Há em
Portugal uns quantos que fazem discursos muito patrióticos, que descobriram que
está na aplicação aos outros de todos sacrifícios – precisamente por ser aos
outros e não a eles próprios -, que por isso fazem discursos redondos com
propostas que exigem bacocos fins de feriados, aumentos de horários de
trabalho, flexibilizações mais flexíveis que as minhocas, a redução dos
salários dessa cambada de trabalhadores que vive acima das suas possibilidades,
a quem a miopia interesseira culpa sempre exclusivamente pela baixa
produtividade nacional…
Uns
quantos que aplaudem a generalização do perigoso “princípio” do utilizador-pagador
(como se os cidadãos não fossem primeiro pagadores e depois eventuais
utilizadores dos serviços e dos bens públicos)… Uns quantos que acham
inevitável cumprir os compromissos com os credores – diga-se, com os agiotas do sistema financeiro, que estão a depauperar as
pessoas e os povos e a levá-los a uma perigosa escravidão como nunca
experimentada -, mas que se esquecem hipocritamente do compromisso primeiro
e fundamental de assegurar o bem estar e a felicidade aos próprios cidadãos…
Uns
quantos que acham que essa coisa do Estado Social é mania de uma esquerda
ultrapassada, e contrapõem como ideia de modernidade a velha e
anticivilizacional lei do mais forte, umas vezes de forma sibilina e outras
vezes desavergonhadamente e às escancaras...
Enquanto
contribuem para a desgraça coletiva, por ação ou por omissão, esses são os que lavam
e levam o dinheiro – muitas vezes de origens ilícitas – para paraísos fiscais,
fugindo ao elementar contributo de cidadania que consiste em pagar os impostos,
indiferentes ao agravamento que com isso tornam mais pesada a carga de todos os que já magoaram de outros modos e à
custa de quem usam os bens comuns para os quais nada ou quase nada contribuem…
Não obstante, dou comigo a constatar que o Governo está ufano!
Com mais
sucesso que o anterior, inventou uma AMNISTIA FISCAL para “safar” os
incumpridores de sempre! Perdoou-lhes a ilegal e eticamente inaceitável fuga
aos impostos, desde que trouxessem de novo para Portugal o dinheiro que nunca
deveriam ter levado à socapa para paraísos fiscais, com a cumplicidade interesseira
da banda especuladora, protagonista desta economia de casino que nos rouba a
vida!
Se um
cidadão ou uma empresa, que cumpre o seu compromisso fiscal para com a
comunidade, se atrasa no pagamento de um imposto “cai o carmo e a trindade”. Movem-se
ameaças e ações com velocidade voraz. Obriga-se o atrasado a pagar
multas e juros de mora, com direito a período de quarentena na lista negra dos
devedores que o Estado torna pública.
Pelo
contrário, estes senhores,
muitos dos quais estão na génese da divida de Portugal – ainda por explicar e
conhecer completamente –, são cuidadosamente mantidos sob anonimato e merecem tratamento de exceção. A exceção deveria
traduzir-se numa pena mais dura por ser maior o seu crime. Mas, num tempo ímpar
de subserviência da Republica à ganância e ao poder dos ricos, a exceção é para
lhes darem palmadinhas nas costas e para serem parcial e vantajosamente perdoados.
E assim, num caldo obsceno, enquanto um vulgar cidadão pode pagar 30, 40 ou mesmo 45% de IRS, ou 25%
de impostos de capitais se mantiver uma simples conta bancária em território nacional,
estes senhores, mais iguais que os outros, tiveram a sorte governamental de
pagar apenas a taxa de 7,5% !!!
Pelas
minhas contas, se a máquina fiscal arrecadou 258 milhões de euros, à taxa de
7,5%, o montante desviado que se “regularizou” andaria pelos 3.440.000.000
euros, ou seja uma muito significativa fatia do empréstimo da Troika ao estado
português!
O
Governo está ufano por ter recuperado 258 milhões, apesar de ter sido roubado
ao país pelo menos 602 milhões (se considerada apenas a aplicação do imposto de
capitais)! Mais ufanos duplamente devem estar estes beneficiários de um sistema
sem moral. Ficaram com a maior parte do pilim e confirmaram a sua mais profunda
convicção de que o crime compensa e de que “quem
tem os amigos certos não morre na prisão”!
Só quem pensa que o dinheiro está acima
da Justiça, pode achar que isto é motivo de regozijo!
Num
tempo em que tudo nos é exigido, em que à maioria é imposto ter que pagar e pagar,
em que um número nunca visto de pessoas passa os horrores do desemprego e do
desespero, alguns - os do costume – são amnistiados por um Governo hipócrita e
sem valores éticos, que não tem desculpa por não ter sido o único; a falta de
vergonha não tem cor partidária.
Apesar
de tudo, há quem diga que estamos a ser bem governados! Dizem-no os da preguiça
mental, comodamente entorpecidos pelo pensamento dominante, e, claro, os que se
vão governando bem aproveitando este sistema imoral!