28 junho 2008

UM PASSO DE CARANGUEJO



À mesma hora, mas longe da Póvoa, a distância mais do que suficiente para olhar as coisas sem o ruído das conveniências e dos caprichos do poder, sadiamente à margem dos estonteantes festejos que manipulam as consciências, é preciso romper o silêncio para dizer o que alguns ignoram por desleixo e outros escondem por teimosia e irresponsabilidade.

Do ponto de vista do modelo de cidade numa perspectiva de Desenvolvimento Sustentável, a construção do parque subterrâneo na Av. Mouzinho de Albuquerque é um erro crasso.

Nas diversas intervenções públicas que fiz e nos textos que a propósito escrevi ao longo dos últimos cinco anos, e que deixaram perguntas cruciais sem resposta dos gestores da cidade, afirmei o que é uma evidência para quem estuda o fenómeno urbano e está atento às transformações e às tendências de mobilidade nas cidades e do seu papel estruturante no planeamento e gestão do território.
Mas, não fiquei pela afirmação, demonstrei o que dizia!

O problema da Póvoa e da generalidade das nossas cidades não é o estacionamento automóvel, mas a falta de um sistema de mobilidade sustentável, assente em grande medida na utilização de transportes públicos modernos e eficazes. Quando estes existem, verifica-se que menos carros esmagam o centro da cidade, que há mais fluidez e mais segurança, que há menos poluição sonora e química e, claro, menos necessidade de consumir espaço para o aparcamento de automóveis particulares.

Em síntese, a construção no coração da cidade de um parque para 600 automóveis e o adiamento da implementação de um novo paradigma de mobilidade sustentável, amigo das pessoas e do ambiente, assente, entre outras medidas, num Plano de Mobilidade Sustentável e na criação de uma rede de transportes públicos moderna, intermodal, de base intermunicipal (com percursos bem estruturados, com veículos pequenos, ágeis e não poluentes, com um sistema de bilhética e de preços socialmente justa, capaz de oferecer conforto, regularidade, pontualidade e rapidez), são duas opções políticas que vão contra todas as orientações em matéria de mobilidade propostas pela União Europeia (o QREN diponibiliza milhões de contos apara apoiar os transportes públicos e o Município da Póvoa não mexe uma palha para se candidatar…), dos programas europeus CIVITAS e ELTIS e das universidades. Mas, a construção de um e o adiamento da resolução dessa questão estrutural vão, sobretudo, contra a prática de racionalidade que hoje acontece nas melhores e mais humanizadas cidades da Europa.
Vão contra e acontecem numa época em que o custo dos combustíveis fósseis não para de aumentar. Em Portugal, os preços da gasolina e do diesel subiram mais de vinte vezes no primeiro trimestre deste ano, afectando gravemente as empresas. Com reflexos nos preços dos restantes produtos e nos serviços, ameaçam ainda, mais e mais, os parcos orçamentos familiares, que vêm uma fatia progressivamente maior ser absorvida com a utilização do automóvel privado nas deslocações para o trabalho.
Muitas dessas pessoas, na ausência de transportes públicos como alternativa de mobilidade, correm sérios riscos de não poder desfrutar do direito essencial da mobilidade e do acesso aos bens da urbanidade.

Foi com convicção fundamentada que defendi a requalificação urbanística do espaço público e das infra-estruturas da Avenida Mouzinho (o desenho urbano poderia ser outro, mais naturalizado e propiciador de maior conforto, se não houvesse o subterrâneo como condicionante…).
Mas, foi com igual convicção que sempre me opus veemente à construção deste enorme parque de estacionamento automóvel, que não vem resolver o problema essencial e tende a acentuar o efeito negativo da existência de excesso de carros no centro da cidade. E, ao contrário do que foi anuniado, também não servirá a vida de muitos que trabalham no centro da cidade que, terão parque de estacionamento a mais de cinco euros por dia, mas, no actual quadro, acabarão por deixar o carro em casa ou nalgum lugar gratuito que encontrem longe do centro...E, por demissão política e das competências legais do Município, não terão alternativa à utilização de veículo próprio para se deslocarem.

Recentemente, transbordando arrogância, Macedo Vieira repetiu-se: “(…)Todos os poveiros estão convidados para essa inauguração. Por isso, se os socialistas quiserem ir, que apareçam, mas, tal como diz o povo, se tiverem vergonha não deviam aparecer.”
Pela parte que me toca, não aparecerei! Não porque tenha qualquer motivo de que me envergonhe, mas porque recusei e recuso ser cúmplice de um passo de caranguejo, de um disparate urbanístico, que atrasa, senão mesmo bloqueia, o novo e indispensável paradigma de mobilidade urbana que o nosso tempo exige!

O formidável Presidente - que um dia me disse ter disparado para o ar a ideia do parque subterrâneo por mera provocação, que a seguir a transformou num capricho obsessivo e, depois, numa oportunidade de investimento para uma empresa privada, reduzindo ao mesmo tempo as receitas que o Município ia obtendo com o aparcamento à superfície (em 40 anos de concessão, são muitos milhões de euros…) - não terá vergonha por motivo diverso, porque carece da consciência do seu rasto. E não terá vergonha, mesmo que um dia passe mais luz na intimidade do seu Gabinete, porque nos habituou a não ter humildade para reconhecer publicamente as suas falácias.
Resta-nos, ao menos, o desejo de que o parque venha a servir sobretudo aos residentes que, uma vez mais, por má gestão urbanística da cidade, não têm no prédio onde vivem aparcamento para as suas viaturas.
A proclamada “a obra do século” não passa, afinal, de uma “obra tubérculo”, apesar de nem todos os tubérculos serem subterrâneos.

Lisboa, 2008.Junho.28

12 Comments:

Blogger renato gomes pereira said...

JJ...
costumo "xingar" com o Comandante Figueiredo acerca do veiculo a GPL (movido a gaz) e que não pode ir para parques subterrãneos, que em tempos sepropunha oferecer-me..eh!eh! A minha velha scooter Yamaha é bem mais útil...(pena é que não haja lugar subterrãneo no "gungunhana park" privativo para ela...sem custos para o seu utilizador) Gostei do "new look" da entrevista do meu amigo Aires Pereira sobre o parque subterrâneo, a sua polival~encia e a ausência de pilares...Reconheço que é uma obra e peras...Mas tem um senão que deita por terra todo o brilho da emoção de quem quer fazer um figuraço com a sua inauguração...A não gratuidade do estacionamento, conjugada com o aperto das vias á superficie vai ser constante factor de quesilias entre policias municipais e utentes..com multas e reboques constantes e cada vez mais gritantes até que um dia uma qualquer assembleia municipal poveira vai obrigar a rever os acordos com o concessionário...e não vai ser preciso esperar 40 anos...basta que se comece a fabricar veiculos a hidrogénio ou outras vias como o Gpl e outros gazes para deitar por terra o subterrãneo..e não tenhamos dúvidas que é isso que vai acontecer dentro de cinco anos...

28 junho, 2008 19:01  
Blogger Cego do Maio said...

povoaonline
ca70
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sextante
e
agora
http://advogadodacalifornia.blogspot.com/

29 junho, 2008 20:25  
Blogger Cego do Maio said...

A abrir:
http://advogadodacalifornia.blogspot.com/

29 junho, 2008 20:29  
Blogger Nuno Cunha said...

Como jovem habitante desta cidade, sou partidário da sua opinião no que concerne às obras verificadas na avenida Mouzinho de Albuquerque.Verifica-se um acréscimo das desigualdades sociais, e a Póvoa como municipio eminentemente pescatório ressente-se. E a câmara que aititudes teve perante o governo ou perante o poder central?...A nível cultural então, mais vale nem comentar...Braga tem o theatro Circo, Famalicão a Casa das Artes, e a Póvoa que instituição possui ao serviço da cultura???Numa analgia às declarações de Manuel Alegre, de que servem as vistosas obras na via pública se a cidade não oferece um programa cultural vasto e diversificado???Pois, apenas concluo que a cidade vive mais do que nunca sob o poder económico,e sob tráfico de influências que até agora tem impedido uma visão clarificada de tudo isto...a ver vamos na eleições autárquicas...abraço

29 junho, 2008 23:07  
Anonymous Anónimo said...

Muita gente vai sentir saudades do significado desta imagem. É uma questão de tempo.

09 julho, 2008 10:25  
Blogger IN VERITAS said...

concordo

09 julho, 2008 16:56  
Anonymous Anónimo said...

Póvoa sim ratos sempre
Póvoa sim ratos sempre
Avé avé que vai passar o sr dr Macedo e companhia ilimitada
porquê só Póvoa e mais Póvoa e as freguesias....... caro arquitecto os politicos que dão a cara devem continuar o combate.se quer e tem pretensão no futuro de ser presidente desde concelho apareça novamente na luta, junto da população local e depois verá que terá o seu sucesso. 1 cidadão atento do concelho q como é óbvio anda por aí ........

15 julho, 2008 23:46  
Anonymous Anónimo said...

Se diz que "a construção do parque subterrâneo na Av. Mouzinho de Albuquerque é um erro crasso", como justifica a presença de altos membros do ps póvoa na cerimónia de inauguração? Por coerência, se eu fosse contra algo, jamais estaria na cerimónia de inauguração... Consegue explicar-me esta dúvida, ou vai optar por bloquear este comentário?

17 julho, 2008 13:04  
Anonymous Anónimo said...

Resposta ao CA FICO das 28 Junho, 2008 19:01:

Só em Portugal é que é proibido veiculos GPL estacionar em subterraneos. Em qualquer país da europa (a sério) não existe tal absurda restrição. Informe-se.

O que vai acontecer é passarem a permitir o estacionamento destes veículos em subterrâneos.

Saudações.

17 julho, 2008 17:17  
Blogger renato gomes pereira said...

não discordo

19 julho, 2008 10:37  
Blogger CÁ 70 said...

João Pires Matos

Como é claro no meu texto, não concordo com a presença dos responsáveis do meu partido na inauguração de uma obra que avidamente demonstramos ser um erro no contexto de uma estratégia de mobilidade sustentável.

Quanto à presença do membro do governo, ela não pode ser de estranhar, uma vez que foi o seu serviço que financiou a obra que Macedo Vieira diz ter tido custo zero, mas que ascendeu, na componente pública, a mais de 700.000 contos. O facto de o governo ater financiado também se compreende, porque não cabe à tutela interferir nas opções políticas locais. Lamento, isso sim, que, estando o QREN e o PRONORTE a apostar fortemente no investimeno em redes modernas e sustentáveis de transportes públicos, ao mesmo tempo existam programas de apoio turístico que contrariam este desiderarto.
É a habitual trapalhada nacional!

19 julho, 2008 16:37  
Blogger renato gomes pereira said...

resposta ao anónimo do GPL...

mas o hidrogenio é que vai ser o combustivel do futuro...ou o helio...tal como nos Zeppelins do inicio do seculo XX...precursores dos aviões...

Agora vá o amigo anónimo estacionar o seu veiculo movido a "n'ímport quoi" no subterrâneo "Gungunhana" da Av Mouzinho (com z que é assim o nome do iluste africanista)e paga por Hora a "módica" quantiade de 1,60 € ( em dinheiro antigo 320 paus)...imagine que vai par a praia o dia inteiro... se cair na asneira de deixar ai o seu veiculo tem um ataque cardiaco no regresso...eh! eh!.. tamanha é a conta do estacionamento...

27 julho, 2008 11:19  

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