MORTA PELA "BOA" LEI
Todo o acto de cidadania emerge de uma escolha, feita do conhecimento e da experiência, da circunstância e da nossa história. Não será perfeito, nem absoluto. Mas, pode e deve ser consciente, tolerante, uma manifestação de respeito pelo outro e o reafirmar da aposta na Humanidade.
Sem dramatismos excessivos e com humildade, é no campo das escolhas, feitas em silêncio e com a solidão bastante depois de ver e de ouvir, que o referendo sobre a IVG pode transformar-se, para cada um de nós, numa oportunidade para assumir a nossa responsabilidade social, em de 11 de Fevereiro.
Até lá, olhar para a vida, nua e crua, é o melhor a fazer quando se tem que preparar decisões sensíveis, certo de que toda a escolha implica uma renúncia e um risco.
Uma amiga deu-me o caminho do blog de Júlio Machado Vaz.
Lá encontrei um texto de Fernanda Câncio, que é impossivel não partilhar. Aqui vai.
A história passa-se no final de 2005. Uma adolescente de 14 anos entra no Hospital de Santa Maria com uma overdose de misoprostol, vulgo Citotec, o medicamento para o estômago liberalizado nos últimos cinco ou seis anos como método abortivo auto-induzido que resulta em inúmeras sobredosagens diagnosticadas nas urgências. Ana - chamemos-lhe Ana, é curto e serve - tomou 64 comprimidos. Remetida de um hospital de periferia, chega "já em choque" a Santa Maria, com "alterações vasculares importantes ao nível do tubo digestivo". Em bom português, a Ana está toda rebentada por dentro. A operação não a salva. Ana estava de 20 semanas. Mais dez que aquelas que a pergunta do referendo prevê e mais oito que as 12 previstas na lei em vigor para casos de "risco para saúde física ou psíquica da grávida". Talvez, se Ana tivesse tido a ideia e a coragem de, com ou sem os pais, ir a um hospital às dez semanas de gravidez, um médico compassivo lhe tivesse resolvido "o problema", considerando que a gravidez numa menina de 14 anos pode constituir um grave risco para a saúde. Nunca saberemos. O que se sabe é que a lei não abre excepções para meninas de 14 anos - mesmo se, aos 14 anos, nem sequer se é imputável criminalmente. O que se sabe é que a lei diz que toda a gravidez "normal" que não seja entendida como fruto de crime de violação deve ser levada a termo, com carácter de obrigatoriedade e sob ameaça de três anos de prisão. E que mesmo nos casos como o da Ana, cujo acto, pela idade da autora, estaria automaticamente despenalizado, a pena pode ser a morte. A morte por aborto, em 2005, por ausência de acesso a uma interrupção de gravidez médica e segura. É esta a lei "boa" que Marcelo Rebelo de Sousa descobriu agora. Esta ou aquela que o professor, na sua dominical cátedra mediática, imaginou em forma de "despenalização geral", sem limite no tempo de gestação, desde que "não seja a mulher a decidir". Quem decidiria, não se sabe, o professor não disse. Nem o que aconteceu à argumentação do sagrado valor da "vida intra-uterina", o tal valor que justifica a qualificação de "crime". Nem, tão-pouco, o que aconteceria às mulheres que decidissem interromper a gravidez sem caução "superior". Mas adivinha-se. Aconteceria o que acontece agora, exactamente: vergonha, clandestinidade, sofrimento, saúde arruinada e às vezes morte. É a pena que o professor Marcelo, que não quer "ver mulheres julgadas", lhes decreta. A pena de morte, sem julgamento.
19 Comments:
Serão contáveis os números de casos como os de "Ana"? Quem, de entre os pregadores da hipocrisia, se importa com isso?
O Professor Vital Moreira apontou 12 razões que justificam as suas posições: simples, claras e plenamente justificadas; elas foram o tema da sua habitual crónica das terças-feiras, e saiu na última, no "Público".
Vital Moreira vai estar no programa "Prós & Contras", da RTP1, na próxima segunda-feira, o que promete um debate esclarecedor.
Correndo o risco de me julgar um Yesman, mais uma vez não deixo de concordar com esta argumentação.
Morrer aos 14 anos é dramático!
Que o aborto é triste e uma opção dolorosa, é-o, mas às vezes, não será o mal menor?
Aos defensores do Não!, aos que chamam "terroristas" a torto e a direito, era bom meterem a mão na conscência e... meditarem!
Creio ser um erro imaginar que isto apenas ocorreu por causa da lei actual. Bem como a utilizar este caso, como outros, como arma de arremesso contra os defensores do Não. Isso, sim, será a suprema hipocrisia. E uma enorme falta de seriedade no debate sobre a IVG a referendar.
Não há que ter ilusões, uma eventual vitória do Sim será apenas o início de uma longa caminhada. Tendo como objectivo a minimização de ocorrências destas.
Boa noite!
Encontro-me amargurada, desalentada, num imenso tremor de emoção, tudo isto por sofrer a dor da Ana, ou melhor por afigurar a angústia da Ana e dos seus pais.
A desesperança a que esta adolescente acudiu sem que uma mão justa a pudesse acudir.
Excelente artigo, este, que o Arquitecto Garcia com a sua clarividência, humanidade e lisura, que o revestem, acaba de nos dar a "beber".
Mais uma pausa. Mais uma oportunidade. Mais uma paragem de frente contra o Tema Interrupcção Voluntária da Gravidez (IVG) e, sem preconceitos, sem ideias preestabelecidas, meditemos em todas as "Anas" por este país e, por estes anos fora.
E pensar, que o que aconteceu foi dentro da Lei actual!
E pensar, que certamente, ninguém desejava este árido endereço para a Ana!
E para as outras tantas "Anas" de Portugal?
O que aspiramos?
O que desejamos?
Já agora, o que arquitectamos?
Poderemos alterar algo?
Claro que SIM! Alterar a legislação.
Está nas VOSSAS e nas minhas mãos.
Votando, a 11 de Fevereiro, SIM!
Caro Arqº Garcia.
Sim,pelo sim!
O sim em nada altera a vontade de cada um(a),permanecendo esta incólume,já o não,perpetua de modo vergonhoso a actual mentira e a hipócrita e retrograda lei a que a própria justiça faz justiça,
excluindo-a da sua prática por natural vergonha.
Desconhecia o texto,mais uma boa escolha.
Osório Rio
Abençoada a minha mãe que não me matou...
e já agora, abençoada também a tua que não te matou. Se o tivesse feito, a esta hora não poderias estar a ler este comentário.
A Lei já permite ABORTAR em 3 casos:
- risco de vida para a mãe
- má formação do feto
- violação
Para quê mudar a lei? Haverá algum caso, para além destes, que justifique MATAR um ser humano?
Vota NÃO.
Se o SIM ganhasse, cada aborto custaria € 700, tirados dos TEUS impostos.
E que tal se esse dinheiro fosse investido em políticas de apoio à natalidade, protecção à mãe, aumento do periodo de licença de maternidade, incentivo à natalidade... Já viram a nossa pirâmide demográfica?
Para aqueles que chamam hipocritas aos defensores do NÃO, em primeiro lugar prestem homenagem á vossa mãe por poderem estar aqui a dar a vossa opinião. Em segundo lugar, quem será mais hipocrita, eu: que não tenho nada a ver com partidos ou religiões, tenho apenas a minha opinião como cidadão. Ou voçês: que de tão bem informados, saberão concerteza que a esmagadora maioria de casos de IVG, são feitos por meninas "bem" só porque estão grávidas e não queriam. Mas isto nunca vái acabar e vái continuar a ser clandestino, ou acham que estas meninas vão ao centro de saúde, para que toda a gente sáiba quem elas são?
Em casos de risco a lei já o permite. EU NUNCA PACTUAREI COM ISTO. SEREI HIPOCRITA POR ISSO?
Hipocrisia ?
Não estou a perceber o(a) asilva,pois o sim não vincula ninguem,muito menos obriga seja quem for,vote sim ou não,a abortar se não for essa a sua vontade.
Caríssimo Silva Garcia,
Pura demagogia. Bem sabe que casos como o relatado não desaparecerão se o SIM ganhar.
Continuo o comentário aqui.
Abraço
Também me sentiria revoltado se o dinheiro dos meus impostos fosse usado para financiar abortos?
Então não seria bem melhor pegar nesse dinheiro e investir em melhores condições para as mães, em educação sexual, etc... ? Com mais informação e apoio, o número de gravidezes indesejadas diminuiria certamente.
Por isso, votarei NÃO.
E você não fica revoltado pelo facto do seu dinheiro ser utilizado a tratar pessoas que fizeram aborto clandestinamente, dando a ganhar às máfias, e que, porque foram tratadas abaixo de cão, depois recorrem aos hospitais públicos em busca de salvação? Ou daquelas que fazem abortos clandestinos num momento de fragilidade, ficam feridas internamente por causa de más práticas "clínicas" das abortadeiras, e depois gastam o dinheiro público a tentar tratamentos para engravidar?Ou, noutro plano daqueles que continuam a fumar, destruindo o~s pulmões, apesar de verem inscrito nos maços de tabaco que o fumo Mata? Ou dos comem a fartar vilanagem, ficam obesos ou diabéticos, e têm avc´s? De todos você paga a despesa! Isso não o incomoda?
Já pensou que se as pessoas não tivessem medo de ir ao hospital quando ainda podem receber ajuda para decidir, se calhar em vez de abortar encontram apoio para superar dificuldades e poder assumir uma maternidade com êxito?
Os casos da vida não são demagogia, nem eu pretendi instrumentalizar demgogicamente o caso descrito.
Admito que uma leitura apressada possa percepcionar tal intenção, mas, por ter sido superficial não alcançou o sentido das coisas.
Tentarei ser mais claro.
Casos como o apontado acontecerão sempre, uma vez que, quando tratamos de questões que se geram no interior e no íntimo de cada um e estão dependentes da sua forma unipessoal de tratar os assuntos próprios,é óbvio que, sobre eles não poderemos ter qualquer precepção ou acção.
Mas, uma coisa é certa e evidente: se o HOSPITAL - estabelecimento de sáude legalmenbte autorizado - deixar de ser visto como um passo célere para a PRISÃO, se, desse modo for resolvido o medo, ele passa a ser um destino procurado por quem precisa de ajuda. Nessa altura , talvez hajam mulheres (jovens e adultas) que a ele recorram para confirmar a IVG. Com a diferença de que o farão depois de abertas as portas e um abraço de compreensão e aconselhamento, fazendo-o de forma informada, com responsabildade e segurança e evitando complicações futuras.
Mas, eu tenho a convicção que,nas novas condições, é muito mais provável que um maior número de mulheres acabe por encontar aí o ombro amigo que as ajudará no melhor dos sentidos, a superar o seu drama e a fazer dele uma oportunidade feliz de maternidade!
Alguém duvida que, em muitas famílias não existe espaço de diálogo e compreensão, ambientes de tal modo inibidores que bloqueiam os filhos em situação de crise e os empurram tantas vezes para caminhos e soluções ínvias?
As jovens que, por algum motivo, tenham medo de partilhar com os pais uma gravidez indesejada, não precisarão de passar o que Ana fez. Nesse Hospital mais humanista que queremos construir mudando a lei actual, poderão encontrar a ajuda necessária para estabelecer com esses pais a ponte de que doutro modo não se seria capaz de construir sozinha!
Só podemos ajudar conhecendo as pessoas, sabendo quem são, onde estão e qual a circunstância de cada uma. Num Hospital amigo e não delator isso acontecerá, certamente, muito mais facilmente e mais vezes!
J.J.Silva Garcia
Meus caros, desde já deixem que vos diga que sou contra o aborto.Mas a razão que me leva a deixar este comentário prende-se com o facto de ter vergonha de viver num país onde quem manifesta a sua opinião não assina por baixo, como é o caso dos comentários que aqui se vêm a favor do não!!!Também tenho vergonha de viver num país que não dá liberdade de opção a uma mulher (quaisquer que sejam as suas razões)de decidir em consciencia e dentro da legalidade a sua opçao.Também tenho vergonha que se discute politicamente um assunto que deverá ser do intimo de cada um.Sim, concordo que se promova a maternidade a educação sexual e se melhorem as condiçoes de incentivo á natalidade.Por onde andam todos esses "Movimentos Cívicos" quando a sociedade precisa deles... em campanhas políticas?Sim... temos grandes Movimentos Politicos neste país... mas poucos Cívicos.Por tudo isto e mais alguns argumentos, eu vou votar Sim.... e sou contra o Aborto.Rui Fernandes ruicf@clix.pt
O discurso da desonestidade intelectual prolifera entre alguns dos defensores do sim...porque será?
A tal questão da Coerência... Alguma "esquerda" pequeno-burguesa, instalada na vida e à mesa do orçamento após o 25-4-1974, vem falar de coerência ou falta dela, a quemsempre foi coerente em não aceitar a Liberalização do Aborto, dantes como agora...Não setrata de despenalizar ou mudar a moldura penal de quem pratica o aborto, trata-se de o liberalizar...
Para o Pedro Bandeira:
Tem toda a razão no que escreve. Concordo plenamente. É claro que me sinto revoltado por saber que os fumadores estão a servir-se dos meus impostos para serem tratados em hospitais públicos, mesmo apesar dos maços indicarem que fumar mata.
É claro que concordo consigo. Mas isto só me dá mais razão:
QUE SE INVISTA NA PREVENÇÃO. NA EDUCAÇÃO.
Se houver educação sexual, certamente que muitas gravidezes indesejadas serão evitadas, e consequentemente abortos. Ou alguém duvida disto?
Se houver campanhas de sensibilização contra o tabaco, a situação é semelhante.
NÃO, votarei NÃO, pois NÃO quero que o meu dinheiro vá financiar ABORTOS, mas sim que financie a PREVENÇÃO, a EDUCAÇÃO, as melhores condições de vida para a mulher, para as mães. Que se incentive a natalidade. É disto que o país precisa.
Quantas mulheres estão presas por crime de aborto?
ZERO.
Se o sim ganhasse, eu exijo que todas as mulheres que façam aborto para além das 10 semanas sejam EFECTIVAMENTE presas. Tenho razão, não tenho? Já pensaram nisto? Pois é...
anónimo/anónimo.. a questão não está em prender ou não as mulheres que abortam...segundo as estatisticas judiciais nenhuma esta presa por ter abortado...penalizadas foram as que ajudaram a fazer o aborto nelas( ou seja as abortadeiras) e mesmo estas ssalvo erro apenas quatro em todo o espaço nacional nos ultimos Três anos.. tiveram a sua pena suspensa... Prisão efectiva creio que nenhuma...desconheço se tiveram preventivamente detidas...
COMO DIziaa questão não está na Penalidade a sofrer... O que este referendo quer é enchertar no conceito criminal de aborto um conceito liberalizador(desjurisdicionalizar contravencional ecriminalmente)do acto de abortar seja por quem o sofre seja por quem o executa...
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