas do mar por salmonelas estava latente e poderia ter-se revelado em qualquer altura. É urgente, por isso, averiguar as razões por que tal aconteceu, embora seja óbvia a contribuição da falta de tratamento das águas residuais e a contaminação de linhas de água que desaguam no oceano.

Todo o tempo é curto para se consumir em estéreis confrontos. Importa agir na procura de soluções, num consenso tão alargado quanto possível.
Ser parte da solução e não do problema é juntar todas as energias necessárias à superação desta situação insustentável, para que a Póvoa seja um lugar saudável para todos nós e não perca a sua atractividade como destino turístico.

O Turismo é um sector que importa potenciar para o desenvolvimento económico e a criação de oportunidades de emprego na Póvoa de Varzim. A Praia é um elemento estruturante do território poveiro, constituiu um equipamento de valor inestimável na qualidade de vida dos cidadãos e uma oferta turística incontornável. O produto sol/areia/mar continuar a ser decisivo no plano turístico. Mas, se é preciso dar-lhe valor, combiná-lo com novas formas de entretenimento e articulá-lo com outras temáticas turísticas, de modo a combater a sazonalidade e a aproveitar as sinergias potenciais de outros segmentos, nomeadamente, a natureza, o desporto, a saúde, os negócios, a cultura e o espiritual/religioso, é absolutamente indispensável cuidar da sua qualidade intrínseca.

4. SER PARTE DA SOLUÇÃO é, em síntese:

- agir pressionando a Empresa Pública Águas do Ave SA, para que imprima maior celeridade de procedimentos e antecipe a data (2010) apontada para a conclusão da Rede de Drenagem de Águas Residuais e da entrada em funcionamento das ETARs previstas, nomeadamente a de Touguinha.
- formalizar candidaturas de obras de saneamento básico às verbas disponibilizadas pelo Instituto de Financiamento e Apoio ao Turismo, ao abrigo do Regulamento da Portaria n.º 384/2002 aprovado pelo Despacho n.º 165/SET/2003, que confirma que são susceptíveis de apoio os projectos de relevância turística tendentes a realizar, entre outros, “a qualificação e conservação de recursos e a criação, qualificação e conservação de infra-estruturas”. Neste âmbito, nada impede o apoio do Instituto de Financiamento e Apoio ao Turismo a obras de saneamento!
O problema que estamos a viver demonstra que, como repetidamente afirmei, se há intervenção com relevância turística é a construção de equipamentos que assegurem a qualidade da água do Mar e das Praias através do tratamento das águas residuais.
- desenvolver medidas imediatas para prevenir e diminuir os riscos de novas contaminações, mobilizando equipas de técnicos municipais, as Juntas de Freguesia e a Delegação de Saúde:
a. proceder à vistoria periódica de todas as componentes do sistema de drenagem de águas residuais instalado, com elaboração do respectivo relatório, caracterizando a situação e indicando eventuais acções a desenvolver;
b. reactivar a ETAR de Aguçadoura que, até há pouco tempo, estava inactiva;
c. proceder à vistoria de todas as linhas de água, detectar e combater as ligações ilegais;
d. desenvolver uma campanha de estímulo à ligação das redes privativas das habitações à rede municipal existente, através da redução em 50% dos custos com taxas e licenças;
e. estudar e criar nas zonas rurais lagoas para tratamento de águas residuais por fitodepuração;
f. agir junto das agricultores com vista a diagnosticar os impactes das vacarias na qualidade de vida e no ambiente, a sensibilizá e a formar produtores e consumidores para a adopção de comportamentos sustentáveis, implementando técnicas adequadas à minimização dos impactos negativos e ao cumprimento das normas nacionais e comunitárias, resolvendo os problemas ambientais causados pelos efluentes líquidos resultantes da produção intensiva de bovinos: os chorumes, os estrumes, as águas sujas resultantes das lavagens das salas de ordenha, das águas lixiviantes dos silos. Estes resíduos possuem um elevado potencial de poluição/valor fertilizante, possuindo ainda cargas elevadas de azoto e fósforo. Os potenciais efeitos negativos para o ambiente e qualidade de vida incluem a contaminação de cursos de água e camadas freáticas, por descarga directa, escorrimento dos terrenos ou devido a problemas de impermeabilização nas fossas de armazenagem, excessos de nitratos e fosfatos nos solos, e acumulação de metais (Cu e Zn) e antibióticos, produção de odores desagradáveis e proliferação de insectos, poluição atmosférica, com contribuição para o aquecimento global e destruição da camada de ozono e contracção de doenças por seres humanos e animais.
- preparar com cuidado e atempadamente a Época Balnear 2007, através da conjugação de esforços entre a Câmara Municipal, o Ministério do Ambiente, o Instituto Portuário e dos Transportes Marítmos, a Capitania, as Juntas de Freguesia do litoral, as diferentes Associações e os diversos agentes económicos. É preciso revitalizar as praias do nosso concelho e, além do integral e adequado ordenamento das praias, é preciso estabelecer, em definitivo, um protocolo de cooperação com todos os agentes directamente ligados à gestão e utilização das praias com vista à sua correcta limpeza periódica ao longo de todo o ano. Agora é questão é com as águas do mar, mas há muito que se suspeita da qualidade das areias que, pelas mesmas razões, são permeáveis à contaminação por bactérias
A par deste esforço conjunto, é preciso desenvolver uma forte acção de promoção turística que faça esbater a má imagem resultante do caso das salmonelas.


21 agosto 2006

SALMO N ELES

Aver-o-Mar

Destruídos os viveiros de lagostas das penedias do Alto de Martim Vaz, eis que vencem a batalha do desenvolvimento os viveiros de salmonelas!
O estrado bonito custou mais de duzentos mil contos. Já pensaram que este dinheiro poderia ter sido usado na construção de uma ETAR em Aver-o-Mar?


As salmonelas não são uma invenção laboratorial usada por forças perversas numa estranha conspiração para denegrir o nome da Póvoa e atrapalhar a maioria PSD que dirige a Câmara.
São, isso sim, o produto da política de laxismo e irresponsabilidade das sucessivas câmaras do PSD que sempre relegaram para a derradeira alínea das suas prioridades a materialização de um sistema de tratamento de águas residuais.


Há um ano atrás, o Presidente deslocou-se à sede da Associação Nacional de Municípios para receber o «Prémio Nacional Municípios de Futuro», que pretende distinguir os «municípios com maior investimento no bem-estar e progresso». Nessa altura declarou que o prémio «serve para calar os velhos do Restelo que mais não fazem do que passar a vida a dizerem que na Póvoa de Varzim não há qualidade de vida».

Quem não sabe nada tem de acreditar em tudo, diz Jan Neruda.

20 agosto 2006

AO MANUEL LOPES



Do lado de cá da bruma misteriosa do Gerês, uma das pátrias do Manel, como Osera, a Póvoa, a Lancha e os Livros... enquanto guardo recordações imperdíveis, entrego-lhe o elogio do silêncio na palavra escrita de Marcel Proust.
"Durante a leitura, a amizade é reconduzida à sua pureza primordial… O ambiente dessa amizade pura é o silêncio, mais puro que a palavra."

10 agosto 2006

ROÍDO PELO RUÍDO

Loreto Ares, 2005
“Essa é uma questão recorrente. A cidade tem a sua animação própria, tem a sua vida própria...aqueles que se sentem incomodados com o barulho se calhar vão ter que escolher ouro destino de férias”

Aires Pereira, Vice-Presidente da Câmara da Póvoa de Varzim
In, O Comércio da Póvoa, edição de 10.o8.2006, a propósito da Recomendação dos Vereadores Socialistas sobre o ruído e os excessos cometidos em actividades de iniciativa municipal.


Resposta rimbombante, que afinal reconhece o Direito ao Barulho e descarta a obrigação legal de cumprir e fazer cumprir o Regulamento Geral do Ruído. Resposta assaz deselegante para quem nos visita.
Resposta de uma confrangedora e desrespeitosa indiferença que atinge quem cá vive todo o ano.
Resposta roída pelo ruído que faz a curva da surdez política.


Animar a cidade é, no fundo, fazer cidade. Por isso, a par de todas as actividades do quotidiano, os eventos e manifestações de índole cultural, num necessário caldo de diversidade, acrescentam alma à cidade. Nisto estaremos todos de acordo.
Todavia, é preciso que o acordo vá mais além, e faça corresponder a cada actividade o momento, o tempo e o lugar adequados.
É que, da alma da cidade também faz parte o direito ao silêncio e ao repouso, e, sobretudo, em qualquer dos casos, a tudo se sobrepõe o direito a um espaço saudável.
Se na cidade tudo acontece, e se para se aumentar a sua atractividade se pretende fazer a festa, é preciso que ela se faça no sítio certo, com peso e medida.

A Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, que define as atribuições e competências das autarquias locais), estabelece que é «igualmente da competência dos órgãos municipais: a) Participar na fiscalização do cumprimento do Regulamento Geral sobre o Ruído».
Ora, não pode a Câmara Municipal, directa ou indirectamente, ser ela própria a promotora de actividades com níveis de ruído elevados, e, desse modo, incumprir o Regulamento Geral do Ruído, auto-justificando tal facto com o interesse de animar a cidade.

A vocação balnear da Póvoa de Varzim deve em primeiro lugar oferecer repouso e saúde.
As actividades de lazer são bem vindas se enquadradas devidamente neste contexto.

08 agosto 2006

UM CAUDILHO NÃO MENTE

Extracto da Matrícula nº. 02592/99116 - Mardebeiriz Imobiliária, Lda. - Conservatória do Registo Comercial de Vila do Conde (este documento é de acesso público)
"(...) Sobre a empresa Mardebeiriz, nunca fui sócio-gerente."
José Macedo Vieira
Presidente da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, em entrevista ao jornal "O Comércio da Póvoa de Varzim", edição de 3 de Agosto de 2006
UM CAUDILHO NÃO MENTE!
QUEM MENTE SÃO OS DOCUMENTOS!
ESTA CERTIDÃO DA CONSERVATÓRIA DO REGISTO COMERCIAL DE VILA DO CONDE É MENTIROSA!

05 agosto 2006

CAUDILHO DIXIT





(...)
" Os Srs. Vereadores da Oposição proclamam que o Regulamento de Apoio à Pequena Obra é um seu compromisso eleitoral, que querem honrar. Só lhes fica bem lembrar isso!
Mas esquecem que, ao não ganharem as eleições, deixaram de ter compromissos eleitorais, porque o programa que foi sufragado pelos Poveiros não foi o seu, mas o do PSD. É esse que está em causa. É esse que os Poveiros esperam ver cumprido. É esse que os Poveiros julgarão daqui a 3 anos e meio. Esse – e não o do Partido Socialista. "
(...)
José Macedo Vieira, Presidente da Câmara, para justificar o injustificável: a ILEGALIDADE por si cometida ao não agendar uma proposta dos Socialistas.
in Declaração, Acta da Reunião de Câmara de 17..07.2006


04 agosto 2006

AOS QUE VIEREM DEPOIS DE NÓS

Bertolt Brecht


Realmente, vivemos muito sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.

Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranquilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?

É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
[(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"

Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.

Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.

Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.

Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.

E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.


BERTOLT BRECHT
(tradução do Poeta Brasileiro Manuel Bandeira)