CAPITALISMO SELVAGEM
Os Estados Unidos, a pátria do capitalismo bolsista, vive por, estes dias, uma das maiores crises financeiras de que há memória. Há quem classifique esta crise ligada ao crédito hipotecário de alto risco como “o mais dramático colapso financeiro desde 1929”.
No Editorial do Expresso, na sua edição deste fim-de-semana, lê-se que “além da falência ou compra de alguns nomes mais sonantes do sistema financeiro americano, com centenas de anos de história, há consequências devastadoras para a economia real que estão ainda por se evidenciar em toda a sua dimensão”. (…) “Com os despedimentos a subir e as acções, que são parte importante do rendimento das famílias americanas, a cair, as falências pessoais vão aumentar no próximo ano. Estamos perante um desastre de proporções gigantescas. E as autoridades americanas são as grandes responsáveis pelo que está a acontecer ao autorizar que os bancos de investimento subissem para 30 vezes a alavancagem dos seus balanços (contra 12,5 vezes nos bancos comerciais) e ao permitir o lançamento no mercado de produtos cada vez mais sofisticados e complexos onde a determinação do risco passou a ser muito difícil ou mesmo impossível.”
Agora que as coisas estão explosivas, até os mais ferozes defensores do sacrossanto Mercado acorrem, aos gritos, a pedir a intervenção do Estado para não deixar falir as grandes empresas privadas. Com total despudor, como sempre, passam a exigir apoio do Estado que, em tempo de vacas gordas, consideram forte, grande demais e demasiado interveniente, apesar de, na prática, termos vindo a ver cada menos regulação por parte dos governos.
Na maior das hipocrisias e no mais escandaloso oportunismo, o capitalismo regressa da sua agressiva e destruidora aventura bolsista para impor o velho aforismo: “privatização dos lucros; socialização dos prejuízos”.
Já Mário Soares, há alguns anos atrás, alertava para a perigosíssima forma de que se estava a revestir o Capitalismo na era da Globalização, deixando de assentar no conceito de produção para apenas se dedicar à especulação de capitais, destruindo tudo à sua passagem e originando mais desigualdades e injustiças sociais, conveniente apenas aos vencedores, escassos em número, mas volumosos em cifrões.
Mas, como pretende Daniel Monteiro, “se as nossas economias estão de tal modo globalizadas que os gigantes financeiros não podem falir; se esses colossos jogam à roleta russa até ao limite da irresponsabilidade, inventando esquemas financeiros manhosos; se no fim quem paga a factura inevitável é o Estado, então o Estado tem de assumir as rédeas da economia para impor regras e transparência. As falências ou nacionalizações de gigantes, a crise dos alimentos por via da especulação, os preços absurdos dos combustíveis…Os sinais estão aí. O capitalismo selvagem pode bem ter, no final da década, o seu muro de Berlim. Mas antes da derrocada, se não se importarem, seria útil responsabilizar quem, na política, nas empresas e nos jornais, nos meteu nesta alhada. Que pelo menos as culpas não sejam socializadas”!
Obviamente: “que pelo menos as culpas não sejam socializadas”, já que os prejuízos vão acabar, como sempre, a ser pagos por todos nós, com os impostos que pagamos ao Estado. Os impostos que poderiam ser menores se, muitos dos que têm ganho com este capitalismo bolsista também não beneficiassem dos paraísos fiscais, uma outra chaga que está a envenenar a nossa organização económica e social.
O Estado vai acabar por intervir para evitar um mal maior. Mesmo assim, numa teimosia absurda, os teóricos mais liberais continuam a achar, perante as evidências, que o mercado se auto-regula, se corrige a si próprio. Alguns vão mesmo mais longe, demitindo-se das suas competências políticas e legais e afirmando que o mercado resolve os nossos problemas. Foi assim que a maioria PSD na Póvoa disfarçou a sua incompetência em matéria de falta de um plano de mobilidade sustentável e de um sistema de transportes públicos, moderno, de base intermunicipal e amigo do ambiente…
Mas, como questiona Ruben de Carvalho, “independentemente da imoral indiferença face aos custos sociais da situação e do seu possível agravamento, tais teóricos, em nome da “auto-regulação”, evitam o médico quando estão doentes?...”
2 Comments:
Parabéns por este post e, já agora, pelo do bife mal passado. Excelentes textos que potenciam o regresso da política no que há de mais nobre no seu blog (confesso que chamar caudilho ao presidente da Câmara, e coisas afins, não é o meu género; prefiro discussão de ideias a pseudo-insultos). Tivesse a blogosfera poveira este tipo de conteúdos como os seus que eu acabei de elogiar e a Póvoa seria uma terra melhor.
Posto isto, tenho uma dúvida aqui na Póvoa e precisava dum conselho. Sou um anónimo que oscila o seu voto, a nível nacional, no Bloco, no PC e, raramente, no PS. Logo, como imagina, estou de acordo com o seu texto. O meu problema é na Póvoa. Eu defendo que o voto autárquico deve ser atribuído ideologicamente. Eu explico-me. Quando se discute o presidente de Câmara ideal está-se sempre a cometer 2 erros: não se vota em candidatos (mesmo que independentes) mas sim em partidos; nunca se discute a questão ideológica mas sempre a questão da competência, da seriedade, da honestidade, se é novo ou velho, se é aparentemente corrupto ou se é menos aparentemente corrupto; se é homem ou mulher; se é bonito ou feio.
Atendendo a que o meu posicionamento é este, talvez tenha percebido o meu trilema: o BE poveiro não faz a ponta dum corno (porque será, não percebo); o PS local não se assume como ruptura da política seguidista do neo-liberalismo praticado por Sócrates; deverei então votar na CDU? É com muito gosto que o farei, mas será a minha única hipótese para as eleições que decidem o futuro da Póvoa?
Talvez se se discutisse ideologia nas questões autárquicas, a opinião pública perceberia melhor o que está em causa quando o PSD (advogado de uma política do mercado corrector enquanto "mão invisível") chumba o projecto BOLINA, ou aprova as obras da MOUZINHO, ou a construção escandalosa do novo estádio do Varzim ao lado de outro Estádio. Não me parece que pudessem proceder de outra forma. É no mercado que eles acreditam, o que é que se vai fazer. Porque o que está em causa é o assumir de posições ideológicas corajosas e modernas, pensando menos em carreiras políticas e afins. É que os programas entre o PS e o PSD podem ser diferentes mas, ideologicamente, também o deveriam ser e não acontece. Não há separação de águas, não há uma escolha entre esquerda e direita e isso devia estar pensado. Portanto, posso concluir que não há alternativa na Póvoa; poderá com muita sorte (a idade joga a favor de Renato Matos, digamos assim, se estiver interessado a ficar por cá) haver "alternância". Que me diz? Voto na CDU?
Um abraço e não é obrigado a responder, obviamente. Compreendo se achar que este comentário é uma provocação, mas confesso que esta dúvida é genuína e atrapalha-me a vida. São coisas.
Arquitecto, sou o anónimo que comentou a falta de ideologia na política autárquica. Li agora a sua resposta ao comentário de um anónimo sobre a conduta de Eanes. Concordo consigo, por isso talvez não me ache digno o suficiente para ver o meu comentário publicado no seu blog. Não levo a mal. No entanto, pode ser que esta dúvida esteja a perpassar pelas novas centenas de jovens votantes aqui na Póvoa; o seu comentário à minha questão poderia ser útil, apesar do meu ser anónimo. Poderia não publicar isto como comentário (evitava-se a discussão pertinente sobre o anonimato) e inspirar-se nestas questões/dúvidas para construir um novo texto. São sugestões.
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