25 abril 2007

ÁRVORES COM HOMENS

Primeiro as árvores cobriram-se de folhas
depois de pássaros e depois de homens.
Jorge Sousa Braga, Porto de Abrigo, 2005.

Descíamos para o Sul, enquanto acompanhávamos pela Antena Um os discursos na Assembleia da República.
Cavaco Silva esteve invariavelmente cinzento e foi descrito pela jornalista com lapela sem cravo vermelho.
Helena Pinto foi pertinente, objectiva e indispensável num discurso sobre o que é preciso na vida dos portugueses.
Num outro registo, Paulo Rangel denunciou a alegada tentativa de concentração do poder policial na figura do Primeiro-Ministro, levado a ser uma espécie de Intendente. A ser verdade, o facto exige meditação e acção.
Maria de Belém, numa substantiva e culta intervenção, fazendo a apologia da visão kantiana de um mundo esférico onde somos todos próximos e vizinhos uns dos outros, desafiou-nos para um futuro humanista, de respeito pelas pessoas e pela Natureza. Intencionalmente ou não, as suas palavras estiveram cheias de mensagens que se podem enfiar como carapuças pertinentes na cabeça de um Governo que, reclamando-se de esquerda, tem tido por vezes uma prática minimalista do Socialismo democrático, deixando-nos muitas perplexidades!

Trinta e três anos depois, também estivemos na Avenida, envolvidos por milhares de pessoas e de cravos vermelhos que entoavam a mesma palavra de ordem, saudando o 25 de Abril!
No Rossio, as canções emergiam de vozes com brilho no olhar. Juntámo-nos às palavras intemporais de Gedeão, partilhando a sonoridade de Freire com os cantores de serviço que, no palco improvisado junto à estátua, insistiam que o “sonho comanda a vida”!

Mais adiante entrámos na marcha do
Movimento Não apaguem a Memória que se desfilou até à António Maria Cardoso. A rua onde as únicas vítimas mortais da revolução dos cravos tombaram pelas balas cobardes de dois operacionais da Pide comandados pelo inspector Óscar Cardoso. A rua onde a tenebrosa casa da mão assassina de Salazar está agora a ser adaptada a um condomínio de luxo.
Este movimento de cidadãs e cidadãos livres, auto-organizado e auto-dirigido, plural e aberto, pretende contribuir para a salvaguarda e divulgação da memória da resistência à Ditadura e ao Fascismo. Entre outras iniciativas, o movimento está a lutar pela criação de um espaço museológico na antiga sede da polícia política, onde não se apague a memória do sofrimento, da resistência e da luta dos que, durante a Ditadura, aí foram torturados e assassinados, pelo único motivo de acreditarem que “sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança”, pelo único motivo de percorrer o sonho de um Portugal democrático, solidário e desenvolvido,

Num tempo em que, ao saudosismo de uns quantos, tem correspondido uma intolerável acção de branqueamento das atrocidades da Ditadura que teve o rosto de Salazar, é cada vez mais pertinente não apagar a memória.
A grandeza dos valores democráticos está em não propor a vingança, em tratar com humanidade quem tratou os antifascistas com agressão, tortura e morte. Mesmo assim, continua a ser uma perplexidade para mim a atribuição ao Inspector Óscar Cardoso, em 1992, de uma pensão vitalícia por “serviços relevantes prestados à Pátria”.

Em 25 de Abril de 1974, o regime fascista caiu sem que ninguém, com excepção de meia dúzia de pides ressabiados, o viesse defender. Onde estavam os saudosistas que agora se erguem? Onde guardaram as suas convicções? Porque se esconderam e porque surgem agora tentando negar o que a História não conseguirá jamais esconder? Mas, que tempo é este, no limiar do século XXI, num Portugal incomparavelmente diferente do país cinzento da ditadura, e que, apesar disso, propícia o saudosismo e a apologia do Ditador que atrasou o nosso destino, corrompeu e contaminou a alma de muitos de nós que, ainda hoje, têm comportamentos e posturas com laivos contra a Liberdade e contra o Homem?


23 abril 2007

ARROGÂNCIA PAROQUIAL

O escritor israelita Amos Oz avisa que o fanatismo brota ao adoptar-se uma atitude de superioridade moral que impede a obtenção de consensos.
Cansados de reagir às repetidas investidas de arrogância da Maioria, decidimos centrar a nossa atenção na elaboração de soluções concretas para o que consideramos serem questões locais prioritárias, no âmbito das competências autárquicas. O Projecto Bolina, que propõe um novo paradigma de mobilidade sustentável para a conurbação constituída pelos núcleos urbanos da Povoa de Varzim e de Vila do Conde é exemplo dessa postura de uma Oposição que se quer afirmar responsavelmente pela positiva!
Em simultâneo, mantivemos, todavia, a atitude de sempre: “construir consensos sempre que possível; assumir rupturas, sempre que inevitável”. Foi nessa linha que, numa das ultimas reuniões do Executivo, demonstramos uma vez mais elevação democrática quando, justificadamente, aprovámos o Regulamento Municipal de Resíduos Sólidos Urbanos e Higiene Pública, valorizando a iniciativa e a qualidade do trabalho produzido e cumprimentando os seus mais directos responsáveis, o Vereador do Pelouro e os técnicos do Município ligados ao processo. Mas, nessa linha também, votámos contra o Relatório de Gestão e Contas de 2006, justificando devidamente a apreciação política que sustenta o voto. Se, em relação ao primeiro caso a Maioria permaneceu serena, no segundo caso não resistiu a denunciar de forma grosseira, de novo, a sua irreprimível incapacidade de lidar com a diferença de opiniões!

Inopinadamente, recebemos em 12 de Abril de 2007, por correio electrónico, a Declaração de Voto que os Vereadores do PSD entenderam redigir depois da reunião de Câmara do dia 2 de Abril, e de onde sobressai o objectivo único de reagir à Declaração de Voto que, então, foi apresentada pelos Vereadores do Partido Socialista, a propósito da apreciação do Relatório de Gestão e Contas do ano de 2006.
A reacção “a posteriori” da maioria PSD revela uma incorrigível vontade de agredir, que já não surpreende. E confirma que, à falta de explicações credíveis, a insinuação e o insulto continuam a ser o instrumento à mão de quem está longe de ter boa consciência.
Impregnada de tão intenso azedume e falta de lucidez, já não nos incomoda, nem distrai.

Não se pode, todavia, calar a indignação pela falsidade de algumas das afirmações veiculadas por uma escrita que denuncia falta de serenidade e de respeito democrático.
Todos eles sabem o que lhes dissemos, olhos nos olhos. Sabem que a nossa apreciação do Relatório de Gestão e
Contas de 2006 era de natureza política, que não colocámos em questão a sua qualidade técnica e seriedade!
Não obstante, foi possível a este grupo de políticos vir dizer, 10 dias depois, que tivemos “o atrevimento de pôr em causa a competência e a seriedade dos documentos (e, por inerência, de quem os elabora)”.
Um tal comportamento demonstra à saciedade uma ínvia predisposição para distorcer as coisas, que não é consequência de qualquer limitação intelectual, mas um acto consciente e voluntário de fazer política menor.
E, o que é mais grave na Declaração de Voto do PSD é que insinua mas não concretiza nenhum facto. Nem podia, porque a Declaração de Voto do PS é clara e inequívoca ao apontar os pontos fracos da Maioria

Foi-nos dado a apreciar um Relatório. Frases e números que atestam uma realidade inequívoca. Os números são da responsabilidade da maioria PSD. Foi a Maioria que os propôs, foi a Maioria que deles se desviou, por sua própria conta e risco.
Cada um tem as suas referências ideológicas e programáticas, o seu Projecto Político e o seu grau de exigência. É à luz dessa matriz que olhamos o que nos rodeia. Pelo que, a nossa leitura do Relatório, estribada no seu próprio conteúdo, é uma leitura política que cabe no âmbito do confronto sério e sadio das opiniões.

Ao contrário do que faz o prolixo autor material das declarações da Maioria, não consideramos os que pensam de forma diferente extraterrestres, de cérebros atordoados e com desonestidade intelectual… não os consideramos marionetas de qualquer força obscura… não lhes atribuímos “bloqueio mental, próprios de quem não vê, e não vive, senão no mundo virtual da cartilha ou no reino retórico do manual e não sabe, portanto, conviver com a realidade real.”

Em pleno século XXI, quando há tanto a fazer para construir uma Póvoa mais moderna, amiga dos Cidadãos e da Natureza, num paradigma de desenvolvimento sustentável, é motivo de perplexidade constatar que há quem continue a preferir a agressão e a tentativa de menosprezar quem mais não deseja do que contribuir para aqueles objectivos.
É motivo de perplexidade constatar esta incorrigível incapacidade de lidar com opiniões diferentes, expressão de uma mentalidade retrógrada depois do 25 de Abril.

Uma e outra Declarações de Voto ficam em acta para memória futura. Numa coisa estamos de acordo, quem as “ler e apreciar terá, seguramente, os olhos limpos e a mente desempoeirada, para ver, sem fantasia, o corpo autêntico e inteiro da verdade”.

22 abril 2007

A VERDADE FAZ MAL À SAÚDE



A ausência explica-se por uma intensa actividade profissional que, durante este tempo, me tem ocupado quase por inteiro.

Retomo o estado de tentativa, aturdido ainda por uma notícia de há uma semana atrás.
Que país se está a construir com a “nova teoria” sobre a liberdade de imprensa que se adivinha na decisão do Supremo Tribunal de Justiça sobre o caso que opôs o Sporting C.P. ao jornal Público?
O Supremo condenou o jornal a pagar uma indemnização ao Sporting, por ter denunciado uma dívida do clube ao fisco (de 460 mil contos). O facto é que o clube devia mesmo! E o que é inédito, é considerar que a dívida não afecta o crédito do clube, mas sim a sua divulgação!
Como é possível considerar que uma verdade dada como provada, ao ser publicada pode, por isso mesmo ser ofensiva do bom nome de alguém?
Como é possível que três conselheiros possam decidir penalizar alguém por ter dito a verdade sobre as dívidas ao fisco de um clube de futebol, porque essa verdade penalizou o ofendido? Como e possível que três conselheiros escrevam que “é irrelevante que o facto divulgado seja ou não verídico” desde que “seja susceptível de afectar o crédito ou a reputação do visado”? Como bem conclui o Editorial do Expresso de 14 de Abril, a ser assim, é caso para mandar fechar os jornais, rádio e televisão, alem de proibir imediatamente a Internet e, quem sabe, se o telefone, o telemóvel e o SMS. Qualquer comunicação está impedida porque, se a mentira é condenável e a verdade pode igualmente sê-lo, apenas nos resta o silêncio.

A três dias de mais um ano depois do 25 de Abril, a única coisa que não ofende parece ser o silêncio…de novo!
Será que ainda nos é permitida uma piscadela de olhos?