O QUE NOS TIRAM FAZ DOER A QUEM SENTE!
NATURALIZAR O ESPAÇO URBANO
J.J.Silva Garcia
(artigo de opinião publicado no jornal O Comércio da Póvoa, em 2010.03.11)
São múltiplas as faces da cidade!
Matinal ou nocturna, para a conhecer é indispensável descobrir todos os seus disfarces.
Quem dela se abeira em busca do rosto único e imutável, busca a simplicidade, que é engano, a evidência no que é íntimo, misterioso, oculto.
Diversa e contraditória aos olhos que a percorram com amor, nisso reside a sua maior grandeza e sua força.
Exterior à cidade, não a possuirás nunca!
É preciso esquecer, é preciso aceitá-la,
como um menino aceita o seio de sua mãe.
É preciso que lhes dês um amor novo — um amor feito de conhecimento e de dádiva.
É preciso que as tuas veias sejam as veias da cidade — e o sangue rubro, vivo, corra cantando nos teus músculos mortais e aflore de sonho as pedras da cidade.
É preciso, afinal, que faças parte da cidade.
Daniel Filipe
1.
Num modelo de desenvolvimento sustentável é indispensável uma aposta empenhada na naturalização do espaço urbano, como condição do equilíbrio paisagístico e ambiental, necessário à qualidade de vida dos habitantes da cidade.
Al Gore, no filme “An Inconvenient Truth”, refere que uma árvore consome, em média, ao longo da sua vida, uma tonelada de CO². Ora, uma vantagem imediata tem a ver a com a importância do desenvolvimento do verde urbano, designadamente da plantação de árvores como factor de redução do CO².
As árvores urbanas são aliados excelentes da sustentabilidade. A London Tree Officers Association (www.ltoa.org.uk) refere que “os níveis de stress e de doença são, frequentemente, mais baixos na presença de árvores”, que, ainda no plano da saúde e do bem-estar, reduzem o risco de cancro na pele através do sombreamento. Além disso, “contribuem para níveis reduzidos de ruído e de poeiras” e “à medida que as árvores se desenvolvem e envelhecem elas proporcionam carácter e sentido de lugar e de permanência, enquanto libertam cheiros e aromas que provocam uma resposta emocional positiva”.
No que se refere à influência no clima local: “para além de absorverem dióxido de carbono (o principal gás gerador do efeito de estufa), e de produzirem oxigénio, filtram, absorvem e reduzem os gases poluidores, incluindo o ozono, dióxido de enxofre, monóxido de carbono e dióxido de nitrogénio”, “suavizam, localmente, picos extremos de temperaturas, refrescando no Verão e aquecendo no Inverno” e “árvores com copas grandes e de grandes folhas acolhem a chuva, amortecendo a progressão da água entre o céu e o solo, ajudando a reduzir o risco de enxurradas”.
No plano social e ambiental, “pontos focais comunitários que incluam árvores proporcionam amenidade, valia estética e continuidade histórica”. “Proporcionam (…) um apreciável acréscimo de amenidades às famílias e às comunidades”, “marcam a mudança das estações do ano com alterações nas folhas e mudanças na floração” e “oferecem habitats para um amplo leque de espécies de vida bravia ao longo de todo o ano”. Em cidades despidas de árvores esvai-se o sentido do ciclo das estações do ano e da biodiversidade. Com isso se perde a utilidade que alia aspectos intrínsecos de manutenção das espécies, com aspectos igualmente importantes de espectáculo biológico oferecido aos urbanitas.
Há, ainda, vantagens económicas. Na opinião da LTOA, “a presença de árvores pode fazer aumentar o valor de propriedades residenciais e comerciais entre 5% e 18%, enquanto o valor do terreno não infraestruturado que integre árvores adultas pode aumentar até cerca de 27%”. Por outro lado, “quando as árvores são plantadas estrategicamente, podem reduzir emissões de combustível fóssil, através da redução dos consumos de combustível para aquecimento e arrefecimento dos edifícios”. Além disso, “as árvores proporcionam a criação de emprego nos mais variados ramos de actividade (p.e.jardinagem)” e “uma fonte sustentada de “composto”, feito de folhas, assim como biocombustível produzido de aparas de madeira”.
Mas, tão ou mais significativo que as vantagens referidas, o verde urbano tem uma importância tão vital quanto impossível quantificar: como diz o poeta cabo-verdiano Daniel Filipe, referindo-se à dimensão afectiva, o jardim “é um pequeno mundo a três dimensões sentimentais” (in Discurso sobre a cidade, Lisboa, Editorial Presença).
2.
Naturalizar a cidade é preciso!
Mas, foi exactamente o contrário que se fez na Avenida Mouzinho, por capricho dos decisores, apesar de haver e de se conhecerem alternativas!
Fez-se mal, não apenas pela impermeabilização absoluta de mais de 15.000 m², mas, também, pelo abate de mais de cem árvores de grande porte, que protegiam do excesso de sol no verão, retinham poeiras e CO², oxigenavam o ar e impediam o avanço do vento sobre o canal da avenida.
E fez-se mal, pela confrangedora e árida imagem urbana criada! Inventaram-se caricaturas com as esquálidas arbustivas encostadas aos volumes de vidro que cobrem o acesso ao subterrâneo, reduzidas a uma pindérica existência em que, por não lhe respeitarem o espaço vital, são alvo de uma violência que apenas as autoriza a ter folhas para lá dos 4m de altura (!!!). E os falsos relvados não são suficientes para contrariar a imagem árida e os frontispícios medíocres dos edifícios agora desnudados que nos oferecem um efeito cénico de mediocridade estética. São insuficientes, custam muito dinheiro a manter e são contraditórios com o alegado objectivo dos decisores de dinamizar a avenida como zona comercial. Explico: na rua da Junqueira - espaço comercial por excelência – as pessoas circulam livremente, sem qualquer constrangimento, podendo escolher os percursos de forma espontânea e aleatória, como é normal num espaço deste tipo. Na Mouzinho, para não referir a inevitável presença dos automóveis na lógica viária da cidade (a menos circulassem apenas pelo subterrâneo), os falsos relvados impedem a espontaneidade e obrigam a travessias em pontos fixos, agravando a dificuldade de relação com os estabelecimentos de um e do ouro lado da rua! O mesmo é dizer que tal objectivo nunca passou de ruído para dar explicações apressadas para o injustificável.
3.
A falta da Natureza no espaço urbano não se resolve com parques verdes nas periferias. Estes, onde se vai esporadicamente, se se dispuser de transporte particular (uma vez que nem sempre são cobertos por serviços de transportes públicos), têm o seu papel a desempenhar, mas não são espaços do quotidiano, ao contrário da cidade onde vivemos todos os dias.
Mais que demonstrado o grande interesse da arborização urbana, continuo sem entender porque se fez ao contrário onde a Natureza já convivia connosco, com espécies arbóreas muito duradouras, pouco exigentes em manutenção e que suportavam bem a poluição urbana.
Em pleno século XXI, estão a ver o que perdemos?
Ainda assim, será possível atenuar o prejuízo? Julgo que sim.
Havemos de trocar umas ideias sobre o assunto!
J.J.Silva Garcia