DEBAIXO DO TAPETE
Há um curioso hábito nesta terra: sempre que alguém “lança” um livro, lá aparece um político no poder para “botar faladura”.
O hábito, que mistura convenientemente marketing político com cultura, serve-se dos incautos para a mercearia dos votos. Ora, há quem tenha tão enraizado o método, que não perde pitada, somando presenças nos actos sociais, para ser visto, parecer instruído e culto, e tentar convencer-nos que, se não fosse por si, as espigas, em vez de crescer para cima, cresceriam para baixo, como sugeriu Brecht!
Numa destas tardes de sábado, um desses actores lá estava. Estranhamente agitado mexia-se na cadeira. Preso pelo peso do olhar que lançara quase todas as ancoras ao chão, soltou palavras com risinhos à mistura, como faíscas despropositadas que deixavam a suspeita de virem “Debaixo do Tapete”.
“Debaixo do Tapete”, o mais recente título do doutor Mateus, serviu para o actor concluir - pelos vistos após aturada leitura -, que a trama se passaria na mesma terra onde, naquela tarde de sábado se falava do livro... por causa do casino, por causa da praia…, por causa da falta de causas, apeteceu-me rematar.
E ria-se. Ria-se, sempre que insistia na tese de que, segundo a sua pessoalíssima opinião, a trama se passaria na mesma terra onde vivia o escritor, onde ele também parecia viver e onde muita coisa, afinal, se escapa para “Debaixo do Tapete”.
Ria-se, e de cada vez que se ria, eu não percebia qualquer justificação para o misterioso riso!
Em casa, por fim, depois de autografado o livro, decidi penetrar páginas a dentro. Inopinadamente, ao virar da esquina, quando me aproximava do final do segundo capítulo, deparei-me com este saboroso trecho:
“Que se lixe a lei! – pensou ele um dia. Não foi tarde, nem cedo. Fez uns cálculos. Contando com o tempo do serviço militar, ficou em casa cinco dias seguidos, sem dar cavaco a ninguém. Quando se apresentou ao serviço, suspenderam-no e instauraram-lhe um procedimento disciplinar. Quando recebeu a acusação não fez caso. Passados dois meses, recebeu a decisão que esperava: reforma compulsiva. Tinha conseguido pela infracção ao estatuto disciplinar dos funcionários públicos o que pela via legal não lhe seria concedido, por lhe faltar o tempo de serviço necessário à aposentação.” (in "Debaixo do Tapete", Carlos Mateus)
Interessante semelhança com outra história contada por Joaquim Fidalgo na edição de 26 de Janeiro de 2006, do jornal Público.
“Ele era, dizem, um funcionário exemplar da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim. Em cerca de dez anos de carreira, nunca faltara ao trabalho. E de repente, sem ninguém contar, dá uma falta injustificada. E logo a seguir outra, e outra... Cinco. Cinco faltas injustificadas. Caso grave! Deu processo disciplinar, ao fim de apenas duas semanas já havia relatório final. Foi o assunto à reunião de câmara e o funcionário recebeu a adequada punição (a segunda mais grave da administração pública, dizia o jornal): compulsivamente mandado para a reforma. E lá foi ele para casa, com uma reformazita de pouco mais de três mil euros mensais - 627 contos, para sermos precisos. Grande castigo, sim senhores!... Prematuramente aposentado, mas ainda cheio de força para trabalhar, bastaram mais duas semanas a este funcionário exemplar para ser convidado para nova função: administrador de uma empresa municipal. De que câmara? Da da Póvoa de Varzim, obviamente... E lá ficou o nosso homem a acumular a reforma antecipada de seiscentos e tal contos mensais com outros tantos centos, não sei quantos, do novo cargo numa administração. Bem vistas as coisas, não lhe correra mal a vida...(…)”
Percebi, finalmente, que a risadinha nervosa não era mais do que um estratagema para sacudir a água do capote. Na verdade, ele tinha boas razões para propor como tese que a trama que o escritor atirara para “Debaixo do Tapete” tinha como espaço de acção a mesma terra onde ele próprio ajudara a disfarçar a historieta parecida de que fala Fidalgo.
A risadinha, repetida e sublinhada, servia para fingir que não era nada com ele. E servia, também, para fazer chacota de todos nós. É que, enquanto o Inquiridor (que o Tribunal viria depois a condenar por crime de abuso de poder…) conduzia a reunião que enegreceu a Câmara, o outro e ele estavam na América Latina. Não participaram da decisão formal, é verdade. Mas, só por hipocrisia e cobardia política tentam desresponsabilizar-se. Que se saiba, não ficaram por lá. Regressaram e nada fizeram para remendar a trapalhada. Aceitaram tudo com normalidade. Nada fizeram para corrigir o truque que deu ao “funcionário exemplar” a oportunidade de ganhar ilegitimamente, em cada mês, mais uns salários mínimos de reforma. Pior: duas semanas depois, sancionaram a sua nomeação para a presidência de uma empresa municipal!
Estas e outras vão sendo atiradas para “Debaixo do Tapete” diante de um confrangedor encolher de ombros colectivo!
Mas, nem uma coisa, nem outra me dão vontade de rir…
Numa destas tardes de sábado, um desses actores lá estava. Estranhamente agitado mexia-se na cadeira. Preso pelo peso do olhar que lançara quase todas as ancoras ao chão, soltou palavras com risinhos à mistura, como faíscas despropositadas que deixavam a suspeita de virem “Debaixo do Tapete”.
“Debaixo do Tapete”, o mais recente título do doutor Mateus, serviu para o actor concluir - pelos vistos após aturada leitura -, que a trama se passaria na mesma terra onde, naquela tarde de sábado se falava do livro... por causa do casino, por causa da praia…, por causa da falta de causas, apeteceu-me rematar.
E ria-se. Ria-se, sempre que insistia na tese de que, segundo a sua pessoalíssima opinião, a trama se passaria na mesma terra onde vivia o escritor, onde ele também parecia viver e onde muita coisa, afinal, se escapa para “Debaixo do Tapete”.
Ria-se, e de cada vez que se ria, eu não percebia qualquer justificação para o misterioso riso!
Em casa, por fim, depois de autografado o livro, decidi penetrar páginas a dentro. Inopinadamente, ao virar da esquina, quando me aproximava do final do segundo capítulo, deparei-me com este saboroso trecho:
“Que se lixe a lei! – pensou ele um dia. Não foi tarde, nem cedo. Fez uns cálculos. Contando com o tempo do serviço militar, ficou em casa cinco dias seguidos, sem dar cavaco a ninguém. Quando se apresentou ao serviço, suspenderam-no e instauraram-lhe um procedimento disciplinar. Quando recebeu a acusação não fez caso. Passados dois meses, recebeu a decisão que esperava: reforma compulsiva. Tinha conseguido pela infracção ao estatuto disciplinar dos funcionários públicos o que pela via legal não lhe seria concedido, por lhe faltar o tempo de serviço necessário à aposentação.” (in "Debaixo do Tapete", Carlos Mateus)
Interessante semelhança com outra história contada por Joaquim Fidalgo na edição de 26 de Janeiro de 2006, do jornal Público.
“Ele era, dizem, um funcionário exemplar da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim. Em cerca de dez anos de carreira, nunca faltara ao trabalho. E de repente, sem ninguém contar, dá uma falta injustificada. E logo a seguir outra, e outra... Cinco. Cinco faltas injustificadas. Caso grave! Deu processo disciplinar, ao fim de apenas duas semanas já havia relatório final. Foi o assunto à reunião de câmara e o funcionário recebeu a adequada punição (a segunda mais grave da administração pública, dizia o jornal): compulsivamente mandado para a reforma. E lá foi ele para casa, com uma reformazita de pouco mais de três mil euros mensais - 627 contos, para sermos precisos. Grande castigo, sim senhores!... Prematuramente aposentado, mas ainda cheio de força para trabalhar, bastaram mais duas semanas a este funcionário exemplar para ser convidado para nova função: administrador de uma empresa municipal. De que câmara? Da da Póvoa de Varzim, obviamente... E lá ficou o nosso homem a acumular a reforma antecipada de seiscentos e tal contos mensais com outros tantos centos, não sei quantos, do novo cargo numa administração. Bem vistas as coisas, não lhe correra mal a vida...(…)”
Percebi, finalmente, que a risadinha nervosa não era mais do que um estratagema para sacudir a água do capote. Na verdade, ele tinha boas razões para propor como tese que a trama que o escritor atirara para “Debaixo do Tapete” tinha como espaço de acção a mesma terra onde ele próprio ajudara a disfarçar a historieta parecida de que fala Fidalgo.
A risadinha, repetida e sublinhada, servia para fingir que não era nada com ele. E servia, também, para fazer chacota de todos nós. É que, enquanto o Inquiridor (que o Tribunal viria depois a condenar por crime de abuso de poder…) conduzia a reunião que enegreceu a Câmara, o outro e ele estavam na América Latina. Não participaram da decisão formal, é verdade. Mas, só por hipocrisia e cobardia política tentam desresponsabilizar-se. Que se saiba, não ficaram por lá. Regressaram e nada fizeram para remendar a trapalhada. Aceitaram tudo com normalidade. Nada fizeram para corrigir o truque que deu ao “funcionário exemplar” a oportunidade de ganhar ilegitimamente, em cada mês, mais uns salários mínimos de reforma. Pior: duas semanas depois, sancionaram a sua nomeação para a presidência de uma empresa municipal!
Estas e outras vão sendo atiradas para “Debaixo do Tapete” diante de um confrangedor encolher de ombros colectivo!
Mas, nem uma coisa, nem outra me dão vontade de rir…
11 Comments:
Eloquente!
VÊS JJ.. a importancia de ser ou ter sido advogado?
Sem Advogado ou Juizes não há Justiça...E é claro que olivro do Carlos Mateus, segundo a tua leitura também faz falta à Justiça...
Até porque Leis há muitas... e a maioria delas Injustas...E a justiça muitas vezes para o ser tem que actuar "fora da lei" mas em conformidade com o Direito...Direito é cadavez mais uma coisa que o legislador parece desconhecer
O crime compensa! As hienas também se riem... será dos humanos?!
O crime compensa! As hienas também se riem... será dos humanos?!
Dão-lhe vontade de desistir.
É pena.
Pedro Faria
Quem lhe disse, Pedro Faria, que, na diversidade imensa das formas de luta, eu desisti de lutar contra a ignomínia?
J.J.Silva Garcia
jj.. vê esta noticia 4 comenta!!!!
http://radio-mar-povoadevarzim.blogs.sapo.pt/5957.html
Será tal riso sinal de demência? Ou será antes prova de desvergonha?
Creio serem risos partilhados, nesta espécie de manicómio político, que olhamos de frente.
Vamos ser claros!, esta questão do Dourado foi de facto atirada para debaixo do tapete porque a sociedade civil deixou, esta foi, e continua a ser, laxista.
Eu diria mais, a sociedade civil poveira não só deixou que atirassem este assunto para debaixo do tapete como até ajudou a atirar.
O Dr. Mateus, de quem até sou amigo, tem sido nesta sociedade civil poveira, um elemento de destaque, ainda por cima advogado, e que eu saiba também ajudou a atirar este assunto para debaixo do tapete: Claro como a àgua sem salmonelas!!!
Este assunto é uma vergonha coletiva para os Poveiros, nesta fase já ninguém tem moral para atirar pedras porque todos, de alguma forma, contribuiram para este bem sucedido desfecho (na óptica dos seus autores).
O crime compensa e tem tendência a repetir-se se for bem sucedido e não reprimido: Na Póvoa o abuso de poder é uma prática constante porque é sempre bem sucedido e não reprimido.
Eles fazem o que querem e muito bem lhes apetece porque a maioria dos poveiros deixa e até aplaude, as sucessivas maiorias absolutas do PSD são a prova disso.
Mesmo assim, eu, se fosse poveiro e do PSD tinha vergonha dos autarcas que ajudara a eleger e retirava a confiança politica a gente desta estirpe, mas não: entre o laxismo geral são os mais laxistas e por isso os mais culpados.
O PS abriu a boca mas, tal como a restante oposição, logo deixou cair este assunto no esquecimento atirando assim o mesmo para debaixo do tapete.
Enquanto não houver consequências - castigo exemplar, para ser mais claro - para os autores desta façanha, os ofendidos, ou seja todos os poveiros, não deviam permitir que este assunto esteja abafado debaixo do tapete.
Em certas circunstâncias, neste sistema, sem luta não há justiça.
A este caso ainda não se fez justiça!!!...
O Dr Mateus não foi ao cerne das questões ficou-se pela rama. É sempre assim. Nunca se vai a lado nenhum se se passa ao lado.
É como aquele futebolista que remata muito, remata sempre, mas sempre ao lado da baliza.
JJ...PIor do que debaixo dotapete é fora do tapete...
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