31 janeiro 2006

A ESPERANÇA PASSA POR AQUI




31 de Janeiro, a meio da tarde…
Em Belém, Bill Gates será recebido pelo Presidente Jorge Sampaio.
“…pelo seu esforço e dedicação no combate à pobreza e às doenças no Mundo, especialmente em África e nos países de língua oficial portuguesa", será condecorado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.
Portugal reconhece assim o empenhamento em causas solidárias, através da Bill & Melinda Gates Foundation , nomeadamente no "no apoio dado a Moçambique, Angola e outros países que fazem parte da CPLP".

Criada pelo casal Gates em 2000, esta Fundação já doou alguns milhões de dólares para a promoção de cuidados de saúde e acesso ao ensino às populações mais desfavorecidas. Recentemente terá atribuído 258 milhões de dólares para combater a malária, patologia que tira a vida a duas mil crianças por dia em África, e, na semana passada, no Forúm Económico e Mundial de Davox, Bill Gates anunciou que vai doar cerca de 900 milhões de dólares até 2015 para o combate à tuberculose, doença que está a matar cinco mil pessoas por dia.

É urgente um compromisso de solidariedade…Não chega dar a cana e ensinar a pescar. Enquanto a cana não chega e demora o ensino da pesca, é indispensável não deixar morrer e saciar a fome de cada dia…
Estas iniciativas são, por certo, uma gota de água no oceano, mas, como li algures, sem ela o oceano ficaria mais pequeno...
Por reduzido que seja, e até contraditório, o exercício do altruísmo é sempre um sinal de esperança…indutor de um mundo melhor!



Bill & Melinda Gates Foundation ver AQUI
Bill Gates apoia Plano Tecnológico ver JN
foto de Ângela Ferreira

DELÍRIOS


O que se pode reter desta notícia no Público?
Que, no espaço virtual, por entre os que dão a cara e os que não conseguem elevar-se do anonimato, há uma nova forma de participação que acrescenta cidadania e que há partidos que insistem em fechar-se na sua própria mentira, como um menino que tapa os olhos e julga que a realidade deixa de existir, por já a não ver.

O comunicado do PSD é o exercício hipócrita de um directório liderado por um dos protagonistas da trama que está na ordem do dia. Incapaz do mais leve distanciamento crítico, tenta escamotear o essencial para salvar a face do líder.
Gato escondido com rabo de fora, é como se Aires viesse a público solidarizar-se com Pereira.
Com isso não o salva e enfraquece o partido, ferindo-o na sua credibilidade.

Ao querer que o leitor fique com a ideia de que o erro estaria na Lei, é uma outra forma de abuso de poder. Se houvesse honestidade intelectual e objectividade, reconhecer-se-ia, antes, que o erro está na forma pantomineira como a Lei, abusivamente, foi subvertida.

A condenação que se faz nos espaços públicos não precisa de uma conclusão dos tribunais, porque tem centrado o comentário crítico nos planos ético e político.
Mas, é bom que não se esqueça que os passos dados pela Justiça conhecidos não ajudam nada o intento faccioso do comunicado:
- o Ministério Público acusou do crime de Abuso de Poder, António Dourado, o Vice-Presidente da Câmara, Aires Pereira, e outros Vereadores;
- o Tribunal da Relação impôs que fossem julgados por tal crime;
- o Tribunal da Póvoa de Varzim veio recentemente a proferir sentença condenatória pelo mesmo crime.
Estes são factos incontornáveis e irrefutáveis.

foto de Vitor Cid

VEJA O PÚBLICO

PSD-Póvoa contesta "sumária condenação pública" do líder
Ângelo Teixeira Marques

Aires Pereira foi condenado por "abuso de poder". PS reclama afastamento do autarca da poder municipal

A Comissão Política Concelhia do PSD da Póvoa de Varzim emitiu um comunicado onde afirma a "total solidariedade política e pessoal" para com o presidente daquele órgão, Aires Pereira, que foi condenado pelo tribunal local pela prática de um crime de abuso de poder. No comunicado, produzido durante uma reunião ocorrida no final da semana em que o líder da concelhia esteve ausente, os restantes membros da comissão enfatizam que a sentença ainda não transitou em julgado, porquanto foi objecto de recurso para instância superior.Por esta razão, a concelhia "considera inadmissível, porque atentatória das regras mais elementares em que se funda o Estado de direito democrático, a tentativa de julgamento e de sumária condenação a que se assiste em alguns espaços públicos de opinião". Neste aspecto, os autores de diversos blogues na Internet não têm poupado o espaço virtual para colocarem opiniões contrárias à continuidade de Aires como vice-presidente da câmara municipal. O autarca foi condenado num processo em que o juiz absolveu os restantes quatro vereadores (Mário Jorge Rodrigues, Paula Silva, Paulo Costa e Gil da Costa) que, em 2000, também votaram a aposentação compulsiva de António Dourado, ex-director do Departamento de Administração e Finanças que mais tarde viria a assumir a presidência da empresa municipal Varzim Lazer. O juiz considerou que Aires, enquanto instrutor do processo, se deixou levar no "estratagema" de Dourado, que queria chegar à reforma mais cedo e sem perder regalias. A concelhia do PSD lembra que Aires só foi nomeado instrutor porque tal missão tinha de ser desempenhada por um superior hierárquico de Dourado. Em relação à punição, a comissão considera que "a proposta de deliberação agora controvertida era a habitual face à factualidade e ao circunstancialismo vertidos naquele processo, e isto não só na Câmara da Póvoa de Varzim como em inúmeros outros municípios e em organismos da administração central". O PSD-Póvoa alega que a deliberação respeitou "escrupulosamente a legalidade" e que, por outro lado, "a recentíssima alteração ao Estatuto da Aposentação dos funcionários públicos, dissuadindo a reforma compulsiva, é a prova, infelizmente tardia [sic], de que o erro estava na lei e não na sua aplicação". Já depois de lida a sentença, o presidente da Câmara da Póvoa, Macedo Vieira, veio a público manifestar o seu apoio a Aires Pereira e mostrar-se confiante numa alteração da sentença após o recurso para a relação. Vieira não foi incluído neste processo porque à data da aplicação do castigo a Dourado encontrava-se numa visita oficial ao Brasil com o então vereador com o pelouro da Cultura, Luís Diamantino, que também não foi pronunciado pelo Ministério Público.PS exige afastamento de Aires PereiraO secretariado da Comissão Política Concelhia do PS da Póvoa manifestou sexta-feira "a sua mais veemente indignação pelas posições assumidas pelo presidente da câmara" e entende que, "no mínimo, exige-se a retirada da confiança política ao seu vice-presidente [Aires Pereira] e a exoneração imediata do presidente da Administração da Varzim Lazer [António Dourado]"."A participação de Aires Pereira no "caso Dourado", que culminou com a condenação de ambos, prejudica o erário público e constitui mais uma machadada no já depauperado crédito do poder local", lê-se no comunicado que foi transmitido numa conferência de imprensa que juntou vereadores, membros da assembleia municipal e vários elementos do secretariado. "Senti-me defraudado com a sentença. Parece que, neste caso, o crime compensou. Como é que uma pessoa [Dourado] pode ser condenada a pagar uma quantia [em multa] que é manifestamente insuficiente tendo em conta os ganhos que obteve ilícita e criminalmente", disse Renato Matos. Este membro do secretariado comparou a manutenção de Aires na câmara ao que se passou com Avelino Ferreira Torres no Marco de Canaveses. "O vice-presidente da nossa autarquia foi condenado por um crime no exercício das funções e continua a exercê-las", criticou.

POL nº 5787 Segunda, 30 de Janeiro de 2006



30 janeiro 2006

Ai, Portugal

A pedido de quem não consegue aceder ao PÚBLICO on-line


Ai, Portugal!



Joaquim Fidalgo
Crer para Ver


Ele era, dizem, um funcionário exemplar da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim. Em cerca de dez anos de carreira, nunca faltara ao trabalho. E de repente, sem ninguém contar, dá uma falta injustificada. E logo a seguir outra, e outra... Cinco. Cinco faltas injustificadas. Caso grave! Deu processo disciplinar, ao fim de apenas duas semanas já havia relatório final. Foi o assunto à reunião de câmara e o funcionário recebeu a adequada punição (a segunda mais grave da administração pública, dizia o jornal): compulsivamente mandado para a reforma. E lá foi ele para casa, com uma reformazita de pouco mais de três mil euros mensais - 627 contos, para sermos precisos. Grande castigo, sim senhores!...Prematuramente aposentado, mas ainda cheio de força para trabalhar, bastaram mais duas semanas a este funcionário exemplar para ser convidado para nova função: administrador de uma empresa municipal. De que câmara? Da da Póvoa de Varzim, obviamente... E lá ficou o nosso homem a acumular a reforma antecipada de seiscentos e tal contos mensais com outros tantos centos, não sei quantos, do novo cargo numa administração. Bem vistas as coisas, não lhe correra mal a vida...Mas "Deus é grande", como diz o povo, e justiça havia de ser feita. O caso acabou por ir parar ao tribunal. Havia coisas estranhas na história: um funcionário tão cumpridor a dar, de repente, várias faltas ao serviço, um processo disciplinar rápido como nunca se viu, o funcionário sem esboçar sequer uma contestação, um recurso, uma decisão rapidíssima de passagem à reforma, logo a seguir o convite (do mesmo patrão que o "castigara") para uma função de responsabilidade, tantas coincidências... Acabou por se concluir que aquilo tinha sido tudo bem urdido e mais ou menos combinado. E o juiz condenou o homem por abuso de poder. Bem feito! Qual foi a pena? Uma multa de 4650 euros. Isso mesmo: só uma multa de 4650 euros!... E a vida continuou, e a vida continua. Afinal de contas, o próprio juiz afirmara, na sala do tribunal, que aquele era um procedimento relativamente vulgar na autarquia e eram conhecidos diversos casos semelhantes de "passagens compulsivas à reforma" por faltas injustificadas... Ou seja, um "esquema". E a gente fica a pensar quantos funcionários, naquela câmara municipal, ou noutras, ou nos serviços públicos que por aí abundam, estão hoje calmamente e antecipadamente a gozar as suas reformas como "castigo" por terem incumprido alguns deveres profissionais. Castigos destes venham muitos...Mas nem tudo é negativo na história. Veja-se como, por vezes, a administração pública é célere: pouco mais de um mês para abrir um processo disciplinar, instruí-lo e dar o veredicto! Serviços eficientes... E os que dizem que a justiça em Portugal não funciona têm aqui uma boa resposta: a justiça funcionou às mil maravilhas e também depressa, pois o homem foi rapidamente "punido" com a tal reforma e, descoberta a marosca, voltou a ser "punido" com uma pesada multa de 4650 euros. Quem disse que o crime compensa?!...

Jornalista
POL nº 5787 Quinta, 26 de Janeiro de 2006

27 janeiro 2006

CÍTRICO OCASO



O fim de tarde retomou a acidez na minha terra!

Retomo a mágoa com que olho este tempo onde escasseia a falta de princípios e prolifera o descaramento.

Retomo a perplexidade que suscita a pena ridícula para um crime de abuso de poder, materializada numa multa que os prevaricadores pagarão sem dificuldade, atentos os ganhos que entretanto já alcançaram e que nada faz supor que terminem e, muito menos, que sejam devolvidos ao que é de todos.

Num Estado de Direito a Justiça é um pilar fundamental da própria Democracia. Mas, a forma como é exercida não pode estar acima de qualquer crítica! Punir com uma multa irrisória quem ofendeu o Poder Local e a Democracia, quem se serviu do poder que lhe foi outorgado para nos representar e, deturpando-o, favoreceu o "amigo" e prejudicou o colectivo, confunde-se tragicamente com o reconhecimento de que o crime compensa!

Retomo a mágoa com que olho este tempo insustentável...
E a mágoa acentua-se quando veja espalhada, para além das nossas ruas, uma imagem tão negativa da minha terra, que percorre a tinta impressa nos jornais nacionais... Não porque dela contem a mentira, mas porque dela se servem para dar exemplo da tibieza que contamina e menoriza Portugal.


Veja AQUI o que se diz...


(*) foto de Elsa Mota Gomes

PAUSA BREVE NA IGNOMÍNIA


Proponho uma pausa breve na ignomínia para dar lugar à Música.
A inspiração e a irreverência de Mozart integram a mesma energia estimulante contra a Inveja e os poderes fáticos que atrasam a História.
Curvo-me diante do seu génio.

Foi há 250 anos que Joahannes-Chrysostomus-Wofgang-Theophilus nasceu.
Os dois primeiros nomes nunca os usou. Theophilus (literalmente o que ama a Deus) foi mudado para nomes homónimos, Gottlieb ou para Amadeus, conforme Mozart pendia mais para a Alemanha ou para a Itália. Mas como Wolfgang Amadeus Mozart ficou para sempre conhecido um dos maiores génios - senão o maior da história da humanidade.
Durante os seus 35 anos de existência, Mozart compôs cerca de 750 obras


24 janeiro 2006

FALTA DE PUDOR E OBSCENIDADE


A reacção do Presidente Macedo Vieira sobre o caso Aires/Dourado revela a mais despudorada e obscena falta de vergonha!
O Estado de Direito é cada vez mais uma ilusão e a Democracia resvala pelas ruas da amargura!


VEJA AQUI

23 janeiro 2006

DOURADO E CAMINHA

"António Dourado (assessor avençado para a área financeira da Câmara Municipal de Caminha após o PSD ter chegado ao poder..."

veja mais AQUI

22 janeiro 2006

TRINTA DINHEIROS

No bengaleiro do mercado público
penduraram o coração.
Vestem o fato dos domingos fáceis.
Não têm rosto
têm sorrisos muitos sorrisos
aprendidos no espelho da própria podridão.
Têm palavras como sanguessugas.
Curvam-se muito.
As mãos parecem prostitutas.
Alma não têm. Penduraram a alma.
Por fora parecem homens.
Custam apenas trinta dinheiros.

Manuel Alegre

CONDENAÇÃO DOURADA


1.
Colarinhos brancos e pés de barro, o título no Póvoa Semanário (1).
Enquanto tentavam “dourar a pílula”, manifestei indignação e fiz um desafio: “Não me parece possível o exercício do Poder, em representação de um povo, sem uma reserva moral que deixe inequívoco que, o que suporta as opções é, sempre e inalienavelmente o interesse público em geral e dessa Comunidade em concreto e nunca o interesse pessoal, próprio ou dos amigos. Macedo Vieira perdeu esse estatuto de reserva moral que eu supunha tivesse! Esta é uma grave brecha na admiração que muitos sentiam pela sua figura. Só poderá recuperar o respeito da opinião pública se demitir Dourado e reformular a Varzim Lazer quanto ao conceito e quanto à estrutura e competência orgânicas, e se demarcar desta aldrabice, demitindo-se! Se, para tanto tiver uma réstia de dignidade!
Referia-me ao lodo do Caso Dourado, onde a premeditação de um e a conivência dos outros (objectiva ou por displicência) formam a mesma energia do obsceno.
Macedo Vieira não demitiu Dourado, não reformulou a Varzim Lazer e não se demitiu!

2.
Dois anos depois, o Ministério Público apontou o dedo a António Dourado, Aires Pereira e outros Vereadores e deduziu acusação por crime de Abuso de Poder!
Interroguei-me, então, sobre se o Tribunal viria a condenar os arguidos ou se eles mergulhariam no habitual caldo de impunidade! Mas sabia que, qualquer que fosse a conclusão, o seu comportamento fora e é, ética, legal e politicamente reprovável.
À volta pairava o silêncio, só interrompido pelas agressões a quem exigia justiça e o regresso da decência. Porque estaria tanta gente calada? Porque continuava o PSD mudo? Onde estava a Direita que prega os valores da moral? Onde estão os pretendem o reforço de uma sociedade exigente e avançada?
A passividade da massa humana entorpecida perante esta perversidade é um sinal de confrangedora demissão, da ausência de valores e da recusa da exigência de um sentido ético no exercício do poder.

3.
Em Outubro de 2003, dirigi uma Carta Aberta a Macedo Vieira. Voltei a referir o Caso Dourado. O Presidente enrodilhou-se num silêncio comprometedor. Eu falava em urgência de rigor e de decência no exercício dos cargos públicos e dos cargos políticos. Fui maltratado: Aires Pereira substitui o Presidente, fez ruído e turvou as mentes, alegando, para tentar desacreditar a minha intervenção, que me movia por “ódios e quezílias pessoais”.
Não obstante, mesmo que eu não existisse, manter-se-iam os factos que envolvem no breu Aires Pereira e Dourado.
Um Vereador, que pediu anonimato, explicou ao Publico (2) que o processo disciplinar movido a Dourado “foi um expediente” para que ele pudesse garantir que a pensão não iria cifrar-se num valor “muito mais reduzido” do que o salário que recebia. O Presidente da Câmara não o desmentiu nem desmascarou. Reconheceu que “a decisão pode ser contestada, do ponto de vista ético”, e encolheu os ombros depois de se ter zangado com quem exigiu a reposição do rigor.
Dourado não se defendeu e, apesar de colegas e superiores hierárquicos lhe reconhecerem assiduidade e competência, o Inquiridor, Aires Pereira, não considerou as atenuantes previstas na Lei: sinal de que a Reforma Compulsiva era a pena que convinha naquele momento! Não como castigo, mas como prémio!

4.
Enquanto Aires Pereira conduzia a reunião que enegreceu a Câmara da Póvoa, Macedo Vieira e Luís Diamantino estavam no Brasil. Não participaram da decisão. Mas, na verdade, só por hipocrisia e cobardia política tentam desresponsabilizar-se. Que se saiba, não ficaram por lá. Regressaram e nada fizeram para remendar a trapalhada. Aceitaram tudo com normalidade. Nada fizeram para corrigir o truque que deu a Dourado a oportunidade de ganhar ilegitimamente em cada mês mais uns salários mínimos de reforma. Pelo contrário, duas semanas depois sancionaram a sua nomeação para a presidência da Varzim Lazer!

5.
É intolerável que se pactue com os truques de um quadro superior de colarinho branco, ajudando-o a somar vantagem aos quatrocentos e tantos contos que já receberia, num Portugal onde proliferam pensões de reforma inferiores ao ordenado mínimo.
O que sentem diante disto os outros trabalhadores do nosso Município, sobretudos os mais modestos, os que nos limpam as ruas quando a noite aperta, e aqueles que, uma vez reformados, recebem pensões de miséria?
A relação de António Dourado com a Varzim Lazer está manchada por um pecado original que o atinge, atinge o PSD, Macedo Vieira, Aires Pereira e Luís Diamantino, os que restam do Executivo que o nomeou!
Como é que alguém, que fora reformado compulsivamente e deixou de servir para a Câmara, pode servir para uma Empresa Municipal?
Por uma questão de Ética, Dourado nunca deveria ter sido escolhido pelo Presidente da Câmara e nunca deveria ter tomado posse das funções de Presidente da Varzim Lazer!

6.
No passado dia 20 de Janeiro, o Tribunal condenou Aires Pereira pela sua deriva no desempenho de funções exactamente iguais às que actualmente exerce, como Vereador e braço-direito do Presidente Macedo Vieira.
Por isso, é impossível deixar de tirar ilações políticas.
A sua participação no Caso Dourado, que culminou com a condenação de ambos, prejudicou o Regime e contribuiu para o descrédito do Poder Local. Face visível da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, como Vereador e Vice-Presidente, o comportamento de Aires Pereira constituiu um grave e rude golpe no prestígio da instituição.
Poderá, então, Aires Pereira, também líder do PPD/PSD local, ignorar esta fragilidade e fingir que tem condições de natureza ética e política para continuar a exercer o cargo de Vereador da Câmara da Póvoa de Varzim?

7.
A política é um capítulo da moral”, adianta Sophia de Mello Breyner.
E, como sustenta o Presidente Jorge Sampaio, os políticos têm de colocar a si próprios os mais elevados padrões de exigência ética. São os primeiros a terem, pelos seus actos, o dever de prestigiar e valorizar as instituições da democracia representativa. É deles que tem de partir o exemplo de probidade para a vida pública. Só assim se fazem respeitar e só assim têm legitimidade para impor a indivíduos, instituições e poderes diversos, a mesma cultura de responsabilidade.
Aires e Dourado foram condenados! A sua condenação em Tribunal por crime de abuso de poder é o essencial! Mas, as penas são brandas para o prejuízo que causaram à credibilidade das instituições e ao Regime e ao erário público. É fácil perceber que, se tivesse havido rectidão, a Caixa Nacional de Pensões não teria pago o excesso da pensão que Dourado aufere há cinco anos, nem este teria recebido os milhares de contos que recebeu da Varzim Lazer.
A menos que aceitemos que o crime compensa, é preciso que haja consequências, que o caso não se encerre com o pagamento de uma multa, que qualquer dos dois pode pagar com facilidade e, se calhar, à mistura com um sorriso irónico que nos humilha a todos.
Cabe a cada um tomar uma atitude.
Eu sei o que deveriam fazer: ter vergonha, obviamente demitir-se e devolver a quem de direito o que tenham recebido ilegitimamente. Seria esse o modo de recuperar a dignidade perdida!
Mas, outros têm o dever de se pronunciar e de agir!
De Diamantino não espero senão os habituais gestos voláteis à mistura com um esgar cínico e agressivo que se dilui antes de intimidar.
Já Macedo Vieira não pode ficar calado, não pode abster-se. Se antes fingiu não ver o erro e o seu significado para a integridade moral da Câmara Municipal e para a saúde da própria Democracia, tem agora, de novo, a oportunidade e o dever de agir à altura da situação.
É preciso recuperar o prestígio e a credibilidade da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim junto dos cidadãos.
E isso, no mínimo, e no caso de não existir sentido de responsabilidade por parte dos condenados, faz-se propondo a Aires Pereira que se demita, exonerando imediatamente António Dourado da Varzim Lazer e criando as condições para a reposição dos valores alcançados de forma ilegítima.



Notas
(1) edição de 2000.02.24.
(2) edição de 2000.02.13

O DESAFIO DE JÚDICE

Será que Macedo ouviu?


“Além disso, vi, debaixo do sol, a injustiça ocupar o lugar do direito e a iniquidade ocupar o lugar da justiça.”
Eclesiastes, 3 – 16 – Velho Testamento

1.
José Miguel Júdice esteve na Póvoa. A convite da Câmara Municipal, o Bastonário da Ordem dos Advogados veio “ao encontro da Justiça e do Estado de Direito”; era o título da conferência.
Não sei se, nos ventos que sopram, poderia encontrar de boa saúde uma e outro neste pedaço de terra poveira e, sobretudo, entre as quatro paredes daquele Salão Nobre que simboliza o poder, exercido em nome do povo, mas tantas vezes distante da expectativa que, no mesmo povo, os actores do momento lhe criaram ilusoriamente quando lhe agarraram o voto.
A Justiça é um pilar insubstituível ao Estado de Direito e ambos são seiva da Democracia: o que se faz de ambos podem fortalecê-la ou envenená-la! Assim, se a neutralidade galopante, quimicamente pura, é um cancro que contamina e corrói a sociedade, quando aceite tacitamente, torna possível tudo e o seu contrário, esbate as fronteiras do ilícito, amarrota e vilipendia o Estado de Direito.
Nós sabemos de quantas vezes, nos mais diversos sectores da vida - também, na Administração Central e das Autarquias Locais -, são ignorados manhosamente os princípios e as regras, diante do encolher de ombros colectivo.
No entanto a Justiça deveria começar e afirmar-se nas boas práticas do quotidiano de todos nós e das instituições, dando cor a uma sociedade progressivamente humanista e com os mais elevados padrões civilizacionais.
É que, por muito que os Tribunais venham a funcionar melhor – e muito há a fazer, reconhecida a extensão das debilidades que os minam – a Justiça tem de ser, prioritariamente, uma construção da vida e em todas as vertentes da vida. A utopia será construir uma sociedade onde os Tribunais sejam inúteis, não pela sua falta de eficácia – como vai acontecendo nos dias que correm – mas, porque fomos capazes de edificar uma sociedade de valores, centrada no respeito do outro, que é condição da nossa própria existência como seres humanos e cidadãos.
Se o Estado de Direito precisa de outro comportamento de todos nós, isso passa por recentrar as atitudes em princípios e valores que não deixaram de existir, mas estão apenas congelados em nome de uma neutralidade intelectual que, vencida pela inconsciência da ilicitude, tudo permite!

2
Para Júdice, “o Estado de Direito é como o oxigénio, está por todo o lado e nunca o vemos”. Dele depende o exercício da Cidadania que precisa, igualmente, da resposta pronta e fundamentada da Justiça. Mas, a Júdice não seria possível referir-se à Justiça em Portugal sem denunciar com veemência as suas maleitas neste tempo de contradições e amnésia de referências.
Não nos disse, todavia, mais do que o que estamos “carecas” de saber: que o acesso à Justiça é caríssimo e marginaliza quem não tem meios económicos, reduzindo-lhe o suporte da cidadania, que os processos se arrastam pegajosos por tempos intermináveis, que as investigações são feitas às três pancadas e quase sempre não se apuram os factos com o rigor que se impunha, que os procedimentos são complexos e muitas vezes roçam a irracionalidade, pelo anacronismo dos métodos e a inércia comportamental dos agentes que se movem nas estruturas funcionais dos tribunais... E, desacreditada a Justiça, fica fragilizada a Democracia!
Mas, se é indispensável uma profunda reforma das mentalidades dos actores que interagem no sistema judiciário, é igualmente insubstituível introduzir mecanismos de racionalidade nos procedimentos judiciais, o que passa pela modernização dos meios e dos instrumentos ao serviço desses actores.
Ora, ao contrário da história do “burro do inglês”, que na ânsia de reduzir até à exaustão os custos com a comida do animal, acabou por deixá-lo morrer no preciso momento em que ele se estava a habituar a viver sem comer, não é possível aumentar a qualidade sem meios. E os meios implicam dinheiro, não os cortes cegos que o Governo PSD/PP tem feito. Por isso, apesar de ideologicamente próximo deste Governo, Júdice critica o facto de a Justiça ter visto reduzido significativamente o seu orçamento para 2004.

3.
Para ilustrar o quotidiano dos tribunais, Júdice usou a ironia e o humor enquanto contava uma série de pequenas histórias que acentuam o ridículo de situações insustentáveis. Ao ouvi-las, Macedo Vieira, o anfitrião, riu à gargalhada pelas cócegas que lhe fizeram. A boa disposição inundou o Salão Nobre.
Mas, nos derradeiros momentos da Conferência, quando Júdice, em tom grave e sério, fez o desafio de uma prática de inconformismo, de exigência de rigor, de refundação de um quotidiano assente em valores e princípios claros, e nos instigou a lutar por um sistema mais justo, intolerante com a ilicitude, contra a ambiguidade traiçoeira e oportunista e as distorções do exercício do poder, Macedo Vieira emudeceu o riso e colou o olhar no chão, não sei se por mimetismo, se porque viajou inevitavelmente e célere pelos casos que têm serpenteado nos corredores da Casa Grande.
Ou talvez vivesse nesse preciso momento um acto de secreta e solitária contrição.
Quem dera que fosse! Por ele, que ganharia paz interior, a nossa estima e reconhecimento. Por todos nós, que veríamos de novo renovado o caminho da credibilidade das instituições.
Entre tanto que há a mudar, talvez, nesse arremedo de transparência e inconformismo com a ambiguidade, transformasse em actos concretos o reconhecimento de que, no Caso Dourado “a decisão pode ser contestada, do ponto de vista ético” (1) . Talvez esclarecesse como pôde ficar indiferente à afirmação de António Dourado de que no final de 1999 “não tinha condições de saúde elementares para prosseguir essa batalha na Câmara Municipal, nessa medida utilizei o problema das cinco faltas para me aposentar.” (2) Talvez esclarecesse de vez quem é o Vereador anónimo que afirmou ao Público que o processo disciplinar “foi um expediente” para que Dourado pudesse garantir que a pensão não iria cifrar-se num valor “muito mais reduzidodo que o salário que recebia.” (1) Talvez esclarecesse os fundamentos de Gil da Costa quando disse ao Póvoa Semanário que “tudo leva a entender que houve algum acordo entre o Presidente da Câmara da Póvoa e o António Dourado, para que isto ocorresse desta forma.” (2) Desse modo, contribuiria para a consolidação do Estado de Direito e da Democracia, ajudaria o Ministério Público e far-se-ia Justiça. E talvez corrigisse esse erro intolerável de nomear Dourado em circunstâncias dúbias para a Presidência da Varzim Lazer – a mesma empresa municipal a que o Tribunal de Contas recentemente apontou irregularidades e desvio do fim público para que existe.
Talvez repudiasse a cegueira que o levou a subscrever a formalização de uma regra feita à medida, que beneficia exclusivamente duas empresas locais em milhões de euros, possibilitando urbanizações que comprometem a funcionalidade da cidade e a nossa qualidade de vida.
Talvez corrigisse o erro da Bomba de Gasolina que substituirá um Parque de Estacionamento Periférico útil à estratégia de acessibilidade e mobilidade da cidade, preferindo as alternativas apresentadas. E não alterasse o fim para que foi expropriado esse terreno (pago em 1995 pela ridícula quantia de 750$00 /m2(!), na sequência de um longo processo de expropriação que se iniciou em 1977 em nome do interesse público) para, sem consulta à Assembleia Municipal, o concessionar a uma empresa privada, que aproveitou a oportunidade de um negócio chorudo. Talvez melhorasse assim, a vida na cidade. E evitaria com certeza riscos desnecessários com consequências perversas. Depois do que se passou, a Câmara não está livre de um processo com custos para a Autarquia se a proprietária expropriada decidir usar as prorrogativas que a Lei lhe garante e vier a usar do direito de regressão por vício de desvio de fins.
E talvez seguisse, por fim e sem ambiguidades, o seu legítimo destino empresarial à frente da Imobiliária, clarificando o seu papel na sociedade poveira.

É que, de outro modo, não teremos motivos para acreditar que a Justiça é possível.
E confesso, pelo que a mim diz respeito, não queria ser derrotado pela inevitabilidade afirmada por Inês Pedrosa: “os verdadeiros abusos de poder não se detectam – nem vão a julgamento, nem são condenados em tribunal.”

Notas
(1) in Público, edição de 2000.02.13
(2) in Póvoa Semanário, edição de 2000.02.17
(3) in Abusos de Poder, Revista Única 2004.01.17

A POLÍTICA É UM CAPÍTULO DA MORAL (1)

1.
Colarinhos brancos e pés de barro, o título no Póvoa Semanário. (2)
Enquanto eles tentavam “dourar a pílula”, manifestei indignação e fiz um desafio: “Não me parece possível o exercício do Poder, em representação de um povo, sem uma reserva moral que deixe inequívoco que, o que suporta as opções é, sempre e inaliavelmente o INTERESSE PÚBLICO em geral e dessa Comunidade em concreto e nunca o interesse pessoal, próprio ou dos amigos. Macedo Vieira perdeu esse estatuto de reserva moral que eu supunha tivesse! Esta é uma grave brecha na admiração que muitos sentiam pela sua figura. Só poderá recuperar o respeito da opinião pública se demitir Dourado e reformular a Varzim Lazer quanto ao conceito e quanto à estrutura e competência orgânicas, e se demarcar desta aldrabice demitindo-se! Se, para tanto tiver uma réstia de dignidade!”
Referia-me ao lodo do Caso Dourado, onde a premeditação de um e a conivência dos outros formam a mesma energia do obsceno.

2.
Dois anos depois, o Ministério Público deduz acusação por CRIME DE ABUSO DE PODER contra o Dr. António Dourado e os Vereadores Eng.º Aires Pereira (aliás, Vice-Presidente do Município e Presidente da C.P.C. do PSD), Arq. Mário Jorge Rodrigues, Dr.Paulo Costa, Dra.Paula Silva e Dr. Gil da Costa!
Não sei se o Tribunal virá a condenar os arguidos ou se mergulharão no habitual caldo de impunidade! Mas, haja o que houver, sei que o seu comportamento foi e é, ética e politicamente, reprovável.
No entanto paira o silêncio! Porque está tanta gente calada? Porque continua o PSD mudo? Onde está a Direita que prega os valores da moral?
A passividade da massa humana entorpecida perante esta perversidade é um sinal de confrangedora demissão, da ausência de valores e da recusa da exigência de um sentido ético no exercício do poder.

3.
Não esqueço.
Dourado afirmou que no final de 99 “não tinha condições de saúde elementares para prosseguir essa batalha na Câmara Municipal, nessa medida utilizei o problema das cinco faltas para me aposentar.” (3)
Gil da Costa disse que “tudo leva a entender que houve algum acordo entre o Presidente da Câmara da Póvoa e o António Dourado, para que isto ocorresse desta forma.(3)
Um “Vereador que pediu anonimato” disse que o processo disciplinar “foi um expediente” para que Dourado pudesse garantir que a pensão não iria cifrar-se num valor “muito mais reduzido” do que o salário que recebia.” (4)
Macedo Vieira reconheceu que “a decisão pode ser contestada, do ponto de vista ético”. (4)

4.
Dourado não se defendeu durante o Processo Disciplinar, e, apesar de colegas e superiores hierárquicos lhe reconhecerem assiduidade e competência, o Inquiridor não considerou atenuantes: sinais de que a Reforma Compulsiva era a pena que convinha naquele momento!
Como no tempo de Manuel Vaz, Macedo Vieira não estava cá. A reunião fora presidida por Aires Pereira. Macedo não decidiu nesse momento, mas, estaria de mente ausente? E quando regressou à Póvoa, não pôde remendar esta trapalhada, prestigiando o exercício do poder local, defendendo o interesse publico e impedindo o assalto ao parco erário da Caixa Geral de Aposentações?
Como se pode tolerar que proliferem em Portugal pensões de reforma inferiores ao ordenado mínimo e ao mesmo tempo pactuar, senão ser cúmplice com truques que permitem um quadro superior de colarinho branco passar a receber a mais o equivalente a 3 salários mínimos, somando vantagem aos quatrocentos e tantos contos que já receberia?
Diante disto, o que sentem os meus concidadãos? E o que sentem os trabalhadores que ocupam cargos diversificados no nosso Município, sobretudos os mais modestos, os que nos limpam as ruas quando a noite aperta, e aqueles que, uma vez reformados, recebem pensões de miséria?

5.
Nós sabemos que o Ministério Público sabe que eles sabem que fizeram uma utilização abusiva e distorcida da lei. Só por artes mágicas da conivência activa de quem decide uma pena é transformada em prémio!
Em última instância o principal responsável é o Presidente da Câmara, mas Macedo não corrigiu o truque que deu a Dourado a oportunidade de ganhar ilegitimamente em cada mês mais uns salários mínimos de reforma. Pelo contrário, duas semanas depois ainda o nomeou Presidente da Varzim Lazer!
Se Dourado não tinha força anímica nem saúde para continuar ao serviço na Câmara, como passou inopinadamente a tê-la para gerir a empresa municipal? Terá tomado por remédio eficaz Contos de Reis?

6.
Ao fim de dois anos, Macedo Vieira permanece numa doirada torre, impávido e sereno. Não se lhe conhece a mais milimétrica iniciativa para corrigir o Abuso de Poder e de impedir o assalto ao dinheiro de todos nós!
Ao assim proceder contribui para o descrédito das instituições e do exercício do poder local. Traída a confiança, que certezas temos da bondade das suas opções como político e como Presidente da Câmara? Quando é que não está a defender os seus interesses pessoais, os interesses dos amigos ou dos grupos que o suportam?

7.
Como afirma Jorge Sampaio, a ética republicana “coloca o serviço público acima de todos os interesses particulares. Os portugueses têm de confiar que as políticas públicas se lhes dirigem, independentemente da forma diversa de que se revestem, consoante este ou aquele partido se encontra no poder; têm de confiar no Estado de Direito, que supõe o controlo, a fiscalização e a separação de poderes, assim como a efectivação das leis; têm de acreditar nas instituições e, por isso, elas têm de ser transparentes, bem geridas, e eficazes na prestação do serviço público. Mas têm também de confiar no rigor ético, na autoridade moral e na credibilidade pessoal daqueles que desempenham cargos públicos. Sem isso os portugueses descrêem da República, afastam-se da participação cívica e distanciam-se do sistema político. Aqueles que foram escolhidos pelos seus concidadãos são os primeiros a terem, pelos seus actos e pelos seus comportamentos, o dever de prestigiar e valorizar as instituições da democracia representativa. (...) Faz-nos falta uma cultura de responsabilidade, de rigor, de transparência e prestação de contas, de coerência entre as proclamações e as práticas. Os responsáveis políticos têm de colocar-se a si mesmos os mais elevados padrões de exigência neste domínio. (...) (5)

8.
Os detergentes da opinião, cumprindo o destino de tudo lavar mais branco, dizem, a ver se colhe, que Macedo Vieira não tem nada a ver com o Caso Dourado!
Posso assegurar que Astérix, Tim Tim e o Homem Aranha também não!
Mas, estes são figuras de ficção!


Notas

(1) Sophia de Mello Breyner
(2) Edição 2000.02.24
(3) in Póvoa Semanário, edição de 2000.02.17
(4) in Público, edição de 2000.02.13
(5) in Discurso por ocasião da Sessão Solene Comemorativa do 92º Aniversário da Implantação da República

COLARINHOS BRANCOS E PÉS DE BARRO

“É cedo demais para fazermos alguma coisa e esperamos até que seja tarde demais”
MIA COUTO

1.
É útil mostrar o lodo, para que a interrogação sobre o Sistema se torne audível.
Um Quadro Superior, tido como exemplar, habituado a acumular em muitas centenas de contos o salário com horas extraordinárias e emolumentos, teve a percepção de que esta seria a altura propícia para se retirar!
Sabia que, acabando o cargo de Notário Privativo, na contabilidade da futura pensão de reforma deixaria de contar com os gordos emolumentos que recebera, durante anos, sempre que a Câmara fazia Contratos com fornecedores dependentes de Escrituras Públicas.
Mas, sair voluntariamente, não era possível ainda. A aposentação voluntária obriga a dois pressupostos simultâneos : a idade e o tempo de serviço! Teria que esperar!
Por isso, construiu um truque. Um truque que só seria eficaz se contasse com a cumplicidade do Executivo que, podendo optar por outras, haveria de escolher a única medida que servisse os seus intentos!
Faltou cinco dias seguidos sem justificação: pena grave que viola o princípio da assiduidade. Tão mais grave quanto praticada por um Quadro Superior, responsável pelo Serviço de Pessoal, a quem deve incutir o sentido da responsabilidade e da dedicação.
O Inquiridor municipal moveu-lhe um Processo Disciplinar.
O castigo decidido, neste caso foi o prémio pretendido : aposentação compulsiva!
Perante as vantagens, a mancha no currículo passou a coisa menor. Mas, por cautela, a Acta que conta da decisão final, ao contrário do que é normal, não refere o nome de António Dourado numa tentativa de manter a discrição.
Ironicamente, não proceder disciplinarmente contra o infractor teria sido a sua pena!
E, se não houvesse cumplicidade acordada, o castigo poderia ter sido a Demissão. Mas isso significaria o afastamento da Função Pública. O desemprego. E a espera pela idade da reforma. Certamente, com menos proventos.
Se não ficasse clara a escandalosa combinação, bastaria ouvir Dourado dizer ao jornalista que no final de 99 o seu estado de saúde se agravara e vendo que “não tinha condições de saúde elementares para prosseguir essa batalha na Câmara Municipal, nessa medida utilizei o problema das cinco faltas para me aposentar.” (1)
Confissão de um acto de PREMEDITAÇÃO, que teve a CONIVÊNCIA do Executivo, como confirma o Vereador Anónimo (quem foi que elegeu o Vereador Anónimo ?), dizendo que o processo disciplinar “foi um expediente” para que ele (Dourado) pudesse garantir que a pensão não iria cifrar-se num valor “muito mais reduzido” do que o salário que recebia.” (2)
Insaciável a ambição, tolheu-se o discernimento. Colada a “forretice” à alegada competência, de seguida Vieira nomeou Dourado para Presidente da Administração de uma Empresa Municipal, apesar de estar alegadamente doente, cansado, disponível para maus exemplos de falta de assiduidade e que, pelos vistos, deixara de interessar ao Município!
Mais meio milhar de contos para Dourado! O Estado é coisa abstracta. O Erário Público coisa de ninguém. E se não tem dono, ninguém há-de levar a mal que melhor sirva aos amigos!
Mas, se Dourado era o técnico precioso para a dura tarefa de conter as despesas numa Empresa Municipal difícil de governar, porque é que Vieira não o transferiu para esse cargo, em Comissão de Serviço, simplesmente? Porque isso não seria suficientemente rentável para Dourado? Afinal, a “forretice” a ele não se aplica?
Macedo, traído pela própria consciência, já respondeu deixando escapar que a decisão pode “ser contestada, do ponto de vista ético”. (2)

2.
Será possível a Política sem Ética, Senhor Doutor?
Os factos demonstram iniquidade. Actos de nepotismo que negam a defesa do interesse público.
Feita a crítica no plano ético, importa que também o seja no plano político, pela apresentação de uma Moção de Censura ao Executivo.
E, os indícios disponíveis exigem ainda o apuramento de responsabilidades.
O Legislador quando fez a Lei, tinha por objectivo penalizar o infractor. É esse o espírito da Lei. No entanto, num passo de magia, o feiticeiro municipal transformou o castigo num prémio! Na verdade não há perversidade na Lei: o que aconteceu foi o uso perverso da Lei, o que é muito diferente!
Neste sentido, no passado sábado em programa da Rádio Mar, referi que para merecerem credibilidade, impõe-se que os Partidos Políticos e o Presidente da Assembleia Municipal (a quem cabe fiscalizar os actos do Executivo) apresentem queixa junto do Ministério Público, tendo em vista IMPUGNAR contenciosamente o acto de aposentação compulsiva por vício de DESVIO DE PODER.
O PSD, refém da Câmara, está mudo! O que poderia dizer o recentemente eleito presidente da Comissão Política Aires Pereira desta história e do Inquiridor municipal Aires Pereira?
Todavia, se a laranja mecânica bloqueou, o que pensa quem neste partido sempre primou pela dignidade?
A CDU, num passo importante, fez a denúncia através de Comunicado na Comunicação Social. O CDS-PP considera que este é um “acto simulado, que constitui uma fraude à lei gravosa para o erário público”. (1)
Mas, se a denúncia não basta para se ser diferente, o Partido Socialista surpreendeu positivamente, ao anunciar através de um comunicado lido hoje na Comunicação Social que irá participar os factos às entidades competentes, já que há indícios de que a Câmara Municipal e particularmente o seu Presidente conduziram este processo de forma pouco transparente e mesmo eticamente reprovável. (3)

3.
O erro táctico foi ficar demasiado à vontade e rematar a trama em Janeiro. Fevereiro é que é o mês dos gatos, e fora de tempo eles deixam o rabo de fora. Os centímetros suficientes para escancarar o abuso que leva ao descrédito das instituições.
Mas, a causa estará na teia de cumplicidades que, como defende Pacheco Pereira, se geram no modelo consensual de constituição dos executivos municipais: ao contrário de gerar participação, rigor e eficácia, tem tornado pouco coerente os Executivos, dilui responsabilidades partidárias e favorece o sistema clientelar, as cunhas, a partilha de benesses e interesses, o nepotismo e a corrupção.
O passado recente demonstra que, com consequências para além do tempo exacto em que aconteceu, as oposições, ao participarem num contrato político com o partido que exerce o Poder, deixam de fazer oposição e votam todos os documentos fundamentais da gestão municipal. As críticas ao executivo desaparecem ou atenuam-se. Os partidos respectivos reduzem a sua actividade política aos períodos eleitorais de quatro em quatro anos, com a tarefa quase sempre impossível e incompreendida junto da opinião pública, de nessa altura criticar tudo aquilo em que tinham participado e sufragado com o seu voto.
Ainda a propósito, Pacheco Pereira afirma com agudeza : “os únicos defensores dos executivos consensuais no PSD que eu compreendia eram os presidentes de Câmara eleitos pelo partido que explicavam com clareza que esse sistema era essencial... para domesticar a oposição socialista e comunista. “ (4)

4.
Não podemos continuar indiferentes à ideia de que se podem cometer todos os atropelos impunemente. Em política, a legitimidade eleitoral não prescinde da observância ética da Lei.
A sensação que se tem é que estas pessoas sem escrúpulos partem do princípio de que somos néscios e estamos permanentemente distraídos. E que, se o rabo do gato nos roçar o nariz, tudo se resume a um questão de tempo. Esbracejamos e ralhamos durante algumas semanas. A eles basta-lhes um já treinado exercício de paciência, e esperar que todos se calem, se retomem os sorrisos e os cumprimentos, e tudo fique na mesma.
Ora, nem todos estão dispostos a isso!
Não me parece possível o exercício do Poder, em representação de um povo, sem uma reserva moral que deixe inequívoco que, o que suporta as opções, é sempre e inalienavelmente o INTERESSE PÚBLICO em geral e dessa Comunidade em concreto e nunca o interesse pessoal, próprio ou dos amigos.
Macedo Vieira perdeu esse estatuto de reserva moral que eu supunha que tivesse!
Este é uma grave brecha na admiração que muitos sentiam pela sua figura.
Só poderá recuperar o respeito da opinião pública, se demitir António Dourado e reformular a Varzim Lazer quanto ao conceito e quanto à estrutura e composição orgânicas, e se demarcar desta aldrabice demitindo-se!
Se, para tanto tiver uma réstia de dignidade!

Notas
1. in Póvoa Semanário, edição de 17.02.2000
2. in Público, edição 13.02.2000
3. in Rádio Mar, edição de 21.02.2000
4. in História de proveito e exemplo, Público, 2000.02.17

OS MENINOS D'OIRO DO PODER

Visita oportuna a um texto de 88 publicado no “Comércio da Póvoa”



“Na política e na História há as ideias, as doutrinas, os métodos, os programas, e depois há a Ética, que é uma disciplina sempre subsidiária, sem vida própria.(…) Pertence ao domínio da sensibilidade: até onde se pressionar antes de começar a magoar. “ (**)


1.
Há vícios que resistem, contaminam os homens e insistem como repetições teimosas, penetrando os interstícios das oportunidades.
Neste ar que se respira deslizam odores que estimulam a memória, e motivam a reescrever o que antes serviu para envergonhar a pequenez dos que esfumam as fronteiras da dignidade, em bebedeiras de ambição!
Da memória recupero, por isso, o texto que publiquei há uma dúzia de anos.
Dedico-o aos que ganham “prémios” de bom comportamento pelos serviços prestados, mas que não se inibem de lixar a vida aos outros! Aos que existem sobretudo para sustentar o Poder, seja ele qual for, tenha ele a forma que tiver!
Dedico-o com a certeza de que, ao recortar o perfil desses, se clarifica o próprio retrato dos outros, dos que, por causa da mediocridade política, da falta de escrúpulos e de ética, não prescindem daqueles para sobreviver!

2.
Dizia assim:
“Aquela mania de coleccionar camisolas do crocodilo verde, e de ansiar por sorrisos nos festins da gente ilustre, havia de o pôr frente a frente com o Diabo. Ele tece-as e as benfeitorias têm um preço que é preciso pagar com a alma, talvez o preço de deixar de pertencer aos que são verdadeiramente homens.
Era um bom rapaz, julgávamos. Nas conversas amenas trocadas à mesa do café, explicava que havia um lugar para o rigor sem ser burocrata, e apontava para uma organização do Poder ao serviço dos cidadãos, a sua única razão de ser, como lhe ensinava um belo sonho da esquerda romântica.
Teria sido um bom rapaz... até que o Diabo lhe ofereceu o lugar de chefia, à semelhança do xerife mandão que gostava de ser quando, pequeno, brincava aos cow-boys. É então, que estranha força lhe transformou a ideologia, agora cata-vento, habituando-o a não discutir... e a obedecer... de preferência sendo capaz de se antecipar e adivinhar os desejos dos tiranos a quem prometeu vassalagem, para lhes provar, provadinho, que o seu apoio lhes era incondicional. A verdade é que sozinho não ia mudar o mundo; e porque haveria de o mudar se agora estava do lado de cima? Na quinta de George Orwel era bem agradável estar acima dos outros animais.
De bom rapaz, que se calhar nunca foi, não tardou a fazer-se menino d’oiro do poder.
O preço devido pela farda de comando era ver-se lacaio, sempre que se cruzava com o espelho no corredor. Incomodativo no início, tornou-se porém num hábito sem significado depois que substituíra o espelho por uma cópia a cores de Gioconda de Da Vinci, onde acreditava que estampava o próprio sorriso amarelo ...
Agora não sei se dorme de noite, mas já come com talhares de prata na mesa altíssima de um olimpo desnaturado, e vai fazendo banquete das honrarias do momento ao custo de ser útil ao poder : tarefa que aprendeu muito bem e desempenha com muito zelo.
Parece-lhe que vale a pena: no fundo, a fraqueza intelectual e o vazio cultural tinham fome e este truque de enganar pela barriga é sensacional.
Entretanto, como a psicologia garante, de um lado do síndroma da chefia sentava-se a subserviência e do outro soltava-se a prepotência. Castigava, então, cobardemente, os de baixo na razão directa do acto de se humilhar aos de cima, que preciso lhe era um escape capaz para os dias em que o mar se recusava a ser de rosas, como num aviso de mostrar o futuro inevitável.
Da América Latina mandou vir o “método do pontapé do chefe” (de autor desconhecido) em três volumes, que já é a sua obra preferida. A literatura, por ordem sua (sempre a sua maravilhosa ordem!) veio de avião, e parou brevemente na terra de Clinton para se transformar em disquete : que ser ditador por computador é bem melhor.
Assim, depois de rastejar na espiral dos de cima, regressa sempre sôfrego à sua caixa de surpresas e faz jogos ininterruptos com os teclados frenéticos, procurando a receita mais refinada que lhe sirva, para compensação, à sua próxima aventura de pequeno ditador.
Aos que a fatalidade impusera o papel de cidadãos, começou a atirar com olhares de desprezo. Construía congeminações em torno de lhes fazer ver que era ele quem mandava... ( nos intervalos de obedecer aos de cima ... ) Fazia-lhes sentir que o remédio era falarem-lhe de mansinho, de joelhos no chão e ar suplicante, não fora acordar-lhe na caixa craniana o papão de areia. É que a sua disponibilidade de menino de oiro do poder era para os de cima e não para os de baixo.
Suprema ideia foi, então, mandar para a fogueira os outros colegas que insistiam num funcionalismo público ao serviço dos cidadãos, essa ralé que “tem de ser castigada”.
Pouco a pouco tinha a certeza de que ficaria na história como o grande reformador da administração.
E pouco a pouco se afastava da hipótese de ver o grande erro, que é pensar que esse poder de circunstância dura uma eternidade.
Isto, já que o outro erro é não lembrar que se aqui é menino d’oiro do poder, também é cidadão (indefeso) , diante de muitos outros poderes de quem hipocritamente reclama competência e cortesia.”
3.
Afinal, como no primeiro parágrafo, frente a frente com o Diabo, a silhueta frivolamente rocócó recebeu agora nova benfeitoria.
Pagou-a com a alma!
Voluntariamente!



notas
(*) J. J. Silva Garcia, in O Comércio da Póvoa de Varzim de 1988.11.30
(**) Paulo Moura, in A Ética da chama acesa, Público, 2000.02.13

15 janeiro 2006

MANUEL ALEGRE, O HOMEM DO PAÍS AZUL



“…os ratos não podem roer um homem / que grita não aos ratos... “ (1)

1. Abro o livro e esvoaça de novo a Trova do Vento que Passa.
Não preciso de agarrar os últimos versos, porque há muitos anos que me contagiam desde que os ouvi e me alimentam: “Mesmo na noite mais triste, em tempo de servidão, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não.”
Estes versos colocaram “aquele, que desarruma um pouco as coisas sossegadas” no contorno dos que escolhi para referência das minhas próprias tentativas cidadãs.
Manuel Alegre, o Poeta, “o homem do país azul”, inconformista, capaz da esperança e amante da Liberdade (2), tem, por isso, a essência que me interessa neste momento, como símbolo da portugalidade.

2. Neste declíve que atrasa a esperança, urge de novo a utopia, não como esconderijo alienante, mas como semente do desenvolvimento. Urge de novo, a resistência ao que diminui nos homens a humanidade e, ao mesmo tempo, a visão romântica da política como acção transformadora. Urge pensar para além do imediato e do visível, porque é de valores e de princípios que Portugal carece. Urge inundar a jangada de pedra da profundeza da sua própria alma.
É esta a vantagem do poeta. Sobretudo do poeta de causas, construído nos dias das lutas difíceis, no breu bolorento da ditadura, ou nas intermitências negras da democracia que alguns impedem de crescer.

3. Em que é que se tem transformado Portugal às mãos dos economistas, dos magos dos números a que nos reduzem, reduzindo a realidade e a vida?
O que é Portugal depois de trocar cooperação por competição, solidariedade por flexibilidade, humanidade por produtividade, num rodopio de falsas promessas e onde se chega sempre ao lucro como principal objectivo que tudo justifica?
Um Portugal no escorregadio de uma rampa inclinada, um Portugal em deficit!
Não é de malabaristas de estatísticas e de projecções que Portugal precisa. Sobram os que nunca acertam no golpe da varinha mágica, mas que se deleitam a explicar os erros, que nunca assumem e sacodem do capote, mas que magoam a vida de todos!
A crise económica é a consequência de um modelo que já demonstrou não resolver os principais problemas da humanidade, que tem sido incapaz de eliminar a pobreza e a marginalidade, de suscitar a felicidade humana e a melhoria da qualidade de vida das pessoas, de forma generalizada e sustentadamente, dado que é um modelo predominantemente predatório e desumanizante.
Avolumam-se as injustiças e as riquezas que uma poderosa minoria acumula muitas vezes sem se saber como, ao mesmo tempo que aumenta assustadoramente o número dos que passam dificuldades.
Ao contrário da eterna mentira de Direita, assente na hipótese jamais confirmada de que primeiro é preciso criar riqueza para depois distribuir, é gratificante ouvir Manuel Alegre defender que “a melhor distribuição da riqueza é uma pré-condição para o desenvolvimento”.

4. Um novo paradigma se impõe construir.
SE querem falar de economia, direi que é necessário recolocar a Economia ao serviço das pessoas, coisa que – excepção feita a pessoas como Muhammad Yunus – a generalidade dos técnicos dos números não soube fazer.
O desafio que se nos coloca, pois, é o de novo lutar pelo primado do político sobre o económico, que é apenas um dos múltiplos lados da vida.

Nesta medida, é decisiva a nossa capacidade para revitalizar os valores da liberdade, da justiça, da igualdade, da fraternidade, da solidariedade, do respeito pela natureza, da cooperatividade, da criatividade cultural, da inovação organizacional, submetendo-os a uma permanente reactualização crítica, que os complete e enriqueça.
No fundo, será talvez um caminho para encarar o socialismo como um humanismo que possa aproximar o mundo de hoje da felicidade e de assumirmos causas, valores e ideias.

5. Na era global, prenhe de contradições, há que assumir o inconformismo e a incomodidade de um pensamento crítico. Cabe-nos combater as ideias feitas que, pelos média, contaminam os aparelhos ideológico-culturais dominantes, como se fossem a verdade definitiva. Precisamos de um pensamento crítico que nos impeça de confundir a realidade com o que gostaríamos que ela fosse, mas que não aceite aquilo que existe como uma fatalidade.
Neste sentido, a candidatura de Manuel Alegre assume a importância desse pensamento crítico, da força da consciência, do valor da opinião. Ela assume o direito de pensar, de criticar, de agir e combater. Ela constitui-se como um movimento de inquietação cívica mobilizador por todo o país. Partindo do pluralismo partidário, salienta o reforço dos movimentos de cidadania participativa. Com serenidade, mas com tenacidade e firmeza, propõe uma nova resistência às derivas da democracia e reinterpreta os caminhos da exigência e da honradez republicana. Assume o romantismo e a seriedade que o exercício da política tem perdido e recupera o valor da consciência e de como ela é soberana nas decisões.
Ouvi alguém que disse que Manuel Alegre apela aos portugueses por um Portugal melhor, feito por todos, debatido por todos, construído por todos e onde todos encontram a sua forma de sorrir.

6. É preciso incomodar. Trazer palavras como bofetadas. Tocar os sinos e transformar os destinos. Depois é madrugada.
Deste litoral poveiro, onde olho o mesmo mar que nos une, com a mesma vontade de navegar o caminho marítimo para o Progresso, afirmo com serenidade e limpidez o meu apoio a Manuel Alegre à Presidência da República.
Com o Homem de Princípios e Valores e com o Poeta, Portugal reencontrar-se-á com a sua Alma... Com ele Portugal escreverá o seu próprio poema de Liberdade…
A Liberdade também está a passar por aqui… Portugal é a nossa causa comum.


(1)
Manuel Alegre, in “Variações sobre O Poema pouco original do medo”, de Alexandre O´Neill

(2)
Manuel Alegre toda a vida combateu ao lado da Liberdade. Resistente anti-fascista, esteve preso pela PIDE e foi exilado político na Argélia durante 10 anos, de onde dirigiu a emissora da resitência “A voz da Liberdade”. Os seus dois primeiros livros, Praça da Canção e O Canto das Armas, foram apreendidos pela censura. Após o 25 de Abril lutou contra a censura de esquerda e a tentativa de sovietização de Portugal.
Foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, Comenda da Ordem de Isabel, a Católica e Medalha de Mérito do Conselho da Europa, de que é Membro Honorário.

04 janeiro 2006

"PELO SONHO É QUE VAMOS"





A Custódio Sá


O dia desistia da luz e entardecia pelo escuro adentro, no momento de chegar a Valência. Com o Mediterrâneo ao fundo, mil quilómetros para o lado oposto do outro mar que conheço melhor e da outra escuridão que se fez na minha cidade. Mil quilómetros, vencidos num instante pelo frio inesperado que começou na Póvoa e fez tremer o fim de tarde.
Fica sempre escuro e frio quando a morte nos rouba um amigo! Murcha a rosa-dos-ventos, os ponteiros agitam-se e enlouquecem, o norte fica sem norte, demora a sentar-se de novo.
Recusamos acreditar, porque dói acreditar.
A morte é uma curva na estrada, morrer é apenas deixar de ser visto, dizemos para que não doa tanto. E dizemo-lo porque, de qualquer modo, a foice lunar e fria não arranca tudo da vida. Ao seu golpe mesquinho resiste a memória e o sentimento, o mesmo é dizer, o lado essencial.
A última vez que vi o Custódio foi na tarde da véspera de Natal. No íntimo fica-me dele a energia do Amigo, capaz de proximidade e de presença na praça da solidariedade. Fica-me o olhar do sonhador. E fica-me um dos lumes que estimulou e ajudou a consolidar a minha vontade de cidadania.
O Custódio amava a utopia como método, tinha a frieza da lucidez, tentava a arte do convencimento e fazia-o com as cores da paixão que colocava nas causas que o animavam.
Dos livros que me ofereceu, tomo o que simbolicamente melhor me serve para a memória que escolho guardar. Na primeira folha em branco depois da capa, dedicou-mo em Setembro de 1993, com um abraço, fazendo-me “companheiro de sonhos nesta cidade que gostaríamos à medida das nossas gentes.”
Hoje é a minha vez de partilhar o poema essencial que, desse livrinho de Sebastião da Gama, confirmará a nossa cumplicidade no gosto pela cidade e pela utopia.

Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo Sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

- Partimos. Vamos. Somos.


O Sonho, in Pelo Sonho é que Vamos, Sebastião da Gama

foto de Jorge Casais