17 fevereiro 2011

PARA LÁ DAS MEMÓRIAS CURTAS




PARA LÁ DAS MEMÓRIAS CURTAS
J.J.Silva Garcia
(artigo publicado em O Comércio da Póvoa, edição de 2011.02.17)


O Conselho de Prevenção da Corrupção recomendou, o Governo impôs, e a Câmara da Póvoa não teve alternativa senão elaborar um Plano de Prevenção de Riscos de Corrupção e Infracções Conexas.
Á semelhança dos outros municípios e órgãos da administração local e central tem que adoptar, o documento que tem que adoptar identifica as áreas onde existem maiores riscos de corrupção e exigem maior vigilância e prevenção de irregularidades. Pelo que foi noticiado, por cá irá incidir na vigilância sobre a contratação de empreitadas, a aquisição de bens e serviços, a atribuição de subsídios e o licenciamento de operações urbanísticas!
Pode então concluir-se que a escolha destas áreas segue a percepção de que é através delas que o regime democrático mais tem sido fragilizado, deixando um rasto de dúvidas e contributos para descredibilização do poder político e das instituições.
Neste contexto, se o Plano agora aprovado estiver bem elaborado e for bem aplicado, criar-se-ão condições para que os cidadãos passem a confiar mais no poder local.

Há cinco anos (e não há três, como disse Renato Matos!), com Isabel Graça e João Sousa Lima subscrevi uma proposta para a criação de um Código Municipal de Ética: precisamente a 20 de Fevereiro de 2006, como ficou registado na Acta n.º 04/06 da Reunião Ordinária da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim. Nessa altura a Câmara da Póvoa poderia ter feito algo muito parecido com o que agora está a fazer. Com a vantagem de que o teria feito por opção e não por imposição, E teria começado mais cedo o tão necessário exercício de credibilização institucional. Mas, maioria PSD preferiu manter a postura habitual que tanto a caracteriza de tentar atrasar a História!

O Código Municipal de Ética que então propusemos surgia na sequência do famoso Caso Dourado. Era um instrumento simples apresentado com o propósito de criar uma referência de atitude. Um sinal para o exterior, útil e desejável, num tempo em que era preciso voltar a credibilizar o que se tinha fragilizado pelos acontecimentos que levaram à condenação pelo Tribunal de crimes de abuso de poder, envolvendo o vice-presidente em exercício e um alto funcionário municipal!
A maioria PSD rejeitou-o, sem qualquer debate intelectualmente sério, estribando-se apenas no monólogo de uma Declaração de Voto que vale a pena revisitar.
Aí, a maioria queixava-se da existência de uma alegada cultura de desconfiança como se a culpa disso fosse das oposições, e quase sugeriu que se deixasse tudo à auto-regulação pessoal fazendo tábua rasa de tantas derivas de comportamento apesar das leis vigentes.
É óbvio que em primeiro lugar se deve esperar de cada cidadão uma postura ética, e que não é possível prever na lei todos os comportamentos. Mas, é precisamente porque há pessoas que desvalorizam a Ética, sobrepondo o interesse pessoal ao interesse comum, que se não deve deixar tudo à rédea solta.
Como se com isso pudesse denegrir a nossa proposta, no seu argumentário a maioria atirou-nos com Confúcio, dele tomando a ideia de que “governo é sinónimo de rectidão”…“se o soberano seguir o caminho recto”. A intenção da maioria era que chegássemos a um lugar-comum: que o bom governo e o destino dos povos é assegurado mais pelos homens do que pelas leis e que o progresso das sociedades se deve mais à cultura cívica do que à perfeição formal das suas leis. O problema, no entanto, é que nem os soberanos seguem sempre o caminho recto, nem todos os homens possuem uma cultura cívica capaz de tornar inúteis as regras em sociedade, sobretudo quando se trata de gerir a coisa pública.
A maioria PSD constatou então (alegadamente com dor), que “ainda continuamos a pensar que tudo resolve-mos a golpes de mágica legislativa, comprazendo-nos com possuir, em muitos sectores, as melhores legislações do mundo – ao mesmo tempo que valorizamos a capacidade de contornar a lei”.
Com certeza”, pensava eu com os meus botões, enquanto os ouvia e sentia de novo do Caso Dourado a passar naquele Salão Nobre!
Mais adiante e apesar de tudo lá reconheceram o que para nós era evidente, que “sem clareza e rigor moral nos procedimentos se abre uma brecha na legitimidade política”, e que o país precisava de “uma regulação dos interesses e das suas relações com os poderes públicos”.
Inopinadamente, nesse momento, quando as coisas pareciam retomar o caminho recto de que falava Confúcio, descambaram numa dissertação sobre o que decidiram apelidar de moralismo: “Caricatura da moral, o moralismo é uma armadilha perigosa: a vaga proibicionista e limitadora, animada pelos militantes da vir-tude, pelos lobbies das causas ecológicas e por outras almas cristalinas lá vai fazendo o seu caminho, primeiro com recomendações, depois com regulamentos, a seguir com proibições e, por fim, com a criminalização. Isto num tempo em que somos, colectivamente, indulgentes connosco e severos com os outros – ao contrário das gerações passadas, que eram exigentes consigo mesmas e benevolentes com todos.”
Aqui chegados, disseram depois: “Desde sempre habituados, em todas as circunstâncias da vida, à observância de princípios éticos, cumprimos, na gestão do município da Póvoa de Varzim, a “CARTA ÉTICA - DEZ PRINCÍPIOS ÉTICOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA”. Basta-nos isso! Está lá tudo quanto há a cumprir! “
E lá me lembrei eu do Caso Dourado!

A declaração da maioria PSD terminou referindo-se ao espírito da nossa proposta que, por propor um código de ética lhes pareceu “culturalmente retrógrado e expressão de uma das causas do nosso atraso civilizacional”, decidindo pela sua rejeição por lhes parecer um documento que, “constituindo uma manifestação doentia de desconfiança e de fundamentalismo moralista, nem sequer se dá conta de que, levado à prática, geraria a anedota e o bloqueio”.

Ao contrário, quando nos dispomos de livre vontade a aceitar regras democraticamente construídas damos sinal de maturidade cívica e um sinal de compromisso que ajuda a contaminar positivamente a comunidade. Foi isso que pretendemos e foi rejeitado. Cinco anos depois, lá fizeram um Plano, acatando as recomendações porventura culturalmente retrógradas do Conselho de Prevenção da Corrupção, feitas certamente num rasgo insuportável de doentia desconfiança e fundamentalismo moralista.

A minha dúvida é se já alcançaram as motivações da nossa proposta e o seu alcance numa lógica de transparência e de afirmação dos princípios da isenção e da neutralidade na prossecução do interesse comum.

É útil trazer aqui Shakespeare quando avisa que “guardar ressentimentos é como tomar veneno e esperar que outra pessoa morra”. Por isso, para mim, o que lá vai, lá vai e não guardo qualquer ressentimento pelo chumbo de uma proposta, agora repescada no seu espírito por quem a chumbou. Mas espero que me deixem lamentar o tempo que se perdeu: por preconceito partidário, por inútil surdez e impenetrabilidade, trocando então o essencial pelo que era fugaz e efémero.

Qual será afinal o prazer intelectual de se tentar teimosamente atrasar a História?

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Pois é meu caro amigo, digo-lhe que os poveiros têm a memoria curta, e têm medo da prepotência desta gente!!!
A justiça em Portugal não funciona porque senão o país não estava assim...

20 fevereiro, 2011 19:48  
Blogger José Leite said...

O que mais há são «observatórios», «comissões», que em vez de contribuirem para melhorar, não passam de verbos de encher, de paliativos sem eficácia...

22 fevereiro, 2011 08:09  

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