09 agosto 2010

SERÁ INFLUÊNCIA TELÚRICA?

"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."
Pois é, podia escrever-se hoje e foi escrito em 1896, por Guerra Junqueiro.
Será isto questão genética ou influência telúrica?
Sei é que é insustentável este modo de ser!

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

O poovo continuas igual a si próprio, isso nao é defeito.

12 agosto, 2010 09:34  
Blogger José Leite said...

Meu caro arquitecto:

Venho cá poucas vezes mas desta vez não posso deixar de comentar.
Fazem falta mais Guerra Junqueiros.
A Igreja está ao lado do poder corrupto e venal. O povo continua anestesiado pela mentira, pela corrupção incensada pelo poder mediático, mais empenhado em defender os tenentes mandantes do que em desmistificar a «CORJA»...

Guerra Junqueiro foi, a par de Eça de Queiroz, um DESMISTIFICADOR!
Hoje em dia, seriam apodados de «caluniadores», «maledicentes»,
«inadaptados», quem sabe se «esquizofrénicos»... como diria, estou a imaginar, o czar das dúzias...
Veja o meu post mais recente sobre ele...

01 setembro, 2010 15:59  

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