CIDADE E DEMOCRACIA
1.
Será a cidade o resultado de um acto colectivo?
A sua materialização no espaço é feita por múltiplos e diversos agentes. Mas, será que basta a existência de Planos e Regulamentos produzidos pela Administração sem a participação dos cidadãos para que a cidade não seja, pelo contrário, o resultado de uma colagem de acções, descontínuas e sem a marca de um todo coerente?
Os actores directos no fenómeno da construção (serviços técnicos da administração, proprietários do solo, promotores particulares, empresas de promoção imobiliária, técnicos e construtoras) formam um grupo muito reduzido no contexto de uma população sobretudo consumidora. Como se pode afirmar, então, que a sua intervenção na prossecução dos respectivos interesses pessoais e empresariais é suficiente para que a cidade seja um acto colectivo?
Se o espaço público (estrutura viária e espaços construídos e naturais, de estar e de contemplação) e os equipamentos, são património de todos, como se pode considerar a cidade um acto colectivo sem a participação activa e objectiva da generalidade dos cidadãos na sua concepção?
Por outro lado, não há sistemas de ideias nem Planos de Ordenamento sem orçamentos que os viabilizem. Como construir, então, o orçamento de uma cidade? No contexto da Democracia Representativa o Executivo Municipal tem legitimidade para definir os investimentos locais a fazer. Mas, será suficiente este orgão eleito decidir sozinho o que fazer e como fazê-lo para que se cumpra o interesse colectivo?
Não será excessivamente redutor e pobre que o único mecanismo de participação reservado aos cidadãos seja a ida às urnas, onde, à posteriori, pode manifestar acordo ou reprovação pelo trabalho geral desenvolvido por um qualquer Executivo num dado período de tempo? Depois das coisas feitas..., cada vez mais afogados pela euforia do marketing eleitoral, que, teimosamente, faz que a propaganda valha mais que a informação, o esclarecimento e o debate, e faz ganhador quem tiver mais meios para hipnotizar...
O que nos tem dado e onde nos levará esta democracia dos cinco minutos?
Sem mecanismos de participação que dêem continuidade e maior fundamento à legitimidade dos eleitos, como pode assegurar-se que os Executivos sejam imunes à tentação de ficar cúmplices de mãos invisíveis e dos interesses imobiliários, promovendo as políticas urbanas que lhes são mais convenientes?
Num certo sentido, a ausência de um debate alargado sobre o modelo de cidade, apoiado em leituras globais e pontuais, que envolva toda a comunidade, é sinal de menoridade política e de autoritarismo no exercício do poder.
2.
A Democracia não é um facto estabelecido de uma vez por todas, é uma dinâmica.
Temos observado que, numa perigosa deriva que prejudica o projecto de um municipalismo democrático, a prática das administrações municipais actuais tem sempre algo de despótico e de autoritário. A par da surdez, de uma burocracia insuportável e do desprezo para com os cidadãos, manifesta-se através de um narcisismo igualmente nefasto. No exercício dos cargos políticos, a generalidade dos autarcas municipais vêem com receio as entidades sociais dos cidadãos, que entendem como algo anacrónico e pouco justificado em si próprio. Simulam aceitá-las apenas para dar uma imagem de participação democrática, mas têm como objectivo integrá-las nos sistemas que eles controlam.
Ao contrário, a vontade de saber e de comunicar, a argumentação pública e a livre circulação de ideias são factores de progresso. Como tal, tem de evoluir. É fundamental e urgente uma atitude do poder local baseada em valores inclusivos e não promotores de exclusão!
É evidente que a surdez autocrática é mais fácil de exercer. Informar os outros, motivá-los a reflectir, suscitar que formulem opiniões, é mais cansativo, exige paciência redobrada...
Mas, é patético considerar-se que um ambiente em que todos tenham opinião seja uma espécie de “embriaguêz da democracia”. Pelo contrário! Quem assim pensa, prefere o estado ébrio ao estado sólido de uma visão moderna, humanista e de vanguarda, que reconhece ao homem o primado de ser actor da História e não mero objecto!
3.
Para uma sociedade evoluída é inadiável fazer a pedagogia da cidade, do debate e da participação!
A cidade tem sido, sobretudo, uma mercadoria, e o solo não é entendido como suporte da cidade mas como oportunidade para materializar um produto...
A cidade é consumida de forma diferente por todos, mas criada apenas por alguns! No entanto, todos vivemos na cidade e sabemos o que nos incomoda e o que nos faz falta, o que nos dá prazer e suscita encantamento.
Por isso, a questão é saber como formalizar a participação, e que mecanismos criar para a promover e a assegurar. E, no que concerne às questões da cidade, que tipo de debate pode ser estabelecido com os cidadãos e que temáticas se podem abordar?
Tudo passa por promover um plano de acções de informação e reflexão. Dirigindo-se e envolvendo primeiro pequenos grupos, organizados em cada uma das partes urbanas identificáveis dentro do perímetro da cidade, e, depois, assembleias cada vez mais amplas!
Isso precisa de tempo e de informação, numa dinâmica em que é indispensável utilizar os recursos materiais e humanos do Município, nomeadamente os Técnicos que trabalham no planeamento e na gestão da cidade. Estes, por sua vez, também podem ganhar com as sugestões dos cidadãos e, assim, produzir documentos mais adequados à realidade local. E, ainda, será enriquecedor proporcionar-se o contributo de especialistas convidados que abordem as mais diversas questões do fenómeno do urbanismo.
Num primeiro momento, como experiência piloto no quadro do município, esta dinâmica poderá começar, pela criação de um Gabinete de Coordenação de Políticas Locais, composto pelo Presidente da Câmara, pelos Presidentes de Junta e por assessorias técnicas, que reunirá periodicamente, tendo como objectivo o diagnóstico sobre as fragilidades concelhias, a elaboração de soluções, a definição de prioridades e a avaliação permanente da implementação dos projectos.
Esta parceria estratégica na coordenação das acções a desenvolver num determinado concelho poderá ser um primeiro passo de uma participação progressivamente mais alargada à generalidade dos cidadãos e dos seus grupos de referência.
O Princípio da Participação pode ser aplicado em qualquer comunidade, e implica que “todas as decisões sobre o que se tem de construir e sobre como se deve construir devem estar nas mãos dos utentes e destinatários”.
Porque não começar pelo método proposto por Christopher Alexander em “Urbanismo e Participação” que engloba seis princípios de actuação: a ordem orgânica, a participação, o crescimento em pequenas doses, os padrões e modelos, o diagnóstico e a coordenação?
Por outro lado, como criar um sistema de prioridades de investimento realmente eficaz e capaz de produzir desenvolvimento sustentável e coesão social e territorial?
Tenho por convicção que o Orçamento Participativo, experimentado em Porto Alegre e em mais de duzentas cidades brasileiras, é a solução moderna e de vanguarda que constitui um processo criativo fundamental à construção da cidade como um acto colectivo!
O orçamento participativo de Porto Alegre demonstrou ser uma via credível para ultrapassar o impasse entre uma concepção “espontaneísta” e ingénua da participação e uma visão tecnocrática da gestão. A acção que é possível empreender num município, dada a escala local, permite, de forma bastante fácil, realizações concretas, que os cidadãos podem tocar com a mão, tanto em mudanças profundas nas infra-estruturas urbanas como na cultura cívica dos habitantes, no reforço da cidadania.
O Poeta diz que “o caminho se faz caminhando”. Contra todas as âncoras do conformismo oportunista, começar é preciso...
J.J.Silva Garcia
1.
Será a cidade o resultado de um acto colectivo?
A sua materialização no espaço é feita por múltiplos e diversos agentes. Mas, será que basta a existência de Planos e Regulamentos produzidos pela Administração sem a participação dos cidadãos para que a cidade não seja, pelo contrário, o resultado de uma colagem de acções, descontínuas e sem a marca de um todo coerente?
Os actores directos no fenómeno da construção (serviços técnicos da administração, proprietários do solo, promotores particulares, empresas de promoção imobiliária, técnicos e construtoras) formam um grupo muito reduzido no contexto de uma população sobretudo consumidora. Como se pode afirmar, então, que a sua intervenção na prossecução dos respectivos interesses pessoais e empresariais é suficiente para que a cidade seja um acto colectivo?
Se o espaço público (estrutura viária e espaços construídos e naturais, de estar e de contemplação) e os equipamentos, são património de todos, como se pode considerar a cidade um acto colectivo sem a participação activa e objectiva da generalidade dos cidadãos na sua concepção?
Por outro lado, não há sistemas de ideias nem Planos de Ordenamento sem orçamentos que os viabilizem. Como construir, então, o orçamento de uma cidade? No contexto da Democracia Representativa o Executivo Municipal tem legitimidade para definir os investimentos locais a fazer. Mas, será suficiente este orgão eleito decidir sozinho o que fazer e como fazê-lo para que se cumpra o interesse colectivo?
Não será excessivamente redutor e pobre que o único mecanismo de participação reservado aos cidadãos seja a ida às urnas, onde, à posteriori, pode manifestar acordo ou reprovação pelo trabalho geral desenvolvido por um qualquer Executivo num dado período de tempo? Depois das coisas feitas..., cada vez mais afogados pela euforia do marketing eleitoral, que, teimosamente, faz que a propaganda valha mais que a informação, o esclarecimento e o debate, e faz ganhador quem tiver mais meios para hipnotizar...
O que nos tem dado e onde nos levará esta democracia dos cinco minutos?
Sem mecanismos de participação que dêem continuidade e maior fundamento à legitimidade dos eleitos, como pode assegurar-se que os Executivos sejam imunes à tentação de ficar cúmplices de mãos invisíveis e dos interesses imobiliários, promovendo as políticas urbanas que lhes são mais convenientes?
Num certo sentido, a ausência de um debate alargado sobre o modelo de cidade, apoiado em leituras globais e pontuais, que envolva toda a comunidade, é sinal de menoridade política e de autoritarismo no exercício do poder.
2.
A Democracia não é um facto estabelecido de uma vez por todas, é uma dinâmica.
Temos observado que, numa perigosa deriva que prejudica o projecto de um municipalismo democrático, a prática das administrações municipais actuais tem sempre algo de despótico e de autoritário. A par da surdez, de uma burocracia insuportável e do desprezo para com os cidadãos, manifesta-se através de um narcisismo igualmente nefasto. No exercício dos cargos políticos, a generalidade dos autarcas municipais vêem com receio as entidades sociais dos cidadãos, que entendem como algo anacrónico e pouco justificado em si próprio. Simulam aceitá-las apenas para dar uma imagem de participação democrática, mas têm como objectivo integrá-las nos sistemas que eles controlam.
Ao contrário, a vontade de saber e de comunicar, a argumentação pública e a livre circulação de ideias são factores de progresso. Como tal, tem de evoluir. É fundamental e urgente uma atitude do poder local baseada em valores inclusivos e não promotores de exclusão!
É evidente que a surdez autocrática é mais fácil de exercer. Informar os outros, motivá-los a reflectir, suscitar que formulem opiniões, é mais cansativo, exige paciência redobrada...
Mas, é patético considerar-se que um ambiente em que todos tenham opinião seja uma espécie de “embriaguêz da democracia”. Pelo contrário! Quem assim pensa, prefere o estado ébrio ao estado sólido de uma visão moderna, humanista e de vanguarda, que reconhece ao homem o primado de ser actor da História e não mero objecto!
3.
Para uma sociedade evoluída é inadiável fazer a pedagogia da cidade, do debate e da participação!
A cidade tem sido, sobretudo, uma mercadoria, e o solo não é entendido como suporte da cidade mas como oportunidade para materializar um produto...
A cidade é consumida de forma diferente por todos, mas criada apenas por alguns! No entanto, todos vivemos na cidade e sabemos o que nos incomoda e o que nos faz falta, o que nos dá prazer e suscita encantamento.
Por isso, a questão é saber como formalizar a participação, e que mecanismos criar para a promover e a assegurar. E, no que concerne às questões da cidade, que tipo de debate pode ser estabelecido com os cidadãos e que temáticas se podem abordar?
Tudo passa por promover um plano de acções de informação e reflexão. Dirigindo-se e envolvendo primeiro pequenos grupos, organizados em cada uma das partes urbanas identificáveis dentro do perímetro da cidade, e, depois, assembleias cada vez mais amplas!
Isso precisa de tempo e de informação, numa dinâmica em que é indispensável utilizar os recursos materiais e humanos do Município, nomeadamente os Técnicos que trabalham no planeamento e na gestão da cidade. Estes, por sua vez, também podem ganhar com as sugestões dos cidadãos e, assim, produzir documentos mais adequados à realidade local. E, ainda, será enriquecedor proporcionar-se o contributo de especialistas convidados que abordem as mais diversas questões do fenómeno do urbanismo.
Num primeiro momento, como experiência piloto no quadro do município, esta dinâmica poderá começar, pela criação de um Gabinete de Coordenação de Políticas Locais, composto pelo Presidente da Câmara, pelos Presidentes de Junta e por assessorias técnicas, que reunirá periodicamente, tendo como objectivo o diagnóstico sobre as fragilidades concelhias, a elaboração de soluções, a definição de prioridades e a avaliação permanente da implementação dos projectos.
Esta parceria estratégica na coordenação das acções a desenvolver num determinado concelho poderá ser um primeiro passo de uma participação progressivamente mais alargada à generalidade dos cidadãos e dos seus grupos de referência.
O Princípio da Participação pode ser aplicado em qualquer comunidade, e implica que “todas as decisões sobre o que se tem de construir e sobre como se deve construir devem estar nas mãos dos utentes e destinatários”.
Porque não começar pelo método proposto por Christopher Alexander em “Urbanismo e Participação” que engloba seis princípios de actuação: a ordem orgânica, a participação, o crescimento em pequenas doses, os padrões e modelos, o diagnóstico e a coordenação?
Por outro lado, como criar um sistema de prioridades de investimento realmente eficaz e capaz de produzir desenvolvimento sustentável e coesão social e territorial?
Tenho por convicção que o Orçamento Participativo, experimentado em Porto Alegre e em mais de duzentas cidades brasileiras, é a solução moderna e de vanguarda que constitui um processo criativo fundamental à construção da cidade como um acto colectivo!
O orçamento participativo de Porto Alegre demonstrou ser uma via credível para ultrapassar o impasse entre uma concepção “espontaneísta” e ingénua da participação e uma visão tecnocrática da gestão. A acção que é possível empreender num município, dada a escala local, permite, de forma bastante fácil, realizações concretas, que os cidadãos podem tocar com a mão, tanto em mudanças profundas nas infra-estruturas urbanas como na cultura cívica dos habitantes, no reforço da cidadania.
O Poeta diz que “o caminho se faz caminhando”. Contra todas as âncoras do conformismo oportunista, começar é preciso...
J.J.Silva Garcia
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