VENCEU A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Venceu a LIBERDADE DE EXPRESSÃO, derrotando em toda a linha a intolerância retrógrada, o abuso de poder, a tirania e os tiques antidemocráticos que caracterizam a mentalidade e a praxis de Macedo Vieira e de Aires Pereira, "senhores" da Casa Grande, até ver!
Pelo seu valor pedagógico, vale a pena conhecer o teor da Sentença proferida pela Juíza Elvira Vieira, que me absolveu do alegado crime de difamação de que fui acusado pelo Presidente da Câmara da Póvoa de Varzim e pelo ex-Presidente da Comissão Política do PSD da Póvoa de Varzim, e que deu origem ao Processo nº 276/2005.7TAPVZ do 1º Juízo de Competência Criminal da Póvoa de Varzim.
I. Relatório
(sintese):
A fim de ser julgado em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi pronunciado o arguido:
Joaquim josé silva garcia (…)
Por dois crimes de difamação agravada, p. e p. pelo art. 180.º, n.º 1, 182.º, 184.º, 30.º e 31.º, todos do Código Penal, com referência ao art. 132.º n.º 2, al. j), do mesmo código.
Os ofendidos constituíram-se assistentes.
O arguido apresentou contestação, alegando, em síntese:
- que a expressão “idiota” foi proferida sem “animus injuriandi”;
- que tal expressão não pôs em causa o ofendido/Assistente Aires Pereira seja como membro de órgão da autarquia seja como presidente da comissão política do partido social democrática, o que acarreta a nulidade do despacho de pronúncia, por ilegitimidade do Ministério Público em deduzir acusação.
(…)
Motivação de facto
A convicção do tribunal formou-se com base na análise, conjugada e crítica, da prova produzida em audiência de julgamento e carreada para os autos, com especial destaque para o teor do artigo escrito e publicado no jornal “Póvoa Semanário”, com o n. 306, cujo exemplar se encontra junto a fls. 37 a 39.
Foi, ainda, objecto de especial ponderação as declarações prestadas pelo arguido.
Na verdade, o arguido Joaquim Silva Garcia, assumiu a autoria do texto em causa nos autos.
Referiu, em síntese, e a propósito do teor de tal texto, que só escreveu o que (para ele) estava certo e correcto e que através do mesmo tão só pretendeu criticar a atitude do Presidente da Câmara, Assistente Macedo Vieira, e o PSD em geral, porquanto lhe desagradou a posição assumida por estes perante a questão do pagamento das portagens da A/28.
Foi no âmbito desta problemática, instalada pela pretensão do Governo em introduzir o princípio do utilizador-pagador, o qual gerou um movimento regional, desde o Porto até Valença, com excepção da posição assumida pela Câmara da Póvoa, que o levou a defender uma causa e os demais concidadãos, através do referido artigo de opinião.
Quanto a expressão utilizada e alusiva à utilização do Volvo, fê-lo porque é o carro usado pela Câmara, no âmbito das suas funções públicas, enfatizando, contudo, tal utilização.
Concluiu afirmando que com tal artigo, nomeadamente, no que se refere à expressão utilizada: “…(…) manejam de forma idiota… (…)” pretendeu criticar a opção politica levada a efeito pelos Assistentes e não os autarcas.
Relativamente às condições pessoais, sociais e profissionais do arguido relevaram as suas próprias declarações, complementarmente prestadas, as quais se evidenciaram sinceras e ainda teve em conta, o tribunal, os depoimentos, também prestados a propósito e de forma serena, objectiva e credível, das testemunhas ouvidas amigas deste.
Quanto à não existência de antecedentes criminais, relevou o CRC junto aos autos.
(…)
Quanto aos factos dados como não provados o tribunal julgou que a prova apresentada não foi suficiente para os confirmar.
No que diz respeito aos sentimentos que as declarações do arguido provocaram nos assistentes – ofensa *a sua honra e consideração - da forma como tais expressões passaram aos olhos dos seus leitores, e da comunidade onde as mesmas foram produzidas, o tribunal fundou a sua convicção nas declarações dos próprios assistentes e no depoimento das testemunhas ouvidas, bem como nas regras de experiência comum, no sentido em que as referidas expressões não são aptas a causar tais sentimentos a um homem médio, a não ser, o que se admite, algum incómodo.
(…)
Feitas as referidas considerações, vejamos se as expressões utilizadas no artigo, são ofensivas da honra e bom-nome devida aos assistentes:
(…)
Doutrinalmente, a “difamação” é definida como a atribuição a alguém de facto ou conduta, ainda que não criminosos, que encerrem em si uma reprovação ético-social, isto é, que sejam ofensivos da reputação do visado
Segundo ainda os mesmos, a “honra” é a essência da personalidade humana, referindo-se à probidade, rectidão, lealdade, carácter; é a dignidade subjectiva, o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui; diz respeito ao património pessoal e interno de cada um – o próprio eu;
A “consideração” é o património de bom-nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros; é o merecimento que o indivíduo tem no meio social, a reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objectiva, que é o mesmo que dizer, a forma como a sociedade vê cada cidadão – a opinião pública”.
Citando Schoppenhauer, afirmam que a honra, objectivamente, é a opinião dos outros sobre o nosso mérito; subjectivamente, o nosso receio diante dessa opinião. Também para Beleza dos Santos[2], materializa-se na estima, no não desprezo moral por si próprio, que sente, em geral, qualquer pessoa; A “consideração” é o valor atribuído por alguém ao juízo do público, isto é, do apreço ou, pelo menos, da não desconsideração que os outros tenham por ele”.
Segundo Faria Costa[3], a honra é vista como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo. Na opinião de Silva Dias[4], o saber se um facto ou um juízo é lesivo da honra e consideração de alguém depende, em primeira linha, do bem jurídico protegido.
Daí que a dignidade da pessoa humana, síntese dos direitos fundamentais, tenha a maior relevância no nosso quadro jurídico-constitucional. O artº 26.º, n.º 1, da C.R.P. consagra, de entre os vários direitos de personalidade, o direito ao “bom-nome e reputação”.
(…)
Feita a análise do tipo, da difamação, e voltando, novamente, ao caso concreto há agora que apurar se tais expressões constantes do artigo de jornal se subsumem a este tipo.
O arguido escreveu no referido artigo, na qualidade de comentador de opinião, entre outras que:
“Manejam de forma idiota o princípio neo-liberal do utilizador pagador…” e querem que todos paguemos portagens….
A expressão “idiota”[5], significa: "Que tem falta ou denota falta de inteligência ou de bom senso; estúpido; imbecil, parvo” (…) quem será o idiota que anda aos berros a esta hora?”.
Defendem os Assistentes, que tais (expressões) estabelecem um nexo de qualificação diminutiva, e na gíria popular representa, para o comum dos cidadão, um insulto, em particular à pessoa e à sua capacidade mental, sendo que, no contexto em que foi inserida a expressão esta tem um manifesto cariz ofensivo de pretender cunhar os visados de pessoas diminuídas, e manifestamente ofensivas da honra devida a qualquer um.
Por outro lado, alega o arguido na sua contestação que o único objectivo inerente ao texto é estimular o leitor à reflexão sobre o modo como uns políticos defendem os interesses das populações servidas pelo IC1/A28 e outros não.
A única intenção do arguido foi desmontar a interpretação, de carácter eminentemente politico, errada do princípio de utilizador-pagador.
Conclui o arguido quis com tal expressão criticar a actividade politica dos assistentes, não se dirigindo à pessoas destes, cujas pessoas não foram desconsideradas.
Por outro lado, vem demonstrado que entre os Assistentes e o arguido, existe um elevado grau de conflitualidade, a qual se concretiza em choques de opiniões políticas e de gestão dos interesses, incompatíveis, da comunidade poveira, que causam grandes animosidades entre estes.
Tais situações, entre outros meios, expressam-se e estão plasmadas ao nível da linguagem, onde reina a indelicadeza, por vezes de forma exagerada, que tantos os Assistentes como o arguido utilizam nos comentários que fazem de forma recíproca. Para o efeito, veja-se o teor das expressões insertas em textos, nomeadamente nas actas de fls. fls. 458, 472 e 477 e nos artigos de opinião dos jornais, nomeadamente, os fls. 57 a 74.
É certo que nas expressões utilizadas sobressai censura ao nível ético. Mas poderá afirmar-se que, no fundamental, que as mesmas foram escritas no âmbito do debate político corriqueiro e do quotidiano da democracia?
Aqui chegados, vejamos, agora, se tais expressões caem já na tipicidade da incriminação, ou se, pelo contrário, foram proferidas no âmbito de debate público, sobre questões políticas, e se são causa de exclusão da ilicitude, nos termos do dispôs e to no art. 180.º n.º, 2, do do Código Penal, por realizarem um interesse legítimo.
Ora, no seguimento da lição de Costa Andrade, diga-se que, efectivamente, a forma como o arguido fez a crítica política não foi seguramente com polidez ou delicadeza.
A propósito, citando Uhlitz “Quem quer participar no debate político através da crítica, não tem primeiro que pesar as suas palavras numa balança de ourives. Quem exagera e generaliza, quem para emprestar mais eficácia ao seu ponto de vista utiliza expressões desproporcionadas, rudes, carregadas grosseiras e indelicadas, ou quem no calor da discussão objectiva ou por excesso do seu temperamento faz subir o tom da sua voz, não tem que recear qualquer punição”[6].
Como se vem decidindo em recentes acórdãos das Relações “o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função”[7].
Tem-se, assim, entendido que não cabe aos tribunais avaliar se uma afirmação é justa, razoável ou grosseira, não se podendo pretender que as conversas discordantes tenham um discurso sereno, com adjectivação civilizada e detentoras de uma argumentação racional: isso seria privar do direito de manifestar o seu desagrado aos menos dotados do ponto de vista retórico, das boas maneiras, até da capacidade de raciocínio, recorrendo-se aos tribunais para punir tais excessos e ficando a discordância confinada ao grupo das pessoas polidas, se a mesma é proferida no âmbito do combate político eleitoral, onde é natural haver agressividade, por vezes exageradas pelo clima emocional destas situações, nas imputações de comportamentos aos responsáveis políticos.
O normal é que tais imputações, quando provindas de dirigentes da oposição, gerem profundo descontentamento nos seus destinatários, que sentirão que, pelo contrário, se sacrificaram ao serviço do bem público.
É o que acontece no caso dos autos, em que os Assistentes entendem que todas as tomadas de posição no âmbito das suas funções, é feita no interesse da comunidade poveira.
Não se pense contudo, que vivemos num Estado de Direito em que tudo é permitido, quando feito no âmbito do debate político. Há limites:
“não pode ser atingida a honra do visado – um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior”[8].
É, também, de salientar, a este propósito, a ideia que o Prof. Faria Costa refere, acerca da honra ser um bem jurídico pessoalíssimo e imaterial, a que não temos a menor dúvida em continuar a assacar a dignidade penal, mas um bem jurídico, apesar de tudo, de menor densidade axiológica do que o grosso daqueles outros que a tutela do ser impõe. A prova evidente de tal realidade pode encontrar-se nas molduras penais - de limites baixos - que o legislador considerou adequadas para a punição das ofensas à honra.
À perda da sua importância relativa, enquanto bem jurídico - da honra - não é indiferente segundo cremos, o facto da mesma estar associada a outros valores que, entretanto, se autonomizaram, nomadamente, a privacidade, a intimidade ou a imagem - que hoje já têm expressão constitucional e específica protecção através do direito penal. Por outro lado, vêm-se assistindo a uma inegável erosão externa da honra, quer por força da banalização dos ataques que sobre ela impendem – largamente potenciados pela explosão dos meios de comunicação social e (pelo) uso generalizado da internet, quer por força da consequente consciencialização colectiva em torno do carácter inelutável de tais agressões e da eventual imprestabilidade da reacção criminal[9].
Constatação a que se assiste na doutrina e jurisprudência comparados, vejamos:
Na luta política, para a consecução dos fins a que esta aspira, historicamente verificou-se uma alteração na linguagem e uma dessensibilização da opinião pública sobre o significado de algumas palavras e sobre certas frases usadas por pessoas que na mesma estão envolvidas, de modo que pode considerar-se como legítimo o uso de frases e expressões que em comum, no âmbito das relações privadas, seriam ofensivas[10].
No mesmo sentido, veja-se o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que reteve como licitas, no âmbito da luta política, uma expressão como imbecil[11] e lobbista, são outros exemplos mencionados na ob. Citada [12].
Nos modernos estados de direito democrático, a liberdade de expressão é tida como um valor fundamental, digno de tutela constitucional.
A defesa da liberdade de expressão, pelas altas instâncias nacionais e internacionais, tem sido feroz.
Veja-se, a título de exemplo:
- As decisões do TEDH (Tribunal Europeu dos Direitos do Homem) que têm reiteradamente sublinhado, desde o seu acórdão de 7 de Dezembro de 1976 (caso Handsyde), o carácter essencial da liberdade de expressão numa sociedade democrática. Este tribunal entende que esta liberdade vale também para as informações e ideias que ferem, chocam ou inquietam já que além da substância das ideias e informações expressas, o artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e que os limites da crítica admissível são mais latos relativamente a um homem político do que para um simples cidadão. Embora o primeiro também beneficie da protecção do n.º 2 do artigo 10º, as exigências da sua reputação devem ser sopesadas com os interesses da discussão das questões políticas.
- O caso Lopes Gomes da Silva contra Portugal[13], em que o conhecido jornalista Vicente Jorge Silva foi condenado pelo Tribunal da Relação de Lisboa por ter utilizado expressões, relativas ao político Dr. Silva Resende, candidato à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, tais como: “grotesco”, “boçal” e “grosseiro” os quais foram considerados insultos que ultrapassavam os limites da liberdade de expressão.
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem concluiu pela violação do artigo 10.º da Convenção pelas autoridades portuguesas considerando que: ”O homem político expõe-se inevitavelmente e conscientemente a um controlo atento dos seus dizeres e gestos, tanto pelos jornalistas como pela massa dos cidadãos e deve mostrar uma maior tolerância, sobretudo quando faz declarações públicas que se prestam à crítica. Certamente tem direito a ver protegida a sua reputação, mesmo fora do quadro da sua vida privada, mas os imperativos desta protecção devem ser ponderados com o interesse da livre discussão das questões políticas, e as excepções à liberdade de expressão convidam a uma interpretação estreita.”
Possuem tutela, então, dois direitos aparentemente conflituantes, por um lado, o direito de liberdade de expressão e, por outro, o direito ao bom nome por parte dos visados nas declarações proferidas no uso dessa liberdade, maxime, os detentores de cargos públicos.
São, porém, frequentes os conflitos entre o direito à honra e o direito de expressão do pensamento e da informação. Como refere Miguel Veiga[14]: “Os exemplos práticos poderiam multiplicar-se exaustivamente e até ‘ad nauseam’”.
Ainda sobre os conflitos entre o direito à honra e o direito de expressão e de informação, v.g., Gomes Canotilho, Vital Moreira[15] e Figueiredo Dias[16].
Também o Prof. Costa Andrade[17], salienta que: «O exercício do direito de crítica tende a provocar situações de conflito potencial com bens jurídicos como a honra e cuja relevância está à partida excluída por razões de atipicidade”.
- Em decisão muito recente, o Tribunal da Relação do Porto[18], decidiu que não preenche o tipo objectivo do crime de difamação a conduta do jornalista que, em escrito publicado num jornal, dirigindo-se a um presidente de câmara municipal, a propósito de tema cultural, o apelida de energúmeno (com o sentido de indivíduo ignorante, boçal e que pratica desatinos), sendo certo que a Relação do Porto não deu como provado que o termo energúmeno tivesse sido utilizado pelo arguido neste preciso sentido.
Em tal acórdão é dito que a liberdade de expressão é um dos fundamentos dos estados democráticos, sendo protegida pela Carta Europeia dos Direitos do Homem e pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Que tal liberdade de expressão vale também para as ideias que ferem, chocam ou inquietam e que qualquer restrição a essa liberdade só é admissível se for proporcionada ao objectivo legítimo protegido.
Por outro lado, continua o aludido acórdão: “ (…) a liberdade de imprensa fornece um bom meio de conhecer e julgar as ideias e as atitudes dos dirigentes. Mas esse desiderato só pode ser prosseguido dentro dos limites do direito, sem ofensa do bom-nome. Há assim uma “relação de tensão” entre os direitos de personalidade e as liberdades de expressão.
Como já disse, o âmbito de protecção do direito ao bom nome e reputação, contrariamente ao que parece ser entendimento de alguns, não é menos intenso na esfera política do que na esfera pessoal, agora o que deve é ser harmonizado e balanceado com a liberdade do debate político e com a liberdade de crítica política, inerentes à democracia. No confronto dos dois direitos, só a “ponderação ou balanceamento” do caso concreto, afastando-se qualquer ideia de supra ou infravaloração abstracta, permite concluir o que é ou não penalmente censurável.
Nessa “ponderação e balanceamento”, na procura da “concordância prática” importa ter presente que em contraponto ao direito do ofendido não está apenas o direito de expressão de um cidadão individual, está isso e algo mais: o direito fundamental, nas sociedades democráticas, de liberdade de expressão e de imprensa (…)”.
- Por outro lado, a Relação de Évora[19], decidiu que:
“ (…) a integridade moral e física das pessoas é inviolável e, a todos, são reconhecidos o direito ao bom nome e reputação mas, a Constituição consagra ainda outros direitos, nomeadamente a liberdade de expressão e informação e a liberdade de imprensa e meios de comunicação social - nº 1 do artº 37º, artº 38º, nº 1 e 2, da Constituição.
Mas esta liberdade não é absoluta uma vez que e sofre as restrições necessárias à coexistência numa sociedade democrática, de outros direitos como a honra, no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art.ºs 19.º, n.s 2 e 3) na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artº 10 nº 1 e 2).(…).
Através da liberdade de expressão não pode, assim, ser atingido o núcleo essencial das qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros.”
- Este entendimento foi, também, sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça, que cita Costa Andrade para fundamentar a sua decisão, em acórdão recente[20]: “No conflito entre o direito à honra e a liberdade de expressão, tem vindo a verificar-se um ponto de viragem, tendo por base e fundamento o relevo, a dignidade e a dimensão da liberdade de expressão considerada numa dupla dimensão, concretamente como direito fundamental individual e como princípio conformador e essencial à manutenção e aprofundamento do Estado de Direito democrático, reconhecendo-se que o exercício do direito de expressão, designadamente enquanto direito de informar, de opinião e de crítica, constitui o próprio fundamento do sistema democrático, o que justifica a assunção de uma nova perspectiva na resolução do conflito.
Neste contexto, parte da jurisprudência dos nossos tribunais superiores vêm sufragando tal orientação, na esteira da orientação assumida por Costa Andrade. Veja-se, em concreto, o Acórdão da Relação de Coimbra, que se pronunciou sobre o âmbito de aplicação material da norma do art. 180.º o Código Penal[21], que refere: “(…) devem considerar-se atípicos os juízos de apreciação e de valoração crítica vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, etc., (…) quando não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva, isto é, enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, às realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores ou criadores, posto que não atingem a honra pessoal do cientista, do artista ou desportista, aqui se incluindo as instâncias públicas, com destaque, nomeadamente, para os actos da administração pública (…).
Costa Andrade esclarece, no entanto, que se deve excluir a atipicidade relativamente a críticas caluniosas, e em todas as situações em que os juízos negativos sobre o visado não têm nenhuma conexão com a matéria em discussão, consignando expressamente que uma coisa é criticar a obra, outra muito distinta é agredir pessoalmente o autor, dar expressão a uma desconsideração dirigida à sua pessoa.
Voltando à análise da conduta do arguido.
Ora, vistas as considerações feitas pela doutrina e jurisprudência acerca do direito de expressão, na sua vertente de direito de opinião e de crítica, quando se exerça e recaia na concreta área atrás referida e aqui em análise – actividade política - e com o conteúdo e âmbito mencionados, caso redunde em ofensa à honra, se pode e deve ter por atípico, desde que o agente não incorra na crítica caluniosa ou na formulação de juízos de valor aos quais subjaz o exclusivo propósito de rebaixar e de humilhar.
A este respeito, Costa Andrade evidencia três questões que se revelam de grande importância para a decisão do caso dos autos.
“Em primeiro lugar o regime jurídico-penal da crítica objectiva será idêntico, quer resulte da apreciação cuidada e certeira de um perito e conhecedor quer traduza a mais indisfarçável manifestação de diletantismo ou mesmo de ignorância[22] ”.
“Em segundo lugar o direito de crítica com este sentido e alcance não conhece limites quanto ao seu teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas. (…) O seu exercício legítima, por isso, o recurso às expressões mais agressivas e virulentas, mais carregadas mesmo desproporcionadas de ironia e com efeitos mais demolidores sobre a obra ou prestação em apreço”[23].
Finalmente é hoje igualmente pacífico o entendimento que submete a actuação das instâncias públicas ao escrutínio do direito de crítica objectivo.
O tempo em que as instâncias públicas deviam estar a coberto da crítica que só poderia abalar o seu prestígio e abalar a confiança indispensável à sua subsistência e desempenho são “tempi passati”.
É à luz destas considerações que devemos analisar o caso dos autos.
No caso vertente, não pode deixar de considerar-se que a expressão utilizada pelo arguido, quanto ao termo “idiota”, devidamente inserido num contexto, atinente à actividade política, onde não transparece qualquer propósito de caluniar ou achincalhar os visados e reportados a factos julgados verdadeiros, é perfeitamente justificável, não se mostrando que o direito à honra tenha sido beliscado. Tal juízo cai já fora da tipicidade da incriminação, não pode considerar-se como atentatória da honra e consideração devidas aos assistentes.
Donde se conclui que a expressão utilizada pelo arguido se contém dentro do que é tido por crítica objectiva.
O mesmo acontece quando o arguido refere que: “só Macedo Vieira e os seus convidados utilizam o Volvo do Município”.
Tal crítica ainda que acintosa, ainda assim se considera dentro dos limites do referido direito de crítica, pois que não atinge ainda o núcleo essencial do direito à honra dos assistentes que, como já vimos, pode ser comprimido em nome da liberdade de expressão.
Tais palavras têm que ser vistas, razoavelmente, como um todo e devidamente contextualizadas, porque correlacionadas com a ideia que se pretende exprimir ou seja, a formulação de juízos de valor que exprimiem uma polémica sobre a tomada de posição contra um particular modo de gerir os assuntos públicos - no caso o pagamento das portagens na A28.
No que respeita a este tema, e que trata o artigo publicado, não resulta que o arguido quisesse com o mesmo criticar, de forma caluniosa, os assistentes, com vista a porem em causa o seu bom nome e consideração, e que agisse com o propósito de os difamar.
Com efeito, com a referência ao veículo da Câmara, nos termos que consta do artigo publicado, integrada no contexto da polémica relativa ao pagamento de portagens na A/28, realidades socialmente relevantes, na altura dos factos, não nos parece que o arguido quis noticiar, lesar a honra e consideração dos assistentes.
Pendemos a considerar não estar aqui em questão, seguramente, a agressão gratuita e de confronto com a personagem pública. Disso é exemplo o próprio artigo visto e contextualizado no seu todo.
A título de exemplo, importa aqui chamar à colação os ensinamentos do Ilustre Penalista Quintano Ripolles[24], “deve sempre distinguir-se, no que diz respeito à gravidade das expressões proferidas, as que podemos denominar de imprecativas, das que perseguem um fim referido a factos ou condutas de carácter concreto. Aquelas, a maior parte das vezes, não constituem mais que um simples desafogo verbal, que pode incomodar ou perturbar alguém mas intranscendentes para abalar a ordem jurídica”.
Não vemos, pois, como se pode depreender que em resultado de tais expressões utilizadas pelo arguido, no referido artigo de opinião, a honra dos assistentes tenha ficado abalada ou diminuída.
Face às considerações que vimos de tecer relativamente ao crime de difamação e aos limites de liberdade de expressão, entende-se, pois, que as expressões utilizadas pelo arguido, se contêm dentro da liberdade de expressão, no âmbito da luta política.
Além do mais, e como já se acima mencionou, é manifestamente oportuno referenciar que o que pode ser uma ofensa ilícita em certo lugar, meio, ou para certas pessoas, pode não o ser em outro lugar ou tempo, do mesmo modo que a circunstância de ser ou não injuriosa uma palavra depende, em grande parte, da opinião, dos hábitos sociais ou políticos.
A este título, atente-se na forma como os Assistentes e o arguido se relacionam politicamente, nomeadamente, com as expressões usadas no campo da luta partidária e do direito de crítica a que, também, não podemos ser alheios, como decorre dos citados escritos e que constam dos factos provados sob os n.s 5.º e 6.º.
Por outro lado, é sabido que os Assistentes, como membros de órgãos de uma autarquia local e enquanto figuras públicas, encontram-se mais expostos a críticas e que esse é um dos modos, nas sociedades democráticas, dos cidadãos controlarem o mandato que conferem aqueles que elegem, devendo assumir uma maior elasticidade na sua capacidade de recepção das mesmas, desde que, no entanto, não seja atingido seriamente o reduto "mínimo de dignidade e bom nome" dos visados.
Estas pessoas, sendo eleitos como sujeitos passivos privilegiados em razão de serem, também, por vezes vitimas preferenciais, não são intocáveis. A relevância das suas funções, o interesse eminentemente público e a particular responsabilidade destas pessoas para com a comunidade que servem, tornam-se mais expostas e mais sujeitas ao controlo da opinião pública, pelo que dessa forma até podem ver reduzida a esfera da sua privacidade e recuada a tutela penal do direito à honra, no confronto com o exercício – legitimo – do direito à opinião.
Há, assim, que absolver o arguido do crime de que vinha acusado, por falta de verificação dos elementos do tipo.
III. Decisão
Pelo exposto, julgo a acusação parcialmente provada e totalmente improcedente e, em conformidade:
- Absolvo o arguido Joaquim José da Silva Garcia, pela prática de dois crimes de difamação, agravada, p. e p. pelo art. 180.º, n.º 1, 182.º, 184.º, 30.º e 31.º, todos do Código Penal, com referência ao art. 132.º n.º 2, al. j), do mesmo código.
Declaro cessada a medida de coacção de Termo de Identidade e Residência imposta ao arguido - art. 376.º, n.º 1, do
Cód. Proc. Pen.
Deposite.
Notifique.
Póvoa de Varzim, 29.01.08
(processado e revisto pela subscritora)
(Elvira Vieira)
NOTAS
[1] Leal Henriques e Simas Santos, in Código Penal (anotado).
[2] in “Algumas Considerações Jurídicas Sobre Crimes de Difamação e de Injúria”, in R.L.J., 3152-142, a “honra”.
[3] in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, pág. 607.
[4] in “Alguns aspectos do regime jurídico dos crimes de difamação e de injúrias.
[5] in Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Cirenaicas de Lisboa, Verbo, II volume, pg. 2021.
[6] Costa Andrade, cit. pág. 236.
[7] – cfr. ac. de 12.6.02, Recurso 332 /02, de que foi relator o Des. Dr. Manuel Braz.
[8] Cfr. Comentário Conimbricence, Tomo I, pág. 607.
[9] págs. 104-105,” Direito Penal Especial”, Coimbra Editora, 2004.
[10] “Diffamazione a mezzo stampa e risarcimento del danno”, Francesco Verri e Vincenzo Cardone, giuffré editore, 2003, pág. 210.
[11] 1.7.1997, DDP, 1997, 10, 1209.
[12] experiente em urbanizações selvagens, comissário de negócios sujos, ob cit, a fls. 213.
[13] in acórdão e a anotação de Francisco Teixeira da Mota in Sub Judice, n.º 15/16, Junho/Dezembro 1999, págs. 85-92.
[14] In comunicação apresentada no Seminário “Comunicação Social e Direitos Fundamentais”, realizado no Porto em 7 de Junho de 1993, ed. da Alta Autoridade para a Comunicação Social, Lisboa, 1993, págs. 100-101.
[15] Constituição da República Anotada, Coimbra, págs. 110-111.
[16] Direito de informação e tutela da honra no direito penal de imprensa português, Revista de legislação e Jurisprudência, ano 115, pág. 100 e seguintes.
[17] sua muito valiosa obra intitulada Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal -Uma perspectiva jurídico-Criminal, Coimbra, 1996.
[18] cfr. acórdão de 31/10/2007, no proc. n.º 0644685, disponível em www.dgsi.pt
[19] em acórdão de 30/05/2006, proc. n.º 873/06.
[20] cfr. Ac. STJ de 07/03/2007, no proc. n.º 07P440, disponível em www.dgsi.pt
[21] cfr. Acórdão de 02/03/2005, Proc. n.º 296/05, disponível em www.dgsi.pt.
[22] Ob. Cit. pág.236.
[23] Ob. Cit. pág,236.
[24] “Tratado de la parte especial del Derecho Penal”, I, tomo II, a pág.1198, (Editorial Revista de Direito Privado, 1972, Madrid.
10 Comments:
E quem vai pagar as custas? Será a câmara?
Veja lá se impede que saia mais dinheiro do erário público. Haja decêrncia.
Só podia ser este o resultado! Mas mal do país que gasta o seu dinheiro com estes casos! Se o(a) juiz(a) lesse todas as actas da Câmara desde que Mecado Vieira é presidente, este seria condenado a prisão perpétua, tais os insultos que profere ... Mas é tudo uma qustão de berço ...
Que sirva de lição.
Linda fotografia.
Na ponta do cais existe uma luz de verdade que orienta os bravos e corajosos e afasta a escuridão e o medo.
É um farol
Foi feita JUSTIÇA!
(ver "A Palavra Libertada", em www.sextante-poveiro,blogspot.com)
Tanto tempo perdido, tanto dinheiro gasto, tanta pólvora seca na imprensa poveira ... para esta derrota estrondosa!
Agora é preciso que o povo, o juiz eleitoral, perceba como se delapida o erário público com estras fanfarronadas.
ramodebarro (sol.sapo.pt/blogs/ramodebarro)
E depois?
Vai m udar alguma coisa?
A Póvoa precisa de muitos Silvas Garcias. Uma voz no deserto não chega. O PS não está a ser aquela rectaguarda unida e sólida que era preciso.
A solidariedade vê-se nestes momentos. Onde está aquela vaga de fundo que precisa o PS para ser alternativa?
alguém vê? não não vê. Há muityo divisionismos nas hostes. Há que corrigir erros e unir. toca a congregar os descontentes e os descontentes do PSd que são muitos face à situação de compadrio que lá se vai constatando. Há quem esteja farto daquela merda. Já se pede a cabeça do presidente e do Aires.
Sr. Arquitecto
não diza nada dos projectaçso do seu
Primeiro Ministro?
"Quem não tem inimigos, não é digno de ter amigos" provérbio chinês
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