09 janeiro 2010

IMPERDÍVEL






Ouvi o discurso Guaicaipuro Cuatemoc que me foi enviado por um amigo
http://www.youtube.com/watch?v=kUBa8IQhs-k

Esta intervenção foi feita em 2002 numa conferência dos chefes de estado da União Europeia, Mercosul e Caribe, realizada em Madrid. A maioria dos países americanos foi colónia da Europa e por centenas de anos foram expropriados de suas riquezas. Podem esses países pedir reparação pelos danos oriundos das expropriações? Podem compensar as dívidas actuais com as riquezas que foram roubadas no passado?
Se é que se pode dizer isto emocionei-me intelectualmente com o seu conteúdo!
Esse conteúdo, partilhado pelo latino-americano no velho continente, traz-nos um olhar diferente e novo sobre uma velha questão, mas um olhar que também nos leva a reinventar o conceito de justiça.
Além disso, não sendo essa a questão essencial, um outro problema se levanta também: porque é que só nos finais de 2009 ouvimos por aqui falar deste discurso? Porque só agora é partilhado por aqui? Porque é que até agora, a Europa civilizada tem estado indiferente? Porque é que os meios de comunicação social livres não deram qualquer relevo ao facto? Onde está a força da globalização e onde ficou a função de informar da comunicação social? Por onde anda a liberdade de pensamento nesta Europa da Liberdade
Na verdade se alguma referência se fez passou completamente despercebida. Percebe-se porquê! Este discurso causa uma grande perplexidade, mas, sobretudo, reduz a poeira a conversa da treta que vem sendo espalhada para continuar a justificar a escandalosa exploração dos países pobres pelo capitalismo sem rosto humano dos que se autoproclamam a vanguarda civilizacional.
Repito, este é um discurso que nos obriga a uma urgente reflexão ética e política sobre o modelo em que nos movemos, e, mais do que isso, à inevitabilidade de construirmos um novo paradigma assente no reforço do humanismo e da justiça social.

Aqui fica o texto integral do Discurso.
A Verdadeira Dívida
Aqui pois eu, Guaicaipuro Cuatémoc, vim a encontrar aos que celebram o encontro. Aqui pois eu, descendente dos que povoaram a América faz quarenta mil anos, vim encontrar aos que se encontram faz quinhentos anos. Aqui pois nos encontramos todos: sabemos o que somos, e é bastante.
Nunca teremos outra coisa.
O irmão aduaneiro europeu me pede papel escrito com visto para poder descobrir aos que me descobriram. O irmão usurário europeu me pede pagamento de uma dívida contraída por Judas a quem nunca autorizei a vender-me. O irmão legalista europeu me explica que toda a dívida se paga com interesses, ainda que seja vendendo seres humanos e países inteiros sem pedir-lhes consentimento.
Eu lhes vou descobrindo.
Também eu posso reclamar pagamento, posso reclamar interesses. Consta no arquivo das Índias. Papel sobre papel, recibo sobre recibo, firma sobre firma, que somente entre os anos 1503 e 1660 chegaram a San Lúcar de Barrameda 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata provenientes da América. Saque? Não o crera eu! Porque é pensar que os irmãos cristãos faltam a seu sétimo mandamento. Espoliação? Guarde-me Tanatzin de figurar-me que os europeus, como Caim, matam e depois negam o sangue do irmão! Genocídio? Isso seria dar crédito a caluniadores como Bartolomeu de las Casas que qualificam o encontro de destruição das Índias, ou a culturosos como o Dr. Arturo Pietri, quem afirma que a arrancada do capitalismo e a actual civilização se deveu à inundação de metais preciosos!
Não! Esses 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata devem ser considerados como o primeiro de vários empréstimos amigáveis da América para o desenvolvimento da Europa.
O contrário seria presumir crimes de guerra, o que daria direito, não só a exigir devolução imediata, senão indemnização por danos e prejuízos. Eu Guaicaipuro Cuatémoc prefiro crer na menos ofensiva das hipóteses.
Tão fabulosas exportações de capital não foram mais que o início de um plano Marshalltezuma, para garantir a reconstrução da bárbara Europa, arruinada por suas deploráveis guerras contra os cultos muçulmanos, defensores da álgebra, da poligamia, do banho diário e outras conquistas superiores da civilização.
Por isso ao transmitir o Quinto Centenário do Empréstimo podemos perguntar-nos: Fizeram, os irmãos europeus, um uso racional, responsável ou pelo menos produtivo dos recursos tão generosamente adiantados pelo Fundo Indo americano Internacional?
Deploramos dizer que não.
No estratégico, o dilapidaram na batalha de Lepanto, armadas invencíveis, terceiros Reich e outras formas de extermínio mútuo, sem mais que acabar ocupados pelas tropas gringas da OTAN, como Panamá, mas sem canal...
No financeiro foram incapazes de uma moratória de 500 anos - tanto de cancelar capital e interesses - como tornar-se independentes das rendas líquidas, das matérias-primas e da energia barata que os exporta o Terceiro Mundo. Este deplorável quadro corrobora a afirmação de Milton Friedman conforme a qual uma economia subsidiária jamais poderá funcionar. E nos obriga a reclamar-lhes - para seu próprio bem - o pagamento de interesses que tão generosamente demoramos todos esses séculos.
Ao dizer isto, aclaramos que não nos rebaixemos a cobrar-lhes aos irmãos europeus as vis e sanguinárias taxas flutuantes de 20 a até 30% que os irmãos europeus cobram aos povos do Terceiro Mundo. Nos limitaremos a exigir a devolução dos metais preciosos adiantados, mais o módico interesse fixo de 10% anual, acumulado durante os últimos 300 anos. Sobre esta base aplicando a europeia forma de interesse composto, informamos aos descobridores que só nos devem, como primeiro pagamento de sua dívida, uma massa de 180 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata, ambas elevadas à potência de 300. Ou seja, um número para cuja expressão total, seriam necessárias mais de 300 cifras e que supera amplamente o peso da terra.
Muito pesadas são estas barras de ouro e prata! Quanto pesariam calculadas em sangue?
Abduzir que a Europa em meio milénio não pôde gerar riquezas para cancelar este módico interesse, seria tanto como admitir seu absoluto fracasso financeiro e, ou, a demencial irracionalidade dos supostos do capitalismo.
Tais questões metafísicas, desde logo, não nos inquietam aos indo-americanos. Mas sim exigimos a imediata firma de uma carta de intenção, que discipline os povos devedores do velho continente, e que os obrigue a cumprir seu compromisso mediante uma pronta privatização ou reconversão da Europa que lhes permita entregando-nos inteira como primeiro pagamento de uma dívida histórica.
Dizem os pessimistas do Velho Mundo que sua civilização está em uma bancarrota que lhes impede com seus compromissos financeiros e morais. Em tal caso nos contentaríamos em que nos pagassem entregando-nos a bala com que mataram ao poeta. Mas não poderão. Por que essa bala é o coração da Europa.


12 Comments:

Blogger RENATOGOMESPEREIRA said...

Nâo deixa de ser um discurso racista, xenófobo e hipócrita..porque é um discurso também europeu...disfarçado de genuinamente indio... oiu seja é o discurso do vendedor não do artigo genuino mas da banha da cobra...São muito conhecidos esses "sertanejos"...
Os "roubados" morreram...e os ladrões também...e ambos os descendentes já fizeram contas no passado...boas ou más assim nasceram as nações e acabou o jugo colonial...até porque foi deus que criou o mundo e não consta que tivesse registado propriedades para cada um...consoante araça ,credo ou continente...

11 janeiro, 2010 17:49  
Anonymous Anónimo said...

AO RENATOGOMESPERERIA

Você tem razão RENATO. O todo poderoso DEUS BRANCO, de fato não deixou registo de propriedades para cada um...consosante a raça, credo ou continente....APENAS deixou escrito que tudo aqui na Terra era para uso e usofruto DO HOMEM BRANCO (como ele), para toda a eternidade....Amén!!!!! E quem se atrver a protestar, não pasa de UM VENDEDOR DA BANHA DA COBRA.....

12 janeiro, 2010 21:45  
Anonymous Anónimo said...

Portugal teve o beneficio do ouro judeu e das exploraçoes coloniais se se fosse a contabilizar esses roubos todos teriamos de pagar bem caro...

13 janeiro, 2010 14:34  
Blogger RENATOGOMESPEREIRA said...

Azar eu não ser o homem branco...azar eu não ser europeu...Anónimo não serás tu o europeu e o branco?
Tás a cuspir pró ar porquê?é a ti que os "banha da cobra" te estão a pedir o ouro roubado...Paga-lhes...Tu é que ficaste com o ouro que os outros "roubaram"..ou 2"pediram emprestado"..será que não ouves bem? Ou não percebeste ainda que és tiu que tens que ficar sem o ouro...ele está na tua posse ...ès tu o colonialista, meu...será que não entendeste ainda? e não adianta dizeres que foste escravo dos africanos egipcios, e fenicios, na antiguidade ou dos romanos, ou dos arabes...isso não conta...

17 janeiro, 2010 15:59  
Blogger Manuel CD Figueiredo said...

Creio ter compreendido bem o sentido do discurso, omitido do conhecimento público(porquê?): conhecer a verdadeira dívida - o fundo da questão -, que é saber quem tem todo o direito de fazer a festança da paz, da concórdia, da solidariedade e da justiça.
Desde tempos remotos, e ainda hoje: o que pretendem os ditos civilizados países com a "ajuda" aos povos subdesenvolvidos e antes por eles explorados? O lucro, e apenas o lucro, mantendo as condições de pobreza e a continuação da exploração, e isso em nome de quê?
Não é o muito peso da prata e do ouro que conta. É antes o peso, pesadíssimo, das más consciências de quem se julga no superior direito de governar o mundo.

17 janeiro, 2010 22:56  
Blogger RENATOGOMESPEREIRA said...

Comandante:
os estados unidos da américa, tornaram-se independentes do poder colonial europeu...São AMERICANOS ...NOVAS NAçÕES, livres do JUGO COLONIAL europeu... e Branco...mas não são o simbolo do capitalismo também?

18 janeiro, 2010 23:08  
Blogger Manuel CD Figueiredo said...

O Renato tem razão no que escreve, mas isso não invalida o que escrevi.

19 janeiro, 2010 20:50  
Anonymous Anónimo said...

Bem visto o comentário do Renato!
Não fui eu nem o meu vizinho que andaram no gamanço colonial. Foram sim os euro-descendentes que agora lá habitam!
A ver as coisas por este prisma também teríamos o direito de reclamar a Roma a roubalheira e exploração feita pelo império romano. Sem falar nas invasões francesas...
Iríamos passar o próximo século a fazer contabilidade de gamanços entre povos.
Ridículo!
E os povos nativos das Américas?
Já ajustaram as contas entre si?
É que a exploração de povos por outros povos não é um exclusivo europeu...

27 janeiro, 2010 06:36  
Anonymous Anónimo said...

Relacionando com o Haiti, acho importante relembrar alguns acontecimentos:

Em 1804, quando o Haiti conquistou a sua independência da França, na primeira revolução de escravos bem sucedida a nível mundial, os Estados Unidos recusaram-se a reconhecer o país. Os EUA continuaram a recusar o reconhecimento do Haiti durante mais 60 anos. Porquê? Porque os EUA continuavam a escravizar milhões dos seus próprios cidadãos e receavam que o reconhecimento do Haiti encorajasse a revolução dos escravos nos EUA.

Depois da revolução de 1804, o Haiti foi sujeito a um debilitante embargo económico pela França e pelos EUA. As sanções americanas duraram até 1863. A França acabou por usar o seu poderio militar para forçar o Haiti a pagar indemnizações pelos escravos que foram libertados. As indemnizações foram de 150 milhões de francos. (A França vendeu todo o território da Louisiana aos EUA por 80 milhões de francos!).

O Haiti foi forçado a pedir dinheiro emprestado aos bancos da França e dos EUA para pagar as indemnizações a França. Por fim, em 1947, foi finalmente feito um enorme empréstimo aos EUA para liquidar a dívida aos franceses. Qual o valor actual do dinheiro que o Haiti foi forçado a pagar aos bancos franceses e americanos? Mais de 20 mil milhões de dólares.

Os EUA ocuparam e governaram o Haiti pela força entre 1915 e 1934. O presidente Woodrow Wilson enviou tropas para o invadir em 1915. As revoltas dos haitianos foram dominadas pelos militares americanos – que mataram mais de 2000 num só confronto. Durante os dezanove anos que se seguiram, os EUA controlaram as alfândegas no Haiti, cobraram impostos e dirigiram as instituições governamentais.

De 1957 a 1986, o Haiti foi forçado a viver sob as ditaduras de "Papa Doc" e de "Baby Doc" Duvalier, apoiados pelos americanos. Os EUA apoiaram esses ditadores económica e militarmente porque eles faziam o que os EUA queriam e eram politicamente "anti-comunistas" – ou seja, como se traduz hoje, eram contra os direitos humanos das suas populações. Duvalier roubou milhões ao Haiti e contraiu uma dívida de centenas de milhões que o Haiti ainda continua a dever. Dez mil haitianos perderam a vida. As estimativas revelam que o Haiti tem uma dívida externa de 1,3 mil milhões de dólares e que 40% dessa dívida foi contraída pelos Duvaliers apoiados pelos EUA.

Há trinta anos, o Haiti não importava arroz. Hoje o Haiti importa quase todo o seu arroz. Embora o Haiti fosse a capital do açúcar das Caraíbas, hoje também importa açúcar. Porquê? Os EUA e as instituições financeiras mundiais dominadas pelos EUA – o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial – forçaram o Haiti a abrir os seus mercados ao mundo. Depois, os EUA despejaram no Haiti milhões de toneladas de arroz e açúcar subsidiados pelos EUA – arruinando os seus agricultores e arruinando a agricultura haitiana. Ao arruinar a agricultura haitiana, os EUA forçaram o Haiti a passar a ser o terceiro maior mercado mundial do arroz americano. Foi bom para os lavradores americanos, mau para o Haiti.

Em 2002, os EUA suspenderam centenas de milhões de dólares de empréstimos ao Haiti que deviam ser utilizados, entre outros projectos públicos, como a educação, para estradas. São essas as mesmas estradas que as equipas de salvamento têm tido tanta dificuldade em percorrer actualmente!

Em 2004, os EUA voltaram a destruir a democracia no Haiti quando apoiaram o golpe contra o presidente eleito do Haiti, Aristides.

Em Janeiro de 2009, a TV venezuelana assegurava que o terramoto no Haiti foi causado por uma nova arma americana.

27 janeiro, 2010 17:32  
Anonymous Anónimo said...

Corrigindo: Em Janeiro de 2010, a TV venezuelana assegurava que o terramoto no Haiti foi causado por uma nova arma americana. PF

28 janeiro, 2010 16:16  
Anonymous Anónimo said...

O anónimo anterior deixou uma interessante abordagem à história do Haiti.
Pena ter esquecido mencionar o autor da quase totalidade do texto aqui reproduzido: Bill Quigley.
Este texto pode ser encontrado com diferentes traduções para português em vários blogues, com a respectiva referência ao autor.

29 janeiro, 2010 01:43  
Anonymous Anónimo said...

Bill Quigley, exactamente. Não me pareceu relevante o autor, o que me interessa é a ideia para aplicar no texto do arquitecto Silva Garcia, com o qual concordo em absoluto.

O original encontra-se em http://www.countercurrents.org/quigley170110.htm

A tradução é de Margarida Ferreira e o meu nome é Pedro Faria

05 fevereiro, 2010 17:34  

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