28 julho 2011

O AUTISMO POLÍTICO É UM VENENO QUE ATRASA O PROGRESSO



O AUTISMO POLÍTICO É UM VENENO QUE ATRASA O PROGRESSO
J.J.Silva Garcia

(Publicado no Comercio da Póvoa, edição de 2011.07.28)

1.                           
Depois do trabalho de pesquisa e reflexão de algumas semanas, a proposta estava pronta e contava com o apoio dos outros vereadores do Partido Socialista. Apresentámo-la num fim de tarde do Outono de 2007 em reunião de Câmara, com dois objectivos: a recolha selectiva de óleos alimentares usados e a sua transformação em biodiesel para utilizar como combustível na frota municipal.
Apesar do seu alcance económico e dos evidentes benefícios para o Ambiente, a proposta teve a mesma sorte das quase três dezenas de outras que ajudei a construir: o chumbo, teimosa resposta da política autista e arrogante do PSD, baseada na patética conclusão de que tendo ganho as eleições, só a si cabia determinar o que fazer.
2. 
Quase 4 anos depois, anuncia-se agora que os poveiros podem usufruir da recolha selectiva Óleos Alimentares Usados (OAU), que está a ser dinamizada pela Lipor, curiosamente presidida pelo mesmo Macedo Vieira que, no salão nobre poveiro recusou tal medida em 2007!

Ainda bem, digo eu! Afinal a semente deu frutos.

Pena é que se tenha perdido tanto tempo, continuando o ambiente a sofrer as consequências nocivas de uma das fontes poluidoras mais duradouras: “1 litro de óleo contamina 1 milhão de litros de água! 
Pena, também, porque se fica pela metade: ao contrário dos exemplos que então apresentámos e das soluções que propusemos, o resultado da recolha não vai beneficiar a frota municipal.
3.
A nossa proposta suportava-se em Relatórios de Gestão e Contas do Município que revelavam um crescimento de 49% dos custos com os combustíveis no período decorrido entre 2003 e 2006. Na génese desse facto estava, entre outros factores, o aumento do custo dos combustíveis de origem fóssil. Nos finais de 2001 o preço do barril de petróleo situava-se abaixo dos 30 dólares, mas em Setembro de 2007, o preço do barril chegou aos 81,52 dólares e o Expresso, em notícia sobre a 6ª. Conferência Mundial da Associação para o Estudo do Pico do Petróleo e Gás (ASPO), previa que o barril atingisse os 100 dólares no quarto trimestre de 2008! O que passou a seguir, todos sabemos.
4.
A esses custos juntava-se o prejuízo ambiental provocado pela queima dos derivados do petróleo e pelo decorrente aumento dos níveis de CO2 na atmosfera. As Alterações Climáticas são um enorme desafio global, causadas pelo aumento da concentração de gases com efeito de estufa (GEE), que tem como consequência o aumento da temperatura média do planeta. As actividades humanas contribuem inegavelmente para o fenómeno e os transportes são responsáveis por cerca de 30%.das emissões de GEE. O Programa Nacional para as Alterações Climáticas 2006 (PNAC 2006), aprovado pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 104/2006, de 23 de Agosto, fazia uma aposta decisiva nas energias renováveis e preconizava um conjunto de medidas com vista à redução das emissões de CO2. Entre estas medidas, reforçadas pelo então Primeiro-ministro José Sócrates, contava-se o aumento de 39 para 45% da meta de energia consumida a partir das renováveis em 2010 e o reforço para 10% do uso de biocombustíveis nos transportes, antecipando em dez anos o objectivo da União Europeia. 
5.
Por um e por outro motivo havia (há) que encontrar alternativas a essa situação. Ao propor a elaboração de um Plano de Mobilidade Sustentável, o Projecto Bolina – outra proposta indispensável para a qualidade de vida da Póvoa de Varzim que elaborámos e que o mesmo PSD também chumbou - adiantava um conjunto de 31 medidas para a promoção de uma mobilidade sustentável entre as quais a promoção do biodiesel, criando unidades de produção e postos de abastecimento e a adaptação da frota municipal à sua utilização.
No que se refere aos sistemas de propulsão, os veículos devem usar combustíveis não poluentes ou minimamente poluentes e, numa estratégia de valorização dos nossos recursos endógenos, o biodiesel parece ser uma opção positiva. Obtido a partir dos óleos alimentares usados, quando reciclado serve como combustível em mistura com o gasóleo em motores diesel sem necessidade de modificações mecânicas. 
A ideia era simples: tratava-se de transformar o óleo que rejeitamos na nossa cozinha em combustível amigo do ambiente. E trazia três vantagens: o óleo era reciclado e reutilizado, evitava-se poluição e problemas no saneamento e, finalmente, poupava-se dinheiro.
De facto, a utilização de biodiesel diminui emissões gasosas (reduz em 75% a emissão de dióxido de carbono, em 50% a emissão de monóxido de carbono e em 100% a emissão de enxofre) e reduz a dependência externa dos combustíveis fósseis, com todas as repercussões sociais e económicas que isso acarreta. E um benefício ambiental imediato consistia em evitar que os óleos usados fossem encaminhados para as estações de tratamento de águas residuais e os consequentes problemas nos sistemas de saneamento.
6.
Explicámos então que a utilização do biodiesel também tinha outras vantagens económicas. Biocombustível alternativo e mais barato, além da diminuição das despesas associadas aos consumos de gasóleo, a sua produção a partir de óleos alimentares usados e a sua utilização permitiriam desenvolver uma nova actividade económica diversificada – capaz de criar postos de trabalho no concelho. Em Portugal, este biocombustível já era produzido por inúmeras empresas, entre as quais a Braval (sedeada em Braga), a Biomart, a Torrejana, a Tagol, a Biovegetal, a Iberol, a Fomentiveste, a Enersis, a Avibom e a Supermatéria (Chaves).
Ao mesmo tempo, em diversos Municípios estavam a ser desenvolvidas acções no sentido da recolha e valorização de óleos alimentares usados com vista à produção de biodiesel para utilização nas respectivas frotas. Era o caso de Oeiras e de Sintra, onde, desde 2003, a Câmara Municipal vinha a recolher óleo alimentar usado (OAU) nas escolas, nas cantinas, nos restaurantes e nas juntas de freguesia, estendendo entretanto o sistema a todo o concelho. Era também o caso da Câmara Municipal de Baião, que tinha acabado de estabelecer um protocolo com a Quimicalis – Químicos e Petroquímicos, Lda. com vista à criação de uma unidade de produção de biodiesel. Com essa fábrica foram criados postos de trabalho para cidadãos de Baião e o Município passou a utilizar o biodiesel na sua frota de veículos, reduzir em cerca de 30% os seus gastos com combustíveis.
7.
Em 2007 estávamos convictos de que esta era uma fonte de energia do nosso concelho que não podia ser desperdiçada, e acreditávamos que, com a colaboração dos cidadãos poderíamos contribuir para o desenvolvimento e preservação do ambiente, para a redução da dependência externa em termos energéticos e para a redução dos custos com os consumos!
Uma tal iniciativa na Póvoa de Varzim traria enormes vantagens, no plano ambiental e no plano da sustentabilidade financeira. Em 2006, os custos com Gasóleo foram de 531.132,78 €. Uma poupança de 30% corresponderia a cerca de 160.000,00 €, que poderiam ser utilizados noutros fins de interesse público.
8. 
Propusemos então a criação de um Sistema Integrado de Gestão de Resíduos para a Recolha e Valorização de Óleos Alimentares Usados (OAU) para a Produção de Biodiesel e Utilização na Frota Municipal da Póvoa de Varzim, estendendo-se, numa segunda fase aos veículos dos cidadãos em geral. O projecto enquadrava-se na Directiva 2003/30/CE, de 8 de Maio, relativa à promoção de biocombustíveis ou de outros combustíveis renováveis nos transportes. E lembrámos que poderia ser objecto de uma candidatura a apoio comunitário através do Programa LIFE-Ambiente.
Definimos os objectivos e apontámos ainda a vantagem em recorrer à participação activa da Universidade e de outras instituições. Sugerimos um conjunto de acções a desenvolver e avançámos ideias para a sua implementação com a utilização de contentores de deposição inovadores direccionados para o sector doméstico (colocação na via pública) que integram um sistema de detecção do nível de enchimento por ultra-sons e um sistema de localização por GPS para optimização da recolha e a instalação de uma Unidade de Tratamento e Processamento (UTP) do resíduo no Parque Industrial de Laúndos, com a produção de biodiesel a partir dos óleos recolhidos no concelho nos vários sectores de actuação.
9. 
A proposta está registada na Acta da Reunião da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim de 15 de Outubro de 2007, que pode ser acedida através do site municipal na Web.

Foi elaborada em profundidade e bem fundamentada. Mas de nada serviu diante de uma mentalidade política retrógrada incapaz de compreender a vantagem de ouvir os outros. Ou então, compreendendo-a muito bem, prefere nada fazer para poder tirar dividendos mais tarde quando ninguém se lembrar de que, afinal, outros a pensaram e prepararam a tempo, na única lógica que faz sentido, de servir o bem comum.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Tem toda a razão, amigo mas nada há afazer quando estão intresses políticos acima do bem comum, por isso ja perdi a fé que algum dia este tipo de abertura a novas ideias irá acontecer.

29 julho, 2011 19:47  
Blogger Manuel CD Figueiredo said...

O Executivo controla a sua agenda política, no sentido de melhor atingir os objectivos a que se propôs (programa eleitoral), ou que lhe for sugerida (pela oposição ou pela sociedade). Por aqui se consegue o bem comum (o melhor possível).
Outra coisa bem diferente é o Executivo gerir a seu gosto e interesse (só seu!) as medidas que outros em tempos propuseram, essas sim, no interesse geral, e que quase de forma pouco séria, sem hesitações, reprovaram.
Aqui se revela a ignorância, o alheamento e alguma estupidez (ou tudo junto) de uma grande parte da sociedade que temos. E dessas "qualidades" há quem se aproveite...
A reprovação da medida aqui referida (que acompanhámos) deveria ter merecido dos outros representantes autárquicos viva condenação. Não o fizeram (cobardia?). Perderam-se anos de progresso e a Póvoa perdeu grandes benefícios. Agora, batem palmas à genial medida "criada" pela mesma gente que antes a reprovara, sem justificação aceitável.

01 agosto, 2011 20:21  
Blogger Manuel CD Figueiredo said...

(Ref."Público" de Domingo, 7 de Agosto)
O professor catedrático, jubilado, Miguel Mota, aborda o tema "Agricultura e ambiente", onde uma das questões é a produção e o aproveitamento do biogás, aqui tratado. É pena, e lamentável, que a "patriótica rapaziada governante" continue a ignorar os conhecimentos de quem sabe.
O professor Miguel Mota, por tudo o que escreveu naquele artigo, põe a "ministra das gravatas" num chinelo!

10 agosto, 2011 10:13  

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