30 setembro 2006

LUZ PARA LÁ DO MARÃO


Vila Real. Cidade de um interior que se redescobre e nos aponta caminhos de modernidade, estilhaçando o preconceito que atribui o progresso ao litoral e o atraso às terras para lá do Marão.

Durante dois dias calcorreou-se o tema “Transportes Colectivos Urbanos em Cidades de Média Dimensão”.
A iniciativa foi do Departamento de Engenharias da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, através do Grupo de Estudos Territoriais.
Um caldo de experiências juntou representantes de entidades públicas e privadas e alguns dos mais prestigiados especialistas portugueses nos domínios das politicas de transportes urbanos, os modelos de exploração e as práticas de planeamento e gestão deste importante serviço público em cidades de média dimensão.

Além da experiência de Vila Real, na Aula Magna da UTAD conheci o essencial das soluções adoptadas em Aveiro, Bragança, Évora, Coimbra e Braga.
Em todos elas, uma consciência comum: o progressivo aumento do uso do veículo privado em detrimento da utilização do transporte público e o incremento dos níveis de poluição, de ruído e de congestionamento que lhe está associado são, cada vez mais, insustentáveis e incompatíveis com a qualidade de vida urbana, transformando a cidade num espaço hostil para os cidadãos.
Em todas elas, também um objectivo comum na ordem do dia: o desenvolvimento de estratégias que invertam esta tendência e que conduzam à implementação de sistemas sustentáveis de transporte urbano, prioridade no contexto das políticas de transporte e do ambiente da União Europeia. Em síntese, trata-se de dotar as cidades de sistemas de mobilidade amigos das pessoas e do ambiente.

Foi gratificante confirmar em Vila Real as teses que há muito venho defendendo para a minha própria cidade: a importância decisiva do modelo de urbanização e dos processos de planeamento, que não serão eficazes sem integrar um plano de mobilidade intermodal sustentável no desenho da cidade que articule as políticas de transporte público com o uso dos automóveis particulares e o estacionamento.

De novo ficou claro que, iniciativas como a da próxima e teimosa construção do grande parque subterrâneo central da Av. Mouzinho de Albuquerque, são contraditórias com as mais modernas políticas de mobilidade sustentável. Quando por todo o lado se incentiva o uso do transporte colectivo e se constroem constrangimentos ao uso excessivo do automóvel privado, na Póvoa gastam-se milhões num equipamento que induzirá a vinda de mais veículos para o já cansado e esmagado centro urbano!

Vila Real, para lá do Marão, na recta final do último Setembro das árvores da Avenida. Oportunidade para conhecer, para reflectir, para aprender.
Esteve lá algum Vereador da Maioria?
Infelizmente, não!

23 setembro 2006

UMA VERDADE INCONVENIENTE



Lisboa. Uma tarde de Domingo e Uma Verdade Inconveniente. O documentário sobre as alterações climáticas, protagonizado por Al Gore, antigo vice-presidente de Clinton e "ex-futuro presidente dos EUA", é um acontecimento que transmite uma incontornável sensação de urgência.
Pendendo para a palestra universitária, com a exibição de gráficos, números e percentagens, e evitando a especulação, talvez o documentário não encontre grande receptividade entre aqueles que vão ao cinema à procura de entretenimento superficial. Mas, o alheamento adormecido, em que esgotamos os dias da vida, tornam pertinente a metáfora, a páginas tantas utilizada, para nos enquadrar nos efeitos “invisíveis” do aquecimento global: se lançarmos uma rã para um vaso de água quente, imediatamente a rã dá um salto e foge. Mas, se colocarmos a rã num vaso de água fria e o levarmos ao lume, o bicho não se mexe, deixando-se estar tranquilamente conforme a temperatura vai subindo até atingir o ponto fatal.

Por vezes só despertamos para aquilo que nos mantém vivos quando essa coisa, ou pessoa, já não existe. O equilíbrio ecológico tem o mesmo poder. A erosão climatérica não é um fenómeno restrito a uma determinada região. Não vai apenas afectar quem não tem dinheiro. É algo que vai alterar para sempre, e para muito pior, a qualidade de vida de todas as pessoas e de todos os países. “Já estamos quase a passar para lá da fase em que é possível remediar a situação. Dentro em breve entraremos na fase das consequências”, avisa Al Gore.

Não é mais possível esconder a tragédia das alterações globais no clima da Terra, as maiores desde a Idade do Gelo - e a mais rápida das mudanças.
Demonstrando o claro consenso científico sobre o que ocasiona a actual mudança climática de consequências imprevisíveis, Al Gore conta-nos a nossa própria história, porque o planeta aquece por nossa causa. Somos todos nós os maus da fita e é insustentável continuar o nosso modo de vida, perdido num modelo de desenvolvimento predador. O dióxido de carbono e outros gases acumulados em grande parte pelo nosso consumo de combustíveis fósseis impedem as radiações solares de regressarem ao espaço. Em vez disso, ficam na atmosfera terrestre e aquecem terras e mares. O degelo dos pólos e dos glaciares de montanha, o aumento do nível dos mares, as secas, mas também as tempestades e os dilúvios locais podem bem ser parte de uma desregulação em curso.
A viagem de Al Gore começa na simples e objectiva constatação do aquecimento global: os oceanos gelados do Árctico e Antárctico desfazendo-se gradualmente, águas nascidas nos montes brancos dos Himalaias que deixarão de fluir, glaciares recuados até à inexistência, neves desaparecidas no cume do monte de Kilimanjaro, lagos que evaporaram e são agora parte do deserto circundante…
Depois, ao mostrar com uma seriedade implacável a subida vertiginosa das temperaturas em todo o globo, desenha o cenário criado por um clima artificialmente aquecido: oceanos mais quentes dando origem a secas prolongadas, cheias catastróficas na Europa, ondas de calor que dizimam milhares de pessoas, furacões mortíferos como o que aconteceu em Nova Orleães e, não tarda nada, a inundação de amplas zonas do planeta onde vivem multidões, como é o Sul da Florida, a Holanda, Xangai, a ilha de Manhattan e os deltas do Bangladesh.
Cidades costeiras, envolvidas pelo oceano como a Póvoa, a nossa casa comum à beira mar erguida.

Particularmente severo com o seu próprio país, os Estados Unidos da América que, juntamente com a Austrália, sãos os únicos países que não ratificaram o Tratado de Quioto, Al Gore anuncia, no entanto, que dezenas de cidades estão a romper a lógica egoísta do governo norte-americano e a criar a sua própria agenda de medidas de redução das emissões de CO2, demonstrando, no seio do Império, que é possível compatibilizar a defesa do Ambiente com o desenvolvimento económico.

Ao longo da sua vida política, Al Gore tem feito uma cruzada em defesa do Ambiente e da denúncia do problema do aquecimento global. Desde que “perdeu” a eleição para Presidente dos Estados Unidos, tem-se empenhado numa série de conferências por todo o mundo em que expõe exaustivamente as causas do fenómeno e os seus efeitos…
Com sarcasmo e na medida da sua própria irresponsabilidade, Bush apelida Al Gore de “Ozone Man”.
Mas, provavelmente, o mundo seria hoje bem diferente e para melhor se o presidente dos Estados Unidos não tivesse sido Bush, designado na sequência de um embuste eleitoral percebido por todos nós!

Neste lume brando da alienação, de que é que estamos à espera para mudar os nossos paradigmas?
O apelo à mudança e à necessidade de agir respeita a todos, aos cidadãos, às empresas, aos municípios e aos governos.

Aqui na Póvoa, para quando a nossa própria Agenda 21?

20 setembro 2006

BINÓCULOS PARA O PRESIDENTE

Praia da Lagoa, 14 de Setembro de 2006
A câmara – fotográfica - olhou o mar da Lagoa e gravou na sua sensibilidade o estado da coisa.
Na reunião da outra Câmara a imagem foi mostrada pelo Vereador da Oposição com o único e legítimo intuito de manter viva a preocupação com a coisa pública e o seu estado. Na imagem fotográfica as ondas traziam até à areia um cardume de iniludíveis impurezas.
Bactérias? Haverá impurezas fecais sem bactérias? Pelos vistos ainda há quem duvide.
Um Vereador de cultura certamente não bacteriana explodiu numa estranha excitação: “Dê-me cá a fotografia para a Delegação de Saúde a analisar!”

Se fosse feita a observação da imagem da câmara – fotográfica – é mais que certo que a Delegação de Saúde alegaria impossibilidade de submeter a folha A4 aos reagentes. Mas, na contraprova, talvez uma qualquer isentíssima empresa privada viesse confirmar o zero bacteriano.

Enquanto a imundície dos esgotos continua sem freio a escorrer para o oceano, arrastando coloides fecais e outras coisas que tais, no Jornal de Notícias do dia seguinte, lia-se a páginas tantas: “ O PS acusou a maioria de não querer ver o que é evidente, Macedo Vieira argumenta que as fotos nada provam e, já irritado, ironizou mesmo "O PS deve ter visto os micróbios através de binóculos".

Retomando-o da pública reunião, recomendo de novo Mark Twain a Macedo Vieira:
Nunca é aquilo que não sabemos que nos causa problemas; é a nossa teimosia em ter certezas.”

14 setembro 2006

SURREALISMO IDIOTA

Será Isto o Príncipe Idiota de Dostoievski?
Isto e Aquilo

Aquilo disse: Isto é uma interpretação idiota!
Isto irou-se! Deu uma cambalhota sobre si próprio, girou três vezes e uivou três vezes três. Descobrir assim a sua mundana condição, a competência para uma interpretação idiota, nunca lhe passou pela bolota!
Num incêndio de raiva, capaz de desafiar as forças da Natureza, Isto fez subir o caso à casa dos Sábios.
Isto apertou as malhas da represália rasteira contra Aquilo.
Aquilo, estupefacto pelo tempo dedicado pelos Sábios ao enredo de uma mera interpretação idiota, enquanto apitos continuam dourados e hábeis meninos de oiro permanecem à solta, aguarda – não obstante, tranquilo -, que a idiotice não se multiplique como maleita transmissível por contágio, mesmo que seja no mero plano das ideias!
Mas, por prudente prudência, talvez seja melhor que mais ninguém ouse sequer pôr a hipótese de Isto ser uma interpretação idiota!

NOTA. Este é um exercício de escrita surrealista. Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.


12 setembro 2006

CULPA



Talvez Bin Laden exista e talvez tenha dito em 2001:
Fizemos um cálculo aproximado das vítimas e, de todos, eu era o mais optimista”.
No dia 11 de Setembro quatro aviões desviados e pilotados por terroristas suicidas provocaram 2.700 mortos nos Estados Unidos.
Filmes alusivos, reportagens, debates, intervenções de todo o tipo lembram o quinto aniversário da sórdida acção.

Choramos as vítimas enquanto procuramos compreender factos e entrelinhas num emaranhado de contradições e pontos em cruz por explicar… (cf. Loose Change I e Loose Change II)

O Presidente Truman existiu e disse em 1945:
Se eles não aceitarem as nossas condições podem esperar uma chuva de ruínas como nunca foi visto na terra”.
No dia 6 de Agosto de 1945,
uma bomba atómica chamada “Little Boy” foi lançada sobre a cidade japonesa de Hiroshima.
Estimativa: 140.000 mortos.
Três dias depois, uma bomba atómica grotescamente chamada “Fat Man” foi lançada sobre Nagasáqui. Estimativa: 39.000 vítimas imediatas e mais 75.000 das radiações.
Até hoje, não se sabe ao certo quantos mortos, mortos vivos, estropiados, cancerosos, queimados, geneticamente mudados, as bombas provocaram.
Talvez 300.000 vítimas, a maioria civis.
O aniversário passou este Agosto, sem um arrepio.
Já todos se esqueceram do maior genocídio da história da humanidade disfarçado de acto de guerra, com nomes cómicos nas bombas.

Não é possível aceitar sem questionar.
Independentemente da verdade definitiva, o 11 de Setembro é um dos quadros de terror que representa para nós, no século XXI, a garra da barbárie.
Mas, como esquecer a ruína caída do céu anunciada por Truman nos exactos termos em que um Bin Laden (que antes fora treinado pelos americanos para combater os soviéticos no Afganistão…) anunciou a catástrofe que se abaterá sobre a cabeça da América, se não aceitar as “condições dele”?

Não pretendo fazer comparações. Nenhum assassínio se justifica, nem o terror é tolerável. Simplesmente contamos melhor os nossos mortos do que os mortos dos outros!

Por isso, também é preciso chorar os mortos no Iraque, na Palestina e em todos os lugares onde a hipocrisia anda à rédea solta!

Quando agora se fala do Irão, é bom não esquecer que foram os Estados Unidos da América o único país, até hoje, a utilizar a bomba atómica em tempo de guerra! O facto de ser uma Democracia, não impediu o governo americano de provocar um genocídio!
A questão não é se o Irão deve ou não ter a bomba atómica. A questão é que ninguém a deve possuir.
O desarmamento é preciso! Em nome da Humanidade e do Bem Comum!
Danem-se os interesses da milionária indústria da guerra e do controlo agiota dos recursos petrolíferos!
A propósito, quem matou Jonh F.Kennedy?

10 setembro 2006

FIXAÇÃO INSUSTENTÁVEL




O secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, João Ferrão, divulgou a preocupação do Governo em melhorar a qualidade dos transportes nas cidades, estando a estudar formas de incorporar planos de mobilidade nas grandes intervenções urbanas.
«Os programas de mobilidade devem estar associados à forma como é planeada a cidade», disse João Ferrão, e eu concordo.
Há anos que reivindico um Plano de Mobilidade Sustentável para a Póvoa de Varzim e obviamente que ele deveria ter sido elaborado em simultâneo com o Plano de Urbanização, influenciando decididamente a sua própria concepção.
Ao invés, nada disso acontece: o Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim, que foi feito à porta fechada durante mais de 8 anos, entrou em vigor em Janeiro passado e não define qualquer estratégia de mobilidade urbana, muito menos sustentável.
Aponta-se a localização futura de dois equipamentos que integrarão inevitavelmente um sistema de mobilidade (o Centro Intermodal de Barreiros e o Parque Periférico do Parque da Cidade) e propõe-se o prolongamento do Metro até ao Centro Intermodal.
Mas, perdidos noutras prioridades, não se vislumbra a materialização destas medidas para tão cedo. E, pior que tudo, anda-se para trás: será iniciada em breve a construção de um equipamento que nem sequer está programado no Plano de Urbanização em vigor e é contraditório com qualquer política de mobilidade sustentável: o parque central da Av. Mouzinho de Albuquerque.
Quanto a transportes públicos, não há a mínima intenção da maioria laranja em avançar.

É possível incorporar um Plano de Mobilidade Sustentável no Plano Director Municipal em processo de revisão. Espero que haja bom senso e isso se faça. É que o Governo admite que esta vai ser uma condição determinante a observar para os municípios se candidatarem a programas subsidiados por fundos comunitários.
Triste é ser preciso impor regras deste tipo para se levar a fazer o que as boas práticas de planeamento aconselham mas a teimosia do imediato vai atrasando.
Enquanto a Póvoa continua em estado de alaranjada letargia, cerca de 40 autarquias estão já a elaborar planos de mobilidade no âmbito do Programa de Mobilidade Sustentável, conforme se soube pelo secretário de Estado do Ambiente, Humberto Rosa.

A Semana Europeia da Mobilidade, este ano subordinada ao tema das Alterações Climáticas, que decorre de 16 a 22 de Setembro, conta nesta edição com a adesão de 70 municípios portugueses, mais 13 do que no ano passado.

Na Póvoa, a maioria no poder anda a esconder as rugas com obras de pó de arroz!

06 setembro 2006

ALPINISMO ETÍLICO

Foto de Rui Matos
“As recentes análises às águas, que deram resultado negativo quanto à presença de salmonelas, levaram a maioria PSD a acusar o PS de denegrir a imagem da Póvoa de Varzim junto da opinião pública, com todas as repercussões negativas que isso pode acarretar no futuro.”
in "A Voz da Póvoa"

Eis a afirmação na forma de alpinismo etílico.
Como pretende Arthur Koestler, podemos alargar os conhecimentos, nunca amputá-los.
O que não sabe é um imbecil. O que sabe e se cala é um criminoso. Talvez o PSD da Praça do Almada preferisse que não soubéssemos e que, se soubéssemos, nos calássemos. Mas nós não participaremos desse crime!
O PS não denegriu a imagem da Póvoa de Varzim. O PS apenas criticou a inércia e as prioridades de caranguejo da maioria reinante. O PSD da Praça do Almada escurece-se a si próprio. Não precisa de ajuda. Se manchas escuras conspurcam a imagem da Póvoa, isso deve-se, numa panóplia de habilidades políticas, às extravagâncias “douradas”, ao nepotismo metódico e à incúria dos que foram mil vezes alertados e fizeram ouvidos de mercador, dos que, auttodeslumbrados pelas obras de pó de arroz esbanjaram milhões deixando por fazer o que era estruturante e basilar.

Há um provérbio que diz: “Deve-se confiar alguma coisa ao acaso”.
O mal é quando uma política casuística deixa o essencial para que o tempo resolva.

Ao que gatinhou com Manuel Vaz e depois o negou três vezes: Mil dias não bastam para aprender o bem; mas para aprender o mal, uma hora é demais.

03 setembro 2006

IMPOSSÍVEL IGNORAR

Foto de Paulo Correia



É impossível ignorar a reflexão escrita de Leonel Moura, porque é impossível não reconhecer o preconceito, o desleixo e a hipocrisia que, de um modo ou de outro, nos faz cúmplices tantas vezes da fábrica social de homens lixo, nem que seja por omissão distraída!
Com um nó na garganta, partilho convosco o texto que um amigo me fez chegar.
OS HOMENS LIXO
Em 1996 editei um pequeno livro com o título desta crónica onde procureireflectir sobre a exclusão nas sociedades desenvolvidas.
Aí dizia que a realidade económica do nosso tempo tinha criado uma nova condição humana que estava para além da mera pobreza, assumindo características infra-humanas e de que os chamados sem abrigo são o exemplo mais flagrante.
Chamei-lhes homens lixo, não tanto porque vivem em condições deploráveis, tantas vezes em verdadeiras lixeiras, mas acima de tudo porque, tanto para o cidadão comum quanto para as entidades públicas, são encarados como detrito do sistema que se gostaria de varrer para bem longe. Daí a permanente perseguição policial, a interdição a certos espaços públicos, os internamentos forçados, a prisão. A horda de vagabundos, drogados, doentes e inadaptados que povoam as nossas cidades perturbam as consciências e estragam as vistas. Por isso toda a gente os escorraça, quantas vezes de maneira brutal.
Uma tal insensibilidade comunitária é sintoma da época mas sustenta-se na razão económica. Estes vadios não produzem nem consomem. E não fazendo parte de uma sociedade de produtores/consumidores não têm direitos nem voz. Na verdade estão abaixo dos cães e outros animais domésticos a quem são reservadas vastas áreas nas prateleiras dos supermercados e muitas lojas especializadas nos centros comerciais. Um cão doméstico é um pequeno motor da economia. Para ele produz-se comida enlatada, artigos de higiene, vestuário, adereços e muitos serviços, desde cabeleireiros a veterinários. Os animais domésticos geram milhões e uma indústria sólida.
Pelo contrário, exceptuando as instituições de caridade, cuja natureza é essencialmente não-económica ou, se se preferir, onde a economia reverte para o funcionamento da própria instituição, o sem abrigo não gera nenhuma actividade económica digna de registo. Não se produz comida para vadios, abrigos temporários ou roupa apropriada e dos serviços só se conhece a repressão que é geral na missão das polícias. Daí a condição tão desprezível dos sem abrigo na escala social. Cujo paralelo só encontro na imagem, algo cinematográfica é certo, do leproso medieval.
Vem isto a propósito do chamado «caso Gisberta». O sem abrigo morto por um grupo de jovens com particulares requintes de malvadez. Apesar da gravidade dos factos, jovens, alunos de uma instituição católica, tortura continuada durante dois dias, violação colectiva e por fim despejo do corpo para um buraco imundo, o país não está nada comovido. Ao contrário de outros assuntos que tantas vezes excitam os portugueses até os levar ao rubro, e não falo só de futebol, mas porexemplo o desaparecimento da Joana no Algarve ou um incêndio florestal mais intenso, este caso não tem suscitado grande interesse. A notícia já anda pelo rodapé e a tendência para a desculpabilização faz doutrina. A começar pelo Ministério Público que considera que não houve intenção de matar e desvaloriza o assunto. Pede alguns meses de castigo em regime aberto, ou seja, o mesmo que roubar um chocolate na loja da esquina.
Tamanha indiferença social perante um acto tão abominável só se pode explicar pela condição da vítima. Sem abrigo, homossexual e estrangeiro, Gisberta era o pária absoluto, o lixo social, sem nenhum direito, nem dignidade. Por isso os rapazes o trataram como uma mosca a que se habituaram a arrancar as asas e agora a sociedade portuguesa, no seu conjunto, encara o caso como uma maçada, uma nódoa na toalha que é preciso limpar e esquecer depressa. Nem a forte indignaçãointernacional comove as entidades públicas, a classe política e os portugueses em geral.
Sempre pensei, e escrevi, que o Portugal dos bons costumes esconde um vulcão social que pode rebentar a qualquer momento. Apesar da Europa e dos milhões por cá despejados, do ponto de vista humano o país continua a ser habitado por gente muito bárbara, sem educação ou civismo, onde maltratar uma criança é um dever patriota segundo o Supremo Tribunal de Justiça, espancar a mulher é um assunto privado para a polícia, conduzir como um assassino é ser um herói entre osamigos, torturar touros é arte para as televisões, chacinar indefesos animais é um desporto para as elites e cortar árvores um prazer para todos, mas com particular gozo para os autarcas. A cultura do povo humilde continua resumida ao chouriço, ranchos folclóricos e brejeirice do humor televisivo, enquanto os ricos nunca passaram do nível das jantes de liga leve e do pindérico jet7.
Por muito que se diga que o drama de Portugal está na baixa produtividade e no alto défice, a verdade é que o problema de fundo reside no primitivismo civilizacional da nossa sociedade. As décadas vão passando, as gerações vão-se sucedendo e os portugueses continuam genericamente brutos. As excepções só confirma aquilo que é vasto e resiliente. Neste contexto, de facto, que importância tem assassinar um homem lixo, mesmo de forma tão selvagem? Olhem, é menos um a pedir uma moedinha.
Leonel Moura

02 setembro 2006

AGRADECER A PAISAGEM




2 de Setembro de 1957.
No Diário do Governo n.º 204 publica-se o decreto que cria a Reserva Ornitológica de Mindelo, a mais antiga área protegida de Portugal. A Reserva criada por acção do Prof. Santos Júnior que conseguiu juntar o apoio expresso de todos os proprietários, conseguiu resistir até hoje.
49 anos depois, é justo recordar e agradecer sem reservas aos que dedicaram tanto de si para defender este delicioso naco natural da nossa costa.
É tempo para relembrar o Prof. Santos Júnior, mas também para enaltecer a acção do Movimento PROMindelo – Pela Reserva Ornitológica de Mindelo, e dos Amigos de Mindelo.
Segundo esta organização cívica, que vem desenvolvendo um excelente e pioneiro projecto de cidadania participativa - experimentando a Agenda 21 ao nível de uma freguesia -, em Julho deste ano a Universidade do Porto entregou à Câmara Municipal de Vila do Conde o Plano Estratégico com vista ao Ordenamento e Gestão da Reserva Ornitológica de Mindelo.
O passo seguinte cabe ao Municio vilacondense, que usará o Plano como base do pedido de classificação de Área de Paisagem Protegida junto do Instituto de Conservação da Natureza. Uma vez confirmado, a Reserva Ornitológica de Mindelo passará a dispor de um novo estatuto que permitir à última área não construída no litoral do Grande Porto transformar-se novamente num refúgio natural, espaço de actividades científicas e de conservação da Natureza, de educação ambiental e ecoturismo, contribuindo para a qualidade de vida das populações.
No primeiro dia do ano que culminará com o cinquentenário da Reserva Ornitológica de Mindelo, saúdo as gentes de Vila do Conde, grato pela paisagem como bem comum..