13 março 2010

O QUE NOS TIRAM FAZ DOER A QUEM SENTE!

Av. Mouzinho, na actualidade, depois da intervenção histórica do Presidente Macedo Vieira



Avenida Mouzinho em 23 de Setembro de 2006



NATURALIZAR O ESPAÇO URBANO
J.J.Silva Garcia

(artigo de opinião publicado no jornal O Comércio da Póvoa, em 2010.03.11)


São múltiplas as faces da cidade!
Matinal ou nocturna, para a conhecer é indispensável descobrir todos os seus disfarces.
Quem dela se abeira em busca do rosto único e imutável, busca a simplicidade, que é engano, a evidência no que é íntimo, misterioso, oculto.
Diversa e contraditória aos olhos que a percorram com amor, nisso reside a sua maior grandeza e sua força.

Exterior à cidade, não a possuirás nunca!
É preciso esquecer, é preciso aceitá-la,
como um menino aceita o seio de sua mãe.
É preciso que lhes dês um amor novo — um amor feito de conhecimento e de dádiva.
É preciso que as tuas veias sejam as veias da cidade — e o sangue rubro, vivo, corra cantando nos teus músculos mortais e aflore de sonho as pedras da cidade.
É preciso, afinal, que faças parte da cidade.

Daniel Filipe


1.
Num modelo de desenvolvimento sustentável é indispensável uma aposta empenhada na naturalização do espaço urbano, como condição do equilíbrio paisagístico e ambiental, necessário à qualidade de vida dos habitantes da cidade.
Al Gore, no filme “An Inconvenient Truth”, refere que uma árvore consome, em média, ao longo da sua vida, uma tonelada de CO². Ora, uma vantagem imediata tem a ver a com a importância do desenvolvimento do verde urbano, designadamente da plantação de árvores como factor de redução do CO².
As árvores urbanas são aliados excelentes da sustentabilidade. A London Tree Officers Association (www.ltoa.org.uk) refere que “os níveis de stress e de doença são, frequentemente, mais baixos na presença de árvores”, que, ainda no plano da saúde e do bem-estar, reduzem o risco de cancro na pele através do sombreamento. Além disso, “contribuem para níveis reduzidos de ruído e de poeiras” e “à medida que as árvores se desenvolvem e envelhecem elas proporcionam carácter e sentido de lugar e de permanência, enquanto libertam cheiros e aromas que provocam uma resposta emocional positiva”.
No que se refere à influência no clima local: “para além de absorverem dióxido de carbono (o principal gás gerador do efeito de estufa), e de produzirem oxigénio, filtram, absorvem e reduzem os gases poluidores, incluindo o ozono, dióxido de enxofre, monóxido de carbono e dióxido de nitrogénio”, “suavizam, localmente, picos extremos de temperaturas, refrescando no Verão e aquecendo no Inverno” e “árvores com copas grandes e de grandes folhas acolhem a chuva, amortecendo a progressão da água entre o céu e o solo, ajudando a reduzir o risco de enxurradas”.
No plano social e ambiental, “pontos focais comunitários que incluam árvores proporcionam amenidade, valia estética e continuidade histórica”. “Proporcionam (…) um apreciável acréscimo de amenidades às famílias e às comunidades”, “marcam a mudança das estações do ano com alterações nas folhas e mudanças na floração” e “oferecem habitats para um amplo leque de espécies de vida bravia ao longo de todo o ano”. Em cidades despidas de árvores esvai-se o sentido do ciclo das estações do ano e da biodiversidade. Com isso se perde a utilidade que alia aspectos intrínsecos de manutenção das espécies, com aspectos igualmente importantes de espectáculo biológico oferecido aos urbanitas.
Há, ainda, vantagens económicas. Na opinião da LTOA, “a presença de árvores pode fazer aumentar o valor de propriedades residenciais e comerciais entre 5% e 18%, enquanto o valor do terreno não infraestruturado que integre árvores adultas pode aumentar até cerca de 27%”. Por outro lado, “quando as árvores são plantadas estrategicamente, podem reduzir emissões de combustível fóssil, através da redução dos consumos de combustível para aquecimento e arrefecimento dos edifícios”. Além disso, “as árvores proporcionam a criação de emprego nos mais variados ramos de actividade (p.e.jardinagem)” e “uma fonte sustentada de “composto”, feito de folhas, assim como biocombustível produzido de aparas de madeira”.
Mas, tão ou mais significativo que as vantagens referidas, o verde urbano tem uma importância tão vital quanto impossível quantificar: como diz o poeta cabo-verdiano Daniel Filipe, referindo-se à dimensão afectiva, o jardim “é um pequeno mundo a três dimensões sentimentais” (in Discurso sobre a cidade, Lisboa, Editorial Presença).


2.
Naturalizar a cidade é preciso!
Mas, foi exactamente o contrário que se fez na Avenida Mouzinho, por capricho dos decisores, apesar de haver e de se conhecerem alternativas!
Fez-se mal, não apenas pela impermeabilização absoluta de mais de 15.000 m², mas, também, pelo abate de mais de cem árvores de grande porte, que protegiam do excesso de sol no verão, retinham poeiras e CO², oxigenavam o ar e impediam o avanço do vento sobre o canal da avenida.
E fez-se mal, pela confrangedora e árida imagem urbana criada! Inventaram-se caricaturas com as esquálidas arbustivas encostadas aos volumes de vidro que cobrem o acesso ao subterrâneo, reduzidas a uma pindérica existência em que, por não lhe respeitarem o espaço vital, são alvo de uma violência que apenas as autoriza a ter folhas para lá dos 4m de altura (!!!). E os falsos relvados não são suficientes para contrariar a imagem árida e os frontispícios medíocres dos edifícios agora desnudados que nos oferecem um efeito cénico de mediocridade estética. São insuficientes, custam muito dinheiro a manter e são contraditórios com o alegado objectivo dos decisores de dinamizar a avenida como zona comercial. Explico: na rua da Junqueira - espaço comercial por excelência – as pessoas circulam livremente, sem qualquer constrangimento, podendo escolher os percursos de forma espontânea e aleatória, como é normal num espaço deste tipo. Na Mouzinho, para não referir a inevitável presença dos automóveis na lógica viária da cidade (a menos circulassem apenas pelo subterrâneo), os falsos relvados impedem a espontaneidade e obrigam a travessias em pontos fixos, agravando a dificuldade de relação com os estabelecimentos de um e do ouro lado da rua! O mesmo é dizer que tal objectivo nunca passou de ruído para dar explicações apressadas para o injustificável.

3.
A falta da Natureza no espaço urbano não se resolve com parques verdes nas periferias. Estes, onde se vai esporadicamente, se se dispuser de transporte particular (uma vez que nem sempre são cobertos por serviços de transportes públicos), têm o seu papel a desempenhar, mas não são espaços do quotidiano, ao contrário da cidade onde vivemos todos os dias.
Mais que demonstrado o grande interesse da arborização urbana, continuo sem entender porque se fez ao contrário onde a Natureza já convivia connosco, com espécies arbóreas muito duradouras, pouco exigentes em manutenção e que suportavam bem a poluição urbana.
Em pleno século XXI, estão a ver o que perdemos?
Ainda assim, será possível atenuar o prejuízo? Julgo que sim.
Havemos de trocar umas ideias sobre o assunto!

J.J.Silva Garcia

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Já se sabia que a novidade seria por uns meses e também se sabia que as árvores iam deixar saudades.
Confesso: tinha vergonha de ser autarca depois de ler este texto.

16 março, 2010 10:21  
Blogger Manuel CD Figueiredo said...

O arranjo da Av. Mousinho constitui um exemplar "case study" nas áreas do Urbanismo, Ambiente, Desenvolvimento Económico, Qualidade de Vida e... Política Local. A relevância do caso deve-se ao facto de se tratar duma profunda intervenção numa artéria emblemática da cidade, traçada há muitos anos por quem soube antever o que deveria ser o progresso da cidade. Ela foi, até há pouco tempo, o centro vital da urbe.
Em vez de se proceder ao seu arranjo à superfície (os anos não perdoam), melhorando e ampliando o que muito antes fora bem traçado, preferiu-se deixá-la ao abandono até à oportunidade certa para destruir a Avenida, começando pelo abate de todas as árvores (a degradação do piso e o descuramento das árvores foram consentidas, apressando a destruição).
A construção do parque subterrâneo foi uma decisão (quase) unipessoal, sem o necessário debate público e o desejável concurso de ideias (a "consulta" a todos os comerciantes foi uma farsa).
Nada se ganhou na Mobilidade, bem pelo contrário. Os comerciantes sentem os seus negócios seriamente prejudicados. Perdeu-se a qualidade turística da principal via da cidade, que agora, despida, é um nojo.
A qualidade do Ambiente foi assassinada. E não é só a falta das árvores que está em causa, como é sabido.
Temos que tentar remediar, na medida do possível, o tremendo mal
praticado.Para isso seria necessário que as pessoas discutissem as várias questões relacionadas, mas os poveiros (de agora) estão adormecidos, e a Autarquia agradece.
Ainda sobre árvores. Na Póvoa a sua destruição tem sido sistemática, e basta ver as praças (e espaços) com falta delas, e o "Parque" da Cidade poucas terá. Quem não reconhece como boa a existência abundante de árvores não pode nunca ser um bom gestor da cidade.
Não deixa de ser curioso referir a (boa) notícia (Público, 06.03.2010) dada pela Lipor (cujo presidente é também o presidente da edilidade poveira) de que "o papel e o cartão reciclados pela Lipor em 2009 evitaram o abate de cerca de 39 mil árvores"! Aqui é chamada a atenção para a (indiscutível) importância das árvores. A Lipor e o seu presidente reconhecem que elas são importantes. Ou então, olhando pelo lado da filosofia do negócio: haja cada vez mais reciclagem (que dá lucros) para se poder destruir ainda mais árvores.

17 março, 2010 00:18  
Anonymous Anónimo said...

Alem do que o Sr. disse, temos que acrescentar os passaros que aqui viviam.Na primavera éra frequente vermos estas aves (passaros e pombas) ensinarem os seus filhos a voar, darem de comer aos filhotes que ainda não saiam do ninho. E á Noite eramos surpreendidos pelo chilrear destas aves - éra sinal de que a coruja andava por perto. Várias vezes a vi!!!
Como os passaros, as pessoas fizeram o mesmo - FORAM-SE EMBORA!
É muito dificil parar um carro nesta bela obra quer seja para deixar a familia, as compras ou um carrinho de bébé.
Tambem é muito dificil parar o carro nesta "béla avenida" para ir comprar um creme para o cabelo, 1 kg de cebolas ou 1 vela da "hello Kitty" - Assim, também os comerciantes vão embora.
Penso que esta desertificação que segue as grandes obras deste executivo é uma consequência das mesmas e dou aqui 3 exemplos:
1º Obra da Praça do Almada nascente
2ª Obra da av.Mouzinho Albuquerque
3ª Obra da Praça do Almada poente
3 Grandes obras 3 grandes desertificações. Em todas elas foram criados entraves ao estacionamento e á circulação.
Não me acredito que isto seja intêncional mas penso que o nosso executivo deve pensar nisto e rectificar o que está mal.
É NECESSÁRIA UMA VISÃO UTILITÁRIA, PRÁTICA E SUTENTAVEL PARA AS GRANDES OBRAS, e acabar de vez com a visão romantica que em nada tem favorecido a maioria dos utentes e residentes e visitantes.
um morador da Av. Mouzinho
José Tinoco

20 março, 2010 17:24  
Blogger José Leite said...

As árvores ... morrem de pé!

24 março, 2010 12:32  

Enviar um comentário

<< Home